- 18 de junho de 2025
A MIRAGEM
JOBIS PODOSAN
Somos bons em criar miragens, idealizando imagens. A mais comum é o amor. Apaixonados, criamos a imagem miraculosa da pessoa objeto da nossa paixão e chamamos a isto de amor. O eternizamos e entronamos de tal forma no mais fundo do nosso ser que duvidamos da nossa aptidão para viver sem essa pessoa, até o ar se torna desnecessário para nossa sobrevivência. Romeu matou-se por não poder viver sem Julieta, e esta matou-se porque sem ele não poderia viver. Essa miragem, criada pela paixão, nos eleva ao patamar superior da vida, tudo pode ser superado, os pesados encargos da existência tornam-se leves e podem ser vencidos pela visão amorosa da vida, que nos atribui grande capacidade de superação e nos torna capazes sobreviver à fome, a intempérie e todas as dificuldades da vida, desde que o ser amado nos abrigue no manto do amor. O poeta disse que o amor, posto que é chama, é infinito enquanto dura, atribuindo ao amor a temporalidade que os apaixonados ignoram, pois não há enlevo maior que a paixão correspondida.
Penso, porém, que o amor pode ser imortal, muda o modo de senti-lo. O amor se manifesta de variadas formas ao longo da convivência, sendo cada uma das formas apenas subdivisão do amor.
Primeiro nasce a paixão, que é poderosa, egoísta, devoradora, insaciável, que torna o outro, seu objeto, um ser destinado a servir, por isto só funciona se a paixão é recíproca, sendo agressão se só um a sente. É a fase da esganação, cada um realiza a paixão esganando o outro. Mas como ambos agem assim, a paixão cumpre a sua função de aproximação de pessoas que até ontem eram desconhecidas e, uma vez deflagrada, vira o ar que ambos respiram, não se entendendo como viveram um sem o outro. Todo o resto da humanidade perde a importância. Os apaixonados esquecem do mundo, um vivendo em função do outro. Nesta fase, um se transforma no outro, fundindo-se numa só pessoa.
Esta fase é necessariamente curta, pois a vida precisa acontecer e a paixão deve dar lugar a um sentimento mais ameno, que nos permita a realização plena da vida. Assim, repousados da fase esganadora da paixão, os apaixonados recuperam suas individualidades e propósitos. Deixam de pensar somente em si mesmos e passam a pensar primeiro no outro. A mirada da paixão é individualista, a do amor é direcionada ao outro, operando-se a disfunção entre ser feliz e fazer feliz. A fase do amor, muito mais longa que a da paixão, consolida a convivência, anima os propósitos, a vida segue em paralelo, escasseiam as labaredas e tornam-se frequentes o fogo brando, o doce e espaçado amor de esposos, cada um sentindo a presença do amor com a mera convivência. É nesta fase que o casal progride, cria amorosamente os filhos, consolida as amizades. Também nascem os conflitos devidos à visão real que cada um tem do outro, pois caem os véus que foram colocados pela paixão e cada um se revela como é. Há o embate das fraquezas e defeitos de cada um, as disputas por opiniões, de poder, de preferências, enfim um vai se adaptando, ou não, ao outro, gostando até dos defeitos ou minimizando as qualidades e caminham para a terceira fase ou para o divórcio, lentamente, até a convivência se tornar de novo amena ou insuportável, também é nesta fase que ocorre a adaptação e os casais se tornam parecidos, até fisicamente, usam as mesmas palavras, ouvem as mesmas músicas, assistem novelas e filmes juntos, riem de tudo ou de nada.
A convivência e superação das dificuldades da vida vão transformando a amor em amizade, de maneira que o casal vai adquirindo hábitos, palavras e gestos um do outro e vão aprendendo a falar um com o outro sem palavras, adivinhando um as atitudes do outro. Voltam a andas de mãos dadas tornam- se os maiores amigos do mundo.
Finalmente, numa evolução ao patamar máximo da convivência, tornam-se irmãos e respiram o mesmo ar, sentem a mesma dor, falam cada vez menos e cada vez mais baixo como se somente existissem apenas duas pessoas no mundo. As pessoas se acostumam a vê-los sempre juntos, como se um refletisse o outro. Vê-los sozinhos causa estranheza. Cadê fulano (a)? É nesta fase final da vida que um se torna o outro, tornam-se uma só carne, sem os suplícios, e os conflitos desaparecem.