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ORÁCULO
DIALÉTICA JUDICIAL

DIALÉTICA JUDICIAL

JOBIS PODOSAN

 

 

É uma experiência eterna que todo aquele que detém o poder tende a abusar dele, por isto é preciso que as coisas sejam dispostas de tal maneira que o poder detenha o próprio poder. Com tais palavras, Montesquieu fundamentou a separação de poderes de maneira que, agindo com funções separadas, o poder deixasse de ser opressivo para os cidadãos. Esclareça-se que, antes dessa doutrina, tínhamos o poder absolutos dos reis: eles legislavam, aplicavam a lei aos casos concretos e tinham a palavra final na composição dos conflitos, baseadas as decisões na suposta infalibilidade dos reis. Montesquieu ensinou que a concentração de poderes numa só pessoa, tornava esse poder incontrastável e, na mente defeituosa de alguns, infalível. A doutrina da separação de poderes tornou cada um dos poderes sob certos limites, uns fiscalizando os outros. Além disso, decorre da separação de poderes, um sistema, implícito ou explícito, de freios e contrafreios ou contrapesos, que, permitindo interferências mínimas entre os poderes, daí resulte mais liberdade para os cidadãos.

Os poderes às vezes se enfrentam e se confrontam, mas a Constituição contém mecanismos que sempre resolvem os conflitos entre os beligerantes. O Executivo governa, resolvendo os problemas do país e aplicando a parcela mais significativa do orçamento nacional na satisfação das necessidades básicas do país. Para evitar o personalismo do chefe do Executivo, o Poder Legislativo elabora as leis gerais e abstratas que devem ser seguidas pelos demais poderes. Já ao Poder Judiciário incumbe resolver os conflitos de interesses, seja entre as pessoas privadas, entre as privadas e públicas ou entre as pessoas públicas. Todavia, também o Poder Judiciário está também jungido a atuar com subordinação a lei. E tem mais. O Poder Judiciário está sujeito ao princípio da inércia. Por este princípio o Poder Judiciário somente atua quando provocado e suas decisões estão sempre sujeitas ao contraditório e à fundamentação. As ações judiciais, quaisquer que sejam, estão sempre vinculadas ao pedido de uma parte e à contestação da outra. Os juízes estão sempre vinculados ao processo e ao procedimento e não a sua vontade individual.

Quem tem o controle da força (o Poder Executivo), não diz o direito e quem diz o direito (os juízes) não controla o emprego da força. É esse equilíbrio que garante a liberdade do cidadão. Demonizar os juízes não retira um dedo das suas competências. Dado o princípio da vitaliciedade, os juízes só podem deixar os seus cargos ou por ato de vontade dele, juiz, ou pela aposentadoria compulsória ao atingir a idade limite, por isto todo esse jogo de cena que alguns estão fazendo abusando da liberdade de expressão, são apenas bravatas, busca de notoriedade por caminhos inacessíveis. O sistema constitucional repele as tentativas de afastar juízes dos seus quadros por língua comprida de alguém. Todos os juízes do STF lá chegaram por decisão de algum Presidente da República e aprovação do Senado, mas não podem ser tirados de lá por ninguém, salvo o processo de impeachment, que nunca houve em parte alguma do mundo. Como é da tradição das Cortes judiciais mundo afora, os juízes do STF não respondem às ofensas que lhes são irrogadas, por mais pesadas que sejam, para não fazer o jogo dos agressores que visam a impedi-los julgá-los.

Daí a descoberta magistral de Montesquieu: a separação de poderes.

O problema consiste e sempre consistiu na concentração de poderes e não na sua separação. Quando um dos poderes reclama da ação dos outros, está tentando concentrar poderes em suas próprias mãos, tentando chamar a si atribuições que não são suas.

Dentro do sistema constitucional brasileiro as competências estão repartidas na Constituição, de maneira que cada Poder sabe as competências que lhes são próprias. O governante despreparado, além das suas, tenta se imiscuir nas atribuições dos outros, cometendo crime de responsabilidade e se sujeitando ao impeachment, previsto no art. 85, II, da Constituição: constitui crime de responsabilidade do Presidente da República atos que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.

Há presidentes que confundem poderes amplos com poderes ilimitados. Não há poderes ilimitados no sistema constitucional brasileiro e, para evitá-lo a própria Lei Maior instituiu o sistema de freios e contrapesos, acima referido, através do qual as competências são prevalentemente exercidas por um dos poderes, mas se permite que os outros poderes tirem a caráter absoluto das competências outorgadas.

A fiscalização do exercício das competências do poderes foi deferida a cada um dos poderes, internamente (daí as corregedorias) e ao Poder Judiciário em relação aos demais poderes. Assim, uma vez acionado, o Poder Judiciário não pode se esquivar de julgar sobre a legalidade dos atos e até sobre sua legitimidade. O Poder Judiciário não intervém nos demais poderes, apenas exerce a sua função típica de julgar. Até para negar a sua competência, somente o judiciário pode fazê-lo. Os integrantes dos poderes Executivo e Legislativo quando reclamam de invasão do judiciário nas suas competências, estão apenas jogando para seus torcedores, porque sabem, quando se trata de decisões do STF, que espernear e só espernear, porque, dentro do sistema constitucional brasileiro, a palavra do Supremo é palavra final, nada mais havendo a fazer senão cumprir. Os poderes Executivo e Legislativo dispõem de assessorias altamente qualificadas para evitarem a prática de erros crassos. Se não as usam, arriscam-se a ter suas decisões contrastadas e declaradas nulas pelo Poder Judiciário. É certo que todo Chefe de Executivo ama o judiciário até este começar a cometer arbitrariedades. Quando o judiciário passa a invalidar seus atos, tais autoridades tentam jogar a responsabilidade não no ato que praticou, mas do que o afastou por violação à letra ou as espírito da lei.

É uma corrida inglória para o governante tentar desmoralizar as decisões da Suprema Corte. Vai reclamar e reclamar e reclamar, mas não vai mudar o julgado. Com o tempo passa a parecer um tolo até  pelos seus seguidores mais cegos, pois ninguém quer ser cego a vida toda. É só pesquisar: quantas decisões da Suprema Corte foram mudadas por insultos ou atos desrespeitosos do Presidente ou dos seus assessores mais próximo. Um ministro da educação, numa reunião ministerial, pretendeu mandar prender ministros do STF. Prendeu? Alguém mandou prender? Tem alguém, fora da prisão em flagrante, que possa prender ministros do STF, salvo os próprios ministros do STF? Essas tolices são só isso, tolices. Decisões dos juízes, uma vez transitadas em julgado, têm força de lei. As do STF, obrigam desde logo, porque não há órgão nenhum que possa mudar a decisão já tomada.

O STF decidiu, tollitur quaestio, questão resolvida, está encerrada a discussão. Só resta cumprir ou enfrentar os dissabores do descumprimento, afinal alguém deve falar por último, encerrar a discussão. É assim em toda parte do mundo civilizado.


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