- 18 de junho de 2025
IGUAIS NO PÂNTANO
JOBIS PODOSAN
O princípio da igualdade perante a lei cria certas confusões em espíritos desavisados. É uma conquista recente essa igualdade, que é, tão somente, a igualdade formal e que não alcança todos os povos da terra, aliás, atinge poucos Estados e, mesmo naqueles que o adotaram em suas constituições, não conseguem superar a desigualdade material existente entre todos os povos. Materialmente, somos todos desiguais, mesmo nos grupos mais homogêneos, como militares, religiosos, praticantes de tal ou qual esporte, idêntica carreira profissional etc., o que vemos a olho nu é a desigualdade imposta por leis da natureza, mais ainda, vemos que todos querem ser desiguais para mais. Torne-se como exemplo um grande time de futebol. Todos, aparentemente, fazem a mesma coisa e todos ganham bem. Porém, os grandes jogadores ganham muitos milhões a mais que os demais. Como se justifica essa desigualdade? A resposta é que há os que, embora formalmente iguais, se desigualam para mais, tonando-se mais valiosos.
Em toda atividade humana, mesmo naquelas nas quais todos são aparentemente iguais, é sempre possível, as vezes de forma evidente, perceber, num grupo de vinte integrantes, tomados até aleatoriamente, que são todos materialmente desiguais, podendo ser qualificados numa hierarquia que, se invertida, destrói todo o grupo. Tomemos um exemplo: Caxias e Osório foram dois grandes generais brasileiros do tempo do Império brasileiro. Porém, embora ambos valorosos, Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, ocupa posição axiológica maior que Manoel Luís Osório, o Marquês de Herval, entre os grandes generais brasileiros.
Feita está introdução, falemos da nossa escala de valores no Brasil de hoje. Há um pessimismo generalizado entre os brasileiros de hoje. Políticos corruptos, policiais desonestos, religiosos agindo como "sepulcros caiados", gananciosos, materialistas e moralmente decrépitos, médicos que nada sabem de medicina etc., parecendo que estamos no fim da linha da espécie humana, havendo até quem queira aplicar as soluções de Sodoma e Gomorra ou, até, reclamar um novo dilúvio, para ver se alguma coisa se aproveita. O problema é quem encarnará Noé e onde ele vai buscar a virtude, uma vez que todos somos suspeitos. O cenário é, realmente, dantesco. Terá a virtude desertado da terra? Somos o quê de pior já encarnou no orbe terrestre? O bem, enfim, foi superado pelo mal?
A resposta é, desenganadamente, não. O mal existe, na realidade, por um certo tempo e espaço, porém o bem é permanente em potência, mesmo naqueles que, em certo momento, adotaram a mal como meio vantajoso de viver. Quando cremos e divulgamos que todo político é ladrão, que todo policial ou juiz é corrupto, que todo homem não presta, que toda mulher é prostituta, que todo mundo é desonesto, não devemos esquecer que estamos incluídos nas expressões todos ou todas. Somos aquilo que, generalizadamente, atribuímos aos outros. Somos o que pensamos dos outros, porque é isto que todos pensam de nós. A partir daí tudo se justifica e ficamos a balbuciar acusações contra todos e a todos nivelamos no lodo. Desaparecem os homens de bem, as mulheres decentes, os parâmetros de comportamento a inspirar a juventude, tudo fica podre e pobre, ainda que cobertos de ouro. É melhor crer e se enganar do que não acreditar em nada ou ninguém, porque neste caso ninguém também precisa acreditar em nós, e todos viramos habitantes pântano e fica decretada a morte da esperança.
Podemos construir muralhas, instituir e morar condomínios fechados, ganhar dinheiro num pais e morar em outro que nos parece mais seguros, comprar uma ilha para nos isolarmos, evitar as ruas a todo custo, manter seguranças e carros blindados, morar em mansões inexpugnáveis, podemos, enfim, fazer tudo para nos isolarmos dos demais humanos. Tudo isto é inútil, porque sem finalidade, os humanos somente podem ser felizes dentro de um conjunto de outros humanos, pois de nada adianta ter potes de ouro e malas e caminhões de dinheiro, se não nos servem para nada. De nada adianta termos e sabermos o caminho se não podemos nele caminhar, tropeçar, cair e levantar, ser infeliz onde escolhermos. De quê adianta ser o Tio Patinhas, com uma caixa forte gigantesca e vivermos mergulhando em rios de dinheiro e não chorar o término de um namoro, se apaixonar pelo rapaz ou moça entregadores da pizza, sair num bloco de carnaval, ser um Pierrô ou Arlequim, apaixonados, rondando uma Colombina, trêfega e sedutora?
Precisamos todos ter a possiblidade de escolher nossos caminhos, caminhar para a felicidade ou infelicidade, por decisões nossas, como nesse pequeno excerto de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll:
Alice perguntou: Gato Cheshire... pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
- Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
- Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
- Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
Eu, porém, acrescento: se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve. Todavia, esse caminho não vai lhe levar a lugar algum. Primeiro, porque você não sabe para onde está indo; segundo, porque o caminho ao acaso não leva a lugar algum; terceiro, por que você não reconhecerá a chegada ao destino. Assim, a maneira mais fácil e certa de fracassar é ter ponto de partida e não ter ponto de chegada de chegada. Logicamente, não se pode chegar a um lugar para o qual não se está indo!
A propósito, numa sala de aula na Faculdade de Direito, o professor, na primeira aula, perguntou a cada um dos alunos para que estavam fazendo aquele curso, onde esperavam chegar uma vez formados. Houve uma resposta genérica de cada um dos alunos: vou tentar um concurso público, talvez vá para a advocacia, vou tentar ser isto ou aquilo. Mas uma aluna, miudinha e quieta, instada a falar disse: vou ser juíza federal. Maravilhado, o professor redarguiu: tu o disseste! Estarei na sua posse. E esteve. Ela escolheu sair do pântano. Desigualou-se no curso e hoje está entre outros iguais, mas, com certeza desigualando-se pela vocação e propósitos.