00:00:00

ORÁCULO

Há quem sustente que a felicidade é antiliterária, porque é enjoativa.


RECORTES DA VIDA IV
JOBIS PODOSAN

 

VICIANDO O CIDADÃO

Ele se chamava Crispim, mas nunca disse de quê. Não disse de onde veio é nem para onde iria, se conseguisse escapar da doença que o acometia. O Delegado da cidade soube que havia um mendigo morando e morrendo numa casa abandonada na beirada do rio e para lá se encaminhou, não dando ouvidos aos vizinhos que lhe aconselhavam cuidado pois o homem parecia ter tuberculose, dada sua magreza e tosse que nunca parava. O Delegado foi lá e conversou com o homem, que disse se chamar Crispim e confirmou estar doente de tuberculose. O Delegado disse a ele que tomaria providências para ajudá-lo. A primeira, foi destacar pratos, copos e talheres da sua própria casa para que Crispim pudesse comer e beber. Pela manhã, ao meio dia e ao fim da tarde, um menino (o menino era eu e o delegado era meu pai) iria levar sua comida.  A segunda, foi consultar o médico local para passar algum remédio para curar a doença. Medicado e alimentado regularmente Crispim começou a melhorar. Comeu frutas silvestres em abundância, principalmente cajus, e pediu ao meu pai para lhe comprar anzol e linha para ele poder pescar. Revelou-se um bom pescador e tudo que pescava mandava entregar a minha mãe para ajudar na despesa. Ficamos amigos e eu passei a acompanhá-lo na coleta de frutas e na pescaria. Minha casa passou a ter mais abundância de alimentos do que tinha antes. Crispim melhorava a olhos vistos, de vez em quando meu pai ia conversar com ele, mas jamais soube sua origem. Um dia meu pai me disse: não se apegue muito ao Crispim, pois ele, assim que estiver curado, vai embora. Uns quinze dias depois, assim como veio, Crispim partiu e nunca ninguém soube para onde foi. Assim como veio, partiu. Deixou-me a lição ouvida depois na canção Vozes da Seca, de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha: mas doutor, uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão. Crispim estava doente, sentiu vergonha de receber ajuda de graça e, tão logo pode, passou a contribuir com mais do que recebia e não se deixou viciar. Foi mais um Mestre entre os grandes Mestres que tive. Grande Crispim! Hoje, já quase septuagenário, li as palavras proféticas do Papa Francisco vi a beleza dos atos praticados por aqueles dois grandes homens: "Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. A vida é boa quando você está feliz, mas é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa." 

 

AGONIA DA ÉTICA

Após longo tempo servindo de bússola para o comportamento humano, a ética está num período de aguda transformação conceitual. Nunca fui preso, nunca estive numa delegacia e nunca fui sequer testemunha. Assim dizia e se dizia da pessoa considerada de bem, que gozava do respeito geral do seu grupo social - até além do grupo. Era pessoa considerada, cuja palavra era um diamante lapidado. O que dizia era uma afirmação evangélica, sacramental, que valia como um mandamento. Veio, porém, a despersonalização, segundo a qual a palavra e a conduta não atestam mais nada. Tudo tem de ser provado cabalmente a cada episódio da vida, não se alcançando jamais o conceito de pessoa de bem, mesmo que o indivíduo tenha um passado impoluto, nada o livra da condenação social. Cometido o deslize, mesmo único e até não provado, o indivíduo é atirado na vala comum dos canalhas. É apenas alardeada a sua canalhice estratosférica, por capaz de descabeçar os outros por tanto tempo. Ninguém põe a mão no fogo por ninguém. Todos querem ardentemente para os outros aquilo que não desejam para si mesmos. Ser preso, processado e condenado passou a ser até um ato de heroísmo. Já vimos o pai e o filho dividindo uma cela e arrotando dignidade. A vergonha desapareceu da vida pública. Tudo passou a ser possível e admitido. Quantas vezes você já foi preso? Quatro, mas os crimes prescreveram e eu estou aqui tão inocente quanto qualquer outro cidadão limpo, sequer o que roubei me será tirado!  A vida pública está assim: a presunção de inocência, a compra, financeira ou ideológica do povo, as benesses da lei penal, a prescrição penal, a amicização com juízes dependentes (existentes em número cada vez maiores), a indicação de juízes para tribunais por réus que serão por eles julgados, a tolerância social com o crime, a generalização da culpa são outros fatores que eliminam a distinção entre bandidos e juízes, estes muitas vezes indicados por aqueles. Estão se formando por toda a magistratura o que designarei de quadrilhas por afeto, que ocorre quando o magistrado ou magistrada de tribunal se deixam manipular por filhos, genros, netos, noras, companheiros é passam a proferir decisões influenciadas por eles, que se beneficiam negociando essas decisões a preço de ouro, terminando por botar a perder a carreira e a dignidade do pai ou da mãe, aos quais odeiam, por lhes desejar o mal a pretexto de amor. Em certo Estado da Federação uma Procuradora de Justiça reputada, entrou no Tribunal de Justiça pelo quinto do Ministério Público, tornando-se desembargadora. Ao invés de desembargar, embaraçou-se e arruinou a carreira e a família, por causa de um suposto amor de filho que destruiu a mãe e a si mesmo. Tivesse ela ficado no Ministério Público e nada lhe teria acontecido, mas na magistratura o falso amor do filho pela mãe a atirou no buraco negro da vida. O filho atirou na testa da mãe, arruinou sua carreira e desgraçou sua própria vida.  

 

 A PERMANENTE BUSCA DA FELICIDADE

Há quem sustente que a felicidade é antiliterária, porque é enjoativa. Gente feliz enjoa de ser feliz e passa a procurar, como se diz na gíria "sarna pra se coçar". Ninguém consegue escrever sobre felicidade. Salvo o "e foram felizes para sempre", ninguém consegue descrever o êxtase provocado pela felicidade em mais de uma página. Quem quer se proclamar feliz e quer que esse estado perdure para sempre, espere completar noventa anos, a esposa aí pelos 87, 70 anos de casado, comemoradas as bodas de prata e de ouro e, nas bodas de diamantes diga olhando nos olhos da esposa que a vida de ambos foi só felicidade (ambos sabem da mentira) e que a felicidade deles vai durar para sempre, aí sim, uma verdade, até o por que o "para sempre" está próximo, logo ali. A felicidade é uma busca permanente de cada um, contando sempre com a capacidade de perdão do outro. Assim conseguem a tão sonhada travessia e morrem velhinhos e felizes.

 

OS MANDAMENTOS DO PREGUIÇOSO

Conheci preguiçosos de todos os tipos, bons de críticas do trabalho dos outros, pessoa de papo animado, sempre pronto para participar de qualquer ato que não configure trabalho, aguçados na crítica, sempre esquivos do trabalho etc. Ao longo da vida fui prestando atenção nos preguiçosos e identifiquei alguns traços característicos, embora não exaurientes: ei-los:

1. Nunca têm tempo para nada;
2. Qualquer tarefa é sempre exagerada;
3. Nunca chega ou sai no horário;
4. Não respeita os horários dos outros e nem os próprios;
5. Tem sempre uma justificativa para suas faltas;
6. Sempre critica o trabalho dos outros;
7. Há sempre um culpado pelas suas faltas;
8. Reclama muito dos direitos que acha que tem;
9. Nunca é voluntário para nada;
10. Um simples banho justifica qualquer atraso. 

Últimas Postagens