- 18 de junho de 2025
A VIÚVA QUE CHORAVA DEMAIS
JOBIS PODOSAN
PARTE III
1969 foi o ano da minha formatura no ginásio, com paletó, gravata, baile, valsa e tudo que uma boa formatura tem. Findava o ano e nada de chegar o ensino médio. Parecia que o sonho do menino ia descer ladeira abaixo. Para todos em casa, já tinha descido. Os rapazes da minha época, após o ginásio tinham de trabalhar. Havia três alternativas: a Petrobrás, trabalhando com petróleo, a Ferbasa, com ferro e a olaria, fazendo tijolos. Fora disso, havia a Leste Brasileira e os ofícios (alfaiataria, barbearia, empregado de lojas e armazéns e outros), estes últimos de pouco interesse para os jovens. Estudar, ir além do ginásio estava fora das intenções da juventude de então, até mesmo por falta absoluta de condições de estudar na Capital. Cheguei a ser praticante da Leste, fazendo serviços na estação ferroviária local, tendo inclusive visto e conhecido o lendário Narciso, que depois viria a encontrar novamente, de modo significativo. Mas só havia duas vagas para telegrafista, que já estavam ocupadas por dois telegrafistas jovens, que chegaram primeiro.
Tudo parecia perdido! Mas não para o jovem futuro juiz (os irmãos já o tinham por doido).
Eis que no dia 15 de novembro de 1969, haveria festa na casa daquele Capitão, lembram! O Delegado que prendeu a viúva que chorava demais?
Pedi ao meu pai que me levasse à festa e lá fomos nós, eu já de calça comprida, pois já cumprira os 17 anos, além de ser formando da próxima turma do ginásio. Festa bonita, o agora Major fardado e com as insígnias do novo posto, gozava da estima e do respeito de todos, eu mesmo fora seu aluno de geografia e OSPB, um bom aluno, segundo ele. No meio da festa pedi para falar a sós com o Major (só o tratava pelo novo posto). Levou-me a sua sala de estudos e bem humorado, queria saber o que queria falar com ele.
— Quero que o senhor me consiga uma vaga no CPM (Colégio da Policia Militar), em Salvador, quero ser oficial da PM, como o senhor!
— Tens certeza?
— Absoluta, o senhor conhece meu desempenho como aluno, não creio que vá envergonhar o seu pedido.
— Vou ver o que posso fazer, nada mais posso fazer do que pedir e deu por encerrada a entrevista e saiu para conversar com o meu pai.
Em casa recebi a admoestação paterna: você foi pedir uma coisa impossível. Suponha que ele consiga a vaga, onde você vai morar, como bancar seus estudos na Capital? Pai, desculpe-me, não quis apoquentar o senhor com os meus sonhos, queria primeiro ver a viabilidade do meu projeto.
— Se ele conseguir a vaga é possível que eu consiga ir.
— E você vai ficar aonde?
— Na casa de Dinda, sua irmã, lá no São Caetano.
— Menino sua tia é pobre tem cinco filhos.
— Eu sei, mas ele me disse que eu posso ir, disse até que “onde comem sete, comem oito”.
— Mas e o transporte? Da casa da minha irmã até o CPM são uns 15K e é preciso pegar dois transportes para chegar lá.
— São 12 Km, pai. E o que isto significa para um menino do interior que só anda a pé.
— Vamos ver no que isto vai dar.
— Isto eu posso lhe dizer: em algum lugar ou em lugar algum, mas eu preciso tentar!
E lá fomos nós para o Salvador falar com o Comandante do CPM: o Major, meu pai e eu.
Esperamos em pouco e o Homem nos atendeu. Fiquei impressionando com o porte do Coronel, sua fala redonda e clara. Não teve meias palavras. Após ouvir do major referências elogiosas a meu respeito, ele me mirou nos olhos e disparou:
— Quero adverti-lo, jovem, que isto aqui não é reformatório de bandidos, se o senhor for marginal, ponho-o no olho da rua – a voz parecia uma metralhadora de fogo lento.
— Seu boletim, exigiu!
Entreguei-o e ele o examinou detida e silenciosamente e aquiesceu: o senhor fica, em atenção ao major e ao seu desempenho no ensino do ginásio.
A vaga estava conseguida! Mas meu pai não ficara satisfeito. Disse que eu ali não ficaria, aquele homem insinuou que você pode ser marginal e isto eu não tolero.
— E não deve tolerar mesmo, mas eu fico. Quem vai ter que tolerar ele sou eu e não o senhor. Fique com raiva, ele foi grosseiro mesmo, mas deixe-me seguir o meu destino. Pai, ele está de saída e nem todos os coronéis hão de ser assim.
Entrei no CPM. Porém, além das dificuldades materiais que eu enfrentava – o que não era nada demais, pois todo pobre enfrenta dificuldades de dinheiro – apareceu-me outra. Havia um professor de Física, matéria à qual eu jamais tinha sido apresentado, sequer ouvira falar no Ginásio. Esse professor reprovava 80% dos seus alunos e se regozijava com isto. Nas duas primeiras avaliações eu não alcançara 5 pontos dos 20 permitidos. Tomei uma decisão; vou investir nas outras matérias e deixar física de lado. Iria enfrentá-la na segunda época! Comuniquei ao meu pai a decisão e ele aprovou, mas perguntou: tem certeza de que indo para a segunda época ainda assim conseguirá a vaga no curso preparatório? Respondi-lhe que sim, fora assim com turmas anteriores. Quando estávamos no mês de outubro, eu já reprovado na matéria, saiu um ato do Comando da PM que não permitia a alunos aprovados na segunda época, ingressarem no curso preparatório. Eu estava arruinado, além de muito choroso.
Meu pai, então, agigantou-se: deu-me a maior prova de amor que um pai pode dar. Disse-me: por que você não repete o ano? Fiquei estupefato com a solução por ele apresentada. Secretamente era o que eu ia lhe pedir, mas ainda assim, fiquei surpreendido, agradavelmente surpreendido. Prometi-lhe que iria passar em primeiro lugar e ingressar no curso preparatório no ano seguinte e ele redarguiu: basta que você passe.
Terminei o ano e não me inscrevi para a segunda época. Poderia passar e com a aprovação iria embora a possibilidade de entrar no curso preparatório. Repeti o primeiro ano científico e com ventos agora favoráveis, pois o professor carrasco havia sido substituído, em face da reprovação generalizada: ele, como alguns que ainda existem, acham que ensinar é por os alunos diante de dificuldades intransponíveis e reprová-los.
Sujeitos maus que a vida coloca em lugares errados.
Deu tudo certo, como eu pensara. O novo professor de física era um professor normal, daqueles que se sentem felizes com o bom desempenho dos alunos.
A caminhada iria iniciar.