- 18 de junho de 2025
A VIÚVA QUE CHORAVA DEMAIS
JOBIS PODOSAN
PARTE II
O Delegado começou a achar que o enigma estava na viúva. Ela sabia a verdade escondida atrás do choro e do desespero. E continuava a ouvir a viúva sucessivas vezes. E o choro se repetia, cada vez mais copioso. Quem são os seus vizinhos lindeiros? A viúva respondeu, dando os nomes dos três vizinhos que ela conhecia e mencionou um quarto, que chegara ali recentemente, mas não lhe sabia o nome, sequer o conhecia. Chamados a depor, os vizinhos confirmaram conhecer o casal de longa data, mas o vizinho novo só de vista. O descreviam como um homem alto, forte e algo fechado. Mas os vizinhos, todos, estranharam o fato de a viúva dizer que não conhecia o vizinho, já que ela, deu não deu, entrava porta a dentro na casa do estranho e lá permanecia por longo tempo. Suspeitavam que viúva e o estranho estavam de chamego. Informaram, ainda, que o estranho vizinho desaparecera no dia seguinte ao crime.
O Delegado foi aos poucos delineando como sobre o fato acontecido. Elucidaria o enigma?
O Delegado montava o quebra-cabeças: 1) a gentileza súbita e inusitada da viúva na feira; 2) a compra da cachaça para embebedar o marido; 3) o excesso de choro; 4) o vizinho misterioso; 5) a negativa da viúva de conhecê-lo quando, na verdade, lhe frequentava a casa; 6) os encontros furtivos da viúva com ele; 7) o desaparecimento dele após o crime; 8) a quase certeza de que a viúva participara do assassinato do marido. Eram indícios mais que suficientes de participação dela na morte do marido.
De posse desses dados, o Delegado, prendeu a viúva - naquele tempo, delegados podiam prender em casos de fundada suspeita - escandalizando a cidade. O Delegado expôs todas as suas suspeitas à viúva, descrevendo o quadro no qual o marido foi assassinado pelo amante dela e que, depois, a abandonara para responder sozinha pelo terrível crime. A viúva agora chorava, não mais pelo marido, mas por si mesma, que fora enganada e agora deixada só para responder pelo crime. Confessou tudo. O vizinho a conquistara e passaram a se encontrar, mostrando-se ele um amante singular, mexendo-lhe as entranhas. Propôs matarem o marido e depois unirem as propriedades o que lhes daria uma vida melhor. Enfim, botou a boca no trombone e respondeu pelo crime sozinha, porque o amante desapareceu para sempre.
Foi no júri dessa senhora que eu decidi ser juiz. Eu tinha seis anos de idade e meu pai me levou para assistir o júri. A juíza que o presidia era uma jovem de menos de trinta anos que conduzia os trabalhos com autoridade e comedimento. Ao término dos trabalhos a ré foi sentenciada a mais de 26 anos de prisão.
Na saída do Tribunal do Júri, meu pai me perguntou se eu tinha entendido alguma coisa, já que naquela época eu ainda não estava na escola, pois só aos sete anos as crianças entravam na escola primária. Disse-lhe que tinha entendido pouca coisa, mas que, do que vira, tinha tomado uma decisão: um dia eu seria Juiz. Meu pai me olhou muito assombrado. É, de repente, passou a rir a bandeiras despregadas, ironizando as minhas palavras de inocente. Chegados em casa, ele passou a contar sobre o julgamento e, ao final, contou sobre a minha conclusão. Todos riram, menos minha mãe (sempre elas!). Meu pai explicava que para ser juiz era preciso ser formado em Direito e passar num concurso muito difícil. Em minha terra, o último degrau do conhecimento era o curso primário, faltando o ginásio e o científico para se qualificar para o vestibular. Era um sonho impossível, afirmava. Eu, porém, redargui: eu só tenho seis anos e ainda nem entrei na escola. Quem sabe daqui até lá não chega o ginásio e depois o científico? Falta muito tempo.
O menino dizia ao pai que ainda faltava muito tempo e, quem sabe, até lá o ginásio e o científico chegavam à cidade? Para espicaçar o espírito do menino, o pai passou, quando a sós com ele, a chamá-lo de doutor. Entrei na escola primária e, quando estava na quarta série, chegou o ginásio, fiz o exame de admissão e fui aprovado, pulando a quinta série (naquele tempo havia vestibular para entrar no ginásio!). Não deixei passar em branco a chegada do Ginasial: viu Pai, o ginásio chegou! Ponto para você, mas quero ver quando você terminar o ginásio que vai fazer.
E o tempo foi fazendo seu papel de passar.
E sobrava esperança. Afinal, que mal faz sonhar?