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ORÁCULO

A família é assim, você não pediu para entrar, porém, dela não pode sair.


RECORTES DA VIDA III

JOBIS PODOSAN

 

O IMPOSSÍVEL DESEMBARQUE

Certo dia da minha infância assisti a uma cena que me marcou para sempre. Meu irmão mais velho teve uma discussão forte com o nosso pai e resolveu, nas palavras dele, "ganhar o mundo". Arrumou seus poucos haveres e partiu. Minha mãe, naturalmente chorosa, cogitou sair atrás dele e foi contida pelo marido, que lhe disse algumas coisas: 1) deixe o menino aprender o tamanho do mundo; 2) ele vai descobrir que o mundo dele é aqui e somente aqui, todo  o resto é hostil; 3) é aqui o lugar onde há muitos conflitos, mas é onde a solução demora menos tempo para chegar; 4) a paz não é  uma linha reta, é preciso perdê-la de vez em quando para melhor valorizá-la; 5) enquanto ele estiver refletindo lá, vamos nos preparar para recebê-lo quando ele voltar; 6) a distância às vezes é necessária para reativar a união estremecida. No fim da tarde, boca da noite, do mesmo dia, o fugitivo voltou, encontrou a porta aberta e a paz foi restabelecida. A lição que recebi foi: às vezes semear é partir, expressão que mais tarde li e aprendi ser do Padre Antônio Vieira.

Essa pequena estória familiar é para lembrar à T76 (Turma de Formatura) que é-nos impossível dela desembarcar. Já perdemos alguns para Deus, temos cinco que já partiram e somos trinta ainda encarnados. Não podemos nos livrar da T76, logo, é inteligente que não desembarquemos por uma ira momentânea. Ofensas irrogadas (hoje raras) devem ser imediatamente perdoadas pelo ofendido que, no entanto, tem direito à retorsão, isto é, reação no mesmo nível, cabendo aos demais a função gratificante de serem bombeiros e selar a paz entre os contendores. Essas refregas rendem os assuntos dos encontros futuros, formando-se o pelotão de preferências de cada um e todos, ao final, celebrando a paz restabelecida.

A família é assim, você não pediu para entrar, porém, dela não pode sair. Assim é a Turma a que pertencemos. Viemos de origens diversas, porém o longo tempo de formação nos unifica. Às vezes passamos décadas sem nos encontrarmos, mas os reencontros recompensam a distância e o tempo, pois estamos impregnados uns nos outros.

As pessoas fazem escolhas que repercutem sobre a família. Quando a escolha é positiva, todos se alegram, mas há escolhas más, e também aqui ninguém escapa. Porém os mecanismos extraordinários do perdão e da humildade cultivada, superam tudo e fazem a vida valer a pena. E quando já estamos no entorno dos setenta anos, nos transformamos em velhinhos contentes e simpáticos.

 

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

A releitura do livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, de autoria de Lima Barreto, nos remete a um idealismo quase insano de um brasileiro radicalmente apaixonado pelo seu País, ao ponto de pregar no deserto no início do Séc. XX (1915), sobre um Brasil ainda em formação e com um povo indefinido sobre o seu destino e com características ainda incertas, mas com a pretensão sonhadora de já haver um país pujante e apto para construir seu próprio destino. Eu tenho alguma parecença com Policarpo Quaresma. De tanto ler e reler a obra, ficou-me a convicção de que temos um grande futuro pela frente. Ainda estamos longe de alcançarmos o estágio civilizatório que tornará o Brasil um país do futuro e os brasileiros um povo altaneiro, que viva e queira viver no seu País. Porém, por enquanto, ainda estamos possuídos pelo espírito colonial que nos impinge a crença de que o melhor país do mundo está fora das fronteiras do Brasil. Quem melhora um pouco de vida vai embora do Brasil, vai gastar lá fora o que aqui ganhou. Para estas pessoas o mundo todo é a metrópole e o Brasil é a eterna colônia. Porém, a esperança, ainda que tênue, começa a se esboçar no país: os brasileiros, a pouco e pouco, vão se aperceber como um povo que pode se autodeterminar. Reconheço que ainda está longe, mas 500 anos sociologicamente passam rápido, sem contar que esse prazo pode ser drasticamente reduzido se olharmos a natureza que Deus nos deu. Tudo depende de nós. Da nossa decisão. Não precisa ser de todos, basta os melhores.

 

PASSADISMO
O passadismo é uma característica que acomete as pessoas que vivem uma vida longa e isto tem uma explicação dotada de certa lógica. Quando jovens, olhamos para o futuro e vamos desenhando a nossa caminhada, o nosso porvir. Em regra, tudo que aconteceu antes de nós tendemos a desdenhar e repudiar o passado (ainda somos inocentes na compreensão do que seja Cultura e achamos que a civilização começa com cada um de nós, teve até um presidente que passou oito anos afirmando que antes dele era o caos). O presente repudia o passado e anseia pelo futuro, que asseguramos maravilhoso! Tudo que foi feito antes de nós nos parece ultrapassado e tacanho, coisa feita por gente atrasada que não entendia nada da modernidade. À medida que vamos entrando nos anos incorporamos o nosso próprio passado, que vai se tornando maravilhoso e o futuro nos parece algo estranho, incompreensível. O jovem vai nos parecendo vazio e não sábios, como pensávamos  quando tínhamos a idade juvenil. 

 

DIREITOS IMPLÍCITOS

O art. 5º da Constituição Federal enumera, em 78 incisos, os chamados a direitos individuais explícitos, que protegem os cidadãos brasileiros e os estrangeiros residentes no país e por construção pretoriana e doutrinária, até mesmo os estrangeiros que estejam no país a passeio a ou até em trânsito. Porém, essa longa enumeração não é exaustiva. Pode haver direitos individuais fora da enumeração do art. 5º. É o que está explícito no seu § 2º:  os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A letra da Constituição diz menos do que o seu espírito e é preciso mais que uma percepção média para entender o que seja uma Constituição nos sentidos político-social-jurídico. A Constituição é tudo isto, as vezes juntos, às vezes separados, mas o tempo vai depurando os diversos sentidos, basta que não derrubemos a Constituição, pois neste caso, zeramos e começamos de novo, como já mudamos sete vezes até hoje. Os Americanos do Norte, que nunca mudaram de constituição, são o povo mais poderoso do mundo. É o povo que deve proteger a sua constituição e não ao contrário.

 

O POVO DO PANTANO

No mundo jurídico não se permite distinção entre as pessoas, exceto as distinções compensatórias, que visam a equilibrar uma desigualdade de fato. A Constituição permite desigualdades compensatórias, como por exemplo a proteção aos deficientes, as mulheres contra os atos de força do homem, o habeas corpus contra atos abusivos à liberdade de locomoção etc. Todas as vezes que um povo permite que o mal prevaleça sobre o bem, as pessoas más são colocadas em vantagem, pois praticam o mal como bem entendem e só podem ser punidas depois que a punição não surte mais efeito algum.

O Brasil precisa que a exceção - a punição - se torne regra para os infratores. Esta, é a essência, o ponto fundamental. Não é trabalho para uma ou algumas pessoas. É fenômeno coletivo, de maioria. Cada um que escapa acresce na formação da maioria. É um trabalho lento e penoso, de muitas gerações, pois é preciso retificar comportamentos danosos de gente que valoriza a esperteza em lugar da sabedoria. Cada um que permanece limpo, melhora o país. Cada um que se esforça para fazer a coisa certa forma o espectro de decência que acolhe outros tantos e, assim, a pouco e pouco, vamos formando um povo melhor. Ou acreditamos nisto ou o povo do pântano vai vencendo os embates da vida. 

 

 

MAS CHEGAREMOS LÁ

As virtudes de um povo ficam em evidência quando a dificuldade bate nas portas dos mais pobres, como estamos vendo agora nas enchentes Brasil afora, especialmente na Bahia, escancarando a pobreza gritante do nosso Estado mais antigo. Todos deixando seus quefazeres e dando um pouco do pouco que têm para atender aos mais necessitados, sem que haja ligação de família ou amizade a motivá-los, mas tão somente a solidariedade, o amor ao próximo, mostrando que nossa tragédia somos nós mesmos. Somos infelizes por atos nossos e não dos outros. Mas basta que nossos valores sejam exigidos e nós mostramos que somos tão bons como qualquer outro povo. Sem origem única e com costumes tão diferentes, além de muito pouco tempo de prática como país independente, o Brasil ainda está nas fraldas como Estado apto a reger a sociedade brasileira. Temos o melhor território do mundo, temos uma população em formação, mas governo quase tribal, onde cada um que chega ao poder pensa estar fundando um novo país ao seu gosto, pois imagina não largá-lo nunca, e uma soberania claudicante, porque subordinada voluntariamente, a alguma doutrina estrangeira. Apesar disso, o Brasil é um forte candidato a país do futuro. Por enquanto, os países estrangeiros que nos exploram levam nossos recursos financeiros e materiais e a nossa inteligência, levando para fora do país os homens e mulheres que fariam a diferença aqui. Mas isto é temporário, quando começarmos a eleger governantes de valor (raramente escolhemos algum), faremos o caminho de volta e o país prosperará, uma vez que ninguém pode ser feliz em terra estrangeira, por mais que diga ao contrário.

 

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