- 18 de junho de 2025
A REPARTIÇÃO DE PODERES
JOBIS PODOSAN
INTRODUÇÃO
Muito da discussão travada na mídia ou mesmo entre as pessoas da sociedade versa sobre a repartição de competências que a Constituição fez para cada um dos poderes, o que cada um dos poderes faz de modo exclusivo e se é possível a um dos poderes invadir competência dos demais. O sistema é complexo porque não é simples repartir as competências entre os três poderes. Em Direito, a repartição de competência é sempre assunto complexo, que não comporta pensamentos simples, até porque o assunto é um emaranhado de normas que exige conhecimento profundo sobre a interpretação do direito, especialmente do Direito Constitucional, que encabeça o sistema jurídico. Uma das deformidades maiores que a interpretação do direito comporta é a interpretação interessada (o interprete puxa a brasa para sua sardinha). A interpretação da Constituição vai muito além da interpretação das demais leis, porque a Constituição não é somente uma lei jurídica, ela a política, social, organizatória, garantidora da validade das demais leis, protetiva contra os desmandos dos governantes, serve como freio a pretensões autoritárias dos governantes, é uma garantia do direito do futuro. Quanto mais velha for a constituição maior é a proteção que ela confere aos cidadãos. Tome-se como exemplo a Constituição americana de 1787, a única que os EUA tiveram até hoje. As duas últimas emendas que sofreram foram a Emenda XXVI, (de 01 de julho de 1971): o direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos, de dezoito anos de idade ou mais, não será negado ou cerceado pelos Estados Unidos ou por qualquer dos Estados, por motivo de idade e a Emenda XXVII, (de 07 de maio de 1992): nenhuma lei alterando a compensação pelos serviços prestados por Senadores e Representantes terá efeito até que seja votada pelos Representantes. A nossa Carta Magna, datada de 05 de outubro de 1988, já sofreu 06 emendas de Revisão e 115 emendas comuns, isto em menos de 33 anos! Porém, diga-se, que quanto mais velha fica a constituição maior respeito ela adquire perante o povo que rege.
O desastre consiste em mudar frequentemente de constituição. Isto indica a fragilidade do Estado e a oportunidade de aproveitadores mudarem a ordem jurídica visando à obtenção vantagens pessoais ou de grupos. A tentativa de derrubada da constituição deveria constituir crime de lesa-pátria, punido com a perda definitiva da cidadania: já que nos falta consciência, pena.
A interpretação é sempre um resultado, não é um a priori. Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, para a compreensão do direito teremos que que examinar três aspectos distintos: o fato, o valor e a norma.
O FATO
Podemos afirmar que o fato, em sentido amplo, é todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas. O estudo do fato jurídico jamais será simples, pois oferece diversos graus de complexidade e dessa forma é possível concluir que fato jurídico é um acontecimento praticado por uma pessoa física ou jurídica, a partir de uma ação ou omissão e que esses fatos agem direta e imediatamente sobre as pessoas, coisas, direitos e obrigações próprias ou de terceiros. O fato jurídico pode advir exclusivamente da natureza e, mesmo assim, provocar efeitos jurídicos. Um galho de árvore que cai sobre um carro, na via urbana, e o destrói, pode gerar o efeito de provocar a indenização do proprietário do carro pelo Município, que não realizou a poda já reclamada até pela imprensa, provando-se que a omissão do Município levou à destruição do veículo. Assim, ocorrido o fato há de se examinar se ele está fora ou dentro das raias do direito.
O VALOR
Provada a existência do fato, é preciso demonstrar o valor que ele representa dentro da sociedade, se é um fato relevante, importante, ou sem relevância alguma. Neste caso, não há que se falar em indenização, mas nas duas hipóteses anteriores, impõe-se a composição dos prejuízos.
A NORMA
A norma é a regra de conduta desejada pela lei, é o modelo, o paradigma, é a norma padrão a ser observada por todos e cuja violação gera o dever de indenizar.
A vontade das pessoas investidas nas funções públicas, deverão estar sempre submetidas as normas prévias do direito, porque as pessoas humanas não exercem poderes próprios, mas poderes derivados sempre de alguma norma jurídica. Imagine-se a norma do art. 62 da Constituição que permite ao Presidente da República adotar medidas provisórias, como força de lei, alterando, inclusive, leis anteriores em vigor. Imagine-se, agora, que o Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, baixe uma medida provisória, prevendo que as pessoas pobres que morrerem em função da pandemia da COVID 19, serão sepultadas às expensas da União. Terá essa medida provisória alguma força jurídica? Decerto que não, já que o ex-presidente não exerce mais autoridade alguma. Sua “medida provisória” será um mero pedaço de papel, sem valor algum, por lhe faltar a autoridade do exercício do cargo presidencial.
Esta pequena digressão sobre a Teoria Tridimensional do Direito, veio a propósito de demonstrar que a interpretação do direito, não é atividade simples, ao alcance de quem não tenha conhecimento jurídico aprofundado. As pessoas podem interpretar a Constituição da maneira que lhes aprouver, melhor será, porém, ouvir e ler sobre quem é especialista na matéria e se poupar de dizer palavras ao vento.
A ESSÊNCIA DO PODER
Tenho visto e ouvido, às vezes em silêncio, pessoas de outras áreas do conhecimento se dizerem estarrecidas porque o STF estaria entrando nas funções do Presidente da República ou do Congresso Nacional, para invalidar decisões tomadas pelos outros poderes.
O Art. 5º, inciso XXXV da Constituição determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Segundo esta garantia, prevista em cláusula pétrea da Constituição (quer dizer que não pode ser mudada, daí cláusula de pedra), qualquer ato, seja de quem for, poderá ser levado ao STF para que este confira se houve ofensa, ou não, à Constituição. As constituições autoritárias do República do Brasil (1937, 1967, por exemplo), permitiam ao Presidente da República rever decisões dos outros poderes, fechar os outros poderes e excluir da apreciação do Poder Judiciário atos praticados pelo Presidente da República que, nesta hipótese, transmudava-se em monarca absoluto. A Constituição vigente atribuiu a função de guarda da Constituição (CF, art. 102) ao Poder Judiciário, porém, vedou a este poder tomar a iniciativa sobre a validade dos atos dos outros poderes. Diz-se que a jurisdição é inerte, pois ela somente age se for provocada por quem tenha legitimidade para tanto. Precaveu-se o Constituinte de atribuir poderes excessivos a um dos poderes em detrimento dos demais. Porém, algum deles teria que ter a atribuição de falar por último, dizendo o direito aplicável a cada caso. Assim, o Poder judiciário não vai aos fatos, estes vão a ele, sempre provocado por quem tenha legitimidade para tanto. Uma vez provocado, o Poder Judiciário não pode deixar de responder à provocação, seja para aceitá-la, seja para repeli-la. Certo Presidente da República indicou um médico para integrar o STF, sob o argumento de que a Constituição de 1891 exigia apenas “notório saber” e não “notável saber jurídico”, como é o caso das Cartas posteriores. Se fosse hoje, o STF, provocado por quem tenha legitimidade (estão enumerados no at. 103 da CF), negaria validade a tal nomeação, então o Presidente teria de indicar outra pessoa com notável saber jurídico. Isto, sem que o Presidente possa alegar invasão de competência. O Poder Judiciário, uma vez provocado, é obrigado a responder à provocação, o pedido de jurisdição não pode ser negado, o que pode ser negada é a pretensão de quem provocou.
Ao atribuir essa função ao Poder Judiciário, que não administra os cofres públicos, não comanda a força do Estado e que age sempre debaixo da lei, o poder constituinte elegeu o árbitro maior nas questões de Estado e escolheu quem dá a última palavra em qualquer assunto para o qual seja chamado a se pronunciar. Mesmo nas questões que sejam da competência dos outros poderes, o Poder Judiciário pode sindicar a constitucionalidade de tais atos e anulá-los se em desconformidade com a Lei Maior.
CONCLUSÃO
Isto é assim em qualquer país democrático do mundo ocidental. A Constituição é direito e fonte do direito. Está acima dos poderes comuns, que lhe devem obediência, queiram ou não, sob pena de perda do mandato, no caso do Presidente da República, como previsto no Art. 85 da Lei Maior e na lei do Impeachment (lei nº 1.079/1950).