- 18 de junho de 2025
O FERRETE DE PILATOS
JOBIS PODOSAN
LISONJA
Em geral fico envergonhado quando recebo elogios, mesmo quando comedidos. Quando são exagerados e superlativos me constrangem ao ponto de me fazer perder as palavras e até alterar o meu metabolismo. Empalideço e perco a tramontana, pois não se pode responder com aspereza a quem nos diz palavras amáveis. Por isto, passei a pensar na lisonja sempre associada à sutileza, mesmo exageradas. O verdadeiro elogio vem acobertado pela sutileza, quase imperceptível. Mas, ao contrário do que sempre pensei, não sou imune aos elogios, que são, na verdade, recompensas, que a vaidade comedida aceita.
A natureza não dá saltos. Essa expressão é conhecida até hoje para dizer que a natureza não cria repentinamente alguma espécie, ou fortuna. A estranheza, portanto, é espectro natural em tais casos. Todos somos escravos de alguma coisa. Quando aumenta o pecado transborda a necessidade da graça. Por isto costumo agir sem alimentar a vaidade, pondo-a sob fiscalização rigorosa, pois é estreito o limite que separa a vaidade/qualidade da vaidade/defeito. A lisonja fica sempre mais bonita se dita sem exageros, que antes revela menosprezo, mas recebida de olhos baixos e minimizando os efeitos no caráter do elogiado. Pior que a lisonja descomedida só mesmo o autoelogio, que provoca no interlocutor a impressão, mesmo que haja valor, que o exagero sobre si mesmo mais deprecia que acresce alguma coisa àquele de enaltece a si mesmo.
Elogio em boca própria é vitupério, diz o ditado português. Vitupério, na língua portuguesa, significa uma palavra, atitude ou gesto que tem o poder de ofender a dignidade ou a honra de alguém. É uma afronta, insulto ou qualquer ato infame e vergonhoso, ensina-nos Luiz Marins, que continua: “Assim, o que o ditado quer nos ensinar é que jamais devemos nos auto elogiar, pois isso será uma ofensa, um ato infame e vergonhoso. Quanta verdade há nesse ditado! Conheço pessoas que perderam a noção do ridículo fazendo rasgados elogios a si mesmas. Tudo delas é melhor. Tudo o que elas fazem é perfeito. Tudo o que elas têm é de melhor qualidade. Elas fazem as melhores viagens; vestem as melhores roupas; leem os melhores livros, assistem os melhores filmes; frequentam os melhores restaurantes e tomam os vinhos mais caros e premiados. São pessoas ridículas.
Quando elas decidem falar sobre as viagens que fizeram e fazem é melhor sair de perto, pois elas foram a lugares que ninguém jamais foi ou irá; foram recebidas pelas pessoas mais importantes do local; se hospedaram nos melhores hotéis e saborearam comidas que ninguém jamais comeu ou comerá! Dá pra aguentar?”
Outra forma de elogio ofensivo, hoje muito encontradiça, é o elogio exagerado. Exaspera-se tanto nas qualidades e virtudes do elogiado que a fotografia vai se tornando irreal e o papel se inverte, na verdade faz-se o elogio a si próprio e não ao elogiado.
NÓS CONTRA ELES
Nos últimos anos, vem se formando a ideia do nós contra eles na política brasileira, como se o papel de quem ganhou uma eleição fosse destruir a oposição. Não pode existir governo sem oposição, que não descambe para a ditadura ou à roubalheira. Quem pretende destruir a oposição quer roubar sem ser fustigado. A oposição são os olhos de soberano, do povo. Não estando com os cofres públicos nas mãos, cabe à oposição fixar os olhos na aplicação dos fundos públicos, cuidando do erário, sem a cobiça que arruína o caráter humano. A oposição é a garantia de um mínimo de decência para quem governa. Aliás, como ensinou Montesquieu “é uma experiência eterna que todo aquele que detém o poder tende a dele abusar, e, por isto, é preciso que as coisas sejam dispostas de tal maneira que o poder detenha o próprio poder”. Além disso, o critério da maioria, considerado a fórmula mais superior que o homem já criou para conduzir os negócios públicos, vem, no Brasil, desde o primeiro governo do Partido dos Trabalhadores sendo apresentado como problema. E é. À oposição cabe fiscalizar imediatamente a situação, constituindo os olhos do povo. Assim, quando um governante sataniza a oposição, o que ele pretende é soltar as amarras da fiscalização política, às vezes acossado por auxiliares que querem meter a mão na algibeira pública, da qual detêm a guarda, para roubar impunemente. Essa política do nós contra eles vai provocar o efeito de meter na cadeia todos os ex-presidentes, aliás, já está acontecendo, os que ainda não foram presos já bateram os costados nos tribunais civis e penais, pondo fim à tese da reserva moral na qual se transformavam os ex-presidentes. Todos os ex-presidentes, sob a atual Constituição, exceto um, estão com o ferrete de Pilatos sobre a cabeça e viraram zumbis, caminhando sem rumo, sem destino, e sem sentir o agradecimento do seu povo. Ao invés de admirados como símbolo da nação, passaram a encarnar a figura do bandido que busca a todo custo, encobrir os crimes que cometeu ou deixou cometerem sob seu mandato. A ideia da irresponsabilidade do Rei é hoje falsa, presidentes são punidos ao deixarem o mandato. O cidadão investido na função de chefe do Estado, recebe uma comissão a prazo certo. Quando sair, volta à planície. Os antigos amigos passam a depor contra o ex-chefe e mesmo tendo exercido o mais alto cargo do país, o ex-presidente caminha para ao patíbulo moral, no qual será execrado, mesmo que volte ao poder, voltará para o acerto de contas, nada mais que isto. Os que hoje se locupletam, amanhã delatam o ex-chefe. É a punição pelo atrevimento de ocuparem cargos para os quais não estavam preparados, abusando da boa-fé e credulidade do povo.
A RESTAURAÇÃO
Em algum momento será preciso corrigir os rumos da democracia brasileira para impedir a chegada de aventureiros à principal magistratura do país, até para proteger esses aventureiros que, despreparados para quaisquer atividades, miram a Presidência da República, onde residem, numa só pessoa, a chefia do Estado, a chefia do Governo e a chefia da Administração, além da função social de servir de farol para todos os cidadãos e devem, a partir do exercício do mais alto cargo do país, alumiar, pelo exemplo, o caminho da juventude e a contenção dos mais afoitos, devendo, nos julgamentos judiciais, na escolas e nos demais grupos sociais, servir de exemplo e guia para todos os gulosos que olhem os cofres públicos apenas como meio de locupletação. Parafraseando o Barão de Itararé, é preciso, agora que tantos já se locupletaram, restaurar a moralidade. Até agora, o povo tem tratado a ignorância com olhos permissivos, mas a máscara cairá e o povo perceberá que quem deve governar são os mais capazes e não os que mais mentem. A prisão não acolhe presidentes, mas ex-presidentes não têm tal privilégio.