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ORÁCULO

“Dai, a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus”


É DE CESAR

JOBIS PODOSAN

 

Uma das primeiras dificuldades que qualquer governante enfrenta, principalmente para aqueles que não estão preparados para o cargo, é a compreensão exata dos seus deveres e poderes. Quando eleitos pelo voto, eles imaginam que podem fazer as suas próprias vontades e, assim fazendo, agradam ao menos àqueles que consagraram seus nomes nas urnas. É lugar comum no Brasil o governante entender que o voto consiste também em substituição da vontade do eleitor pela do eleito, quando, na verdade, o eleito é tão somente um representante do eleitor, não atua em nome próprio, mas em nome alheio, o titular continua sendo o povo, que elabora as leis através do Poder Legislativo, para que o Poder Executivo as aplique e o Poder Judiciário julgue, com base nelas, os conflitos. É no Poder Legislativo que os diversos segmentos da sociedade devem e podem estar representados, pois é nesse poder que se cria o direito novo. Os outros, são poderes de aplicação.

O eleito entra sabendo que tem prazo certo para sair. Porém, sabe-se lá por qual mecanismo interno (infalibilidade, auto adoração, semelhança a Deus) ou externo (puxa-saquismo), ele passa a crer na sua eternidade. O efeito disso é que ele passar a imaginar que tudo que foi feito antes dele está errado e que somente ele é capaz de fazer o “seu” povo feliz, como se alguém pudesse realizar os sonhos pessoas de cada um!

Quando alguém que foi eleito para governar sob leis humanas começa a invocar preceitos divinos para governar, ele confunde o espírito com a matéria (na sua visão particular ou da sua crença) e passa a querer governar os opositores com base no Velho Testamento (crime e castigo) e os aliados com base no Novo Testamento (pecado e perdão), de preferência perdoando ao menos setenta vezes sete, quanto mais próximos mais vezes se perdoa, até todas as vezes, teve até um que disso que se alguém bulisse nos filhos ele “virava bicho”.

A noção correta sobre o que é de Deus e o que é dos homens, foi dada pelo próprio Filho de Deus, em passagem por todas conhecida: “Dai, a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus” é uma citação proferida por Jesus Cristo, que aparece em três dos quatro evangelhos no qual resume a sua doutrina (Mateus 22:21, Marcos 12:13-17 e Lucas 20:20-26) que acabou virando ditado popular. A citação bíblica faz clara distinção entre normas seculares e normas religiosas.

Vivemos a maior parte do tempo no Brasil sob a religião católica (388 anos). Desde o descobrimento e até o advento da República, a religião católica influenciava a vida nacional. O art.5º da nossa primeira constituicão, outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1825, dispunha que a religião Católica  Apostólica  Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.

Podemos extrair do texto acima citado: 1) a religião católica já era a religião do Império, pois a constituição disse que ela continuará a ser a religião oficial; 2) os cultos das outras religiões eram proibidos, pois não poderiam existir templos para as celebrações ritualísticas; 3) quem não fosse católico não poderiam casar, já que na época não existia o casamento civil; 4) a prática era a religião doméstica ou proscrita pois não podiam ter forma exterior de templo.

As consequências disso todos sabemos: a perseguição religiosa por  particulares e pelo próprio Estado que, até meados do século passado, mesmo depois que o Estado passou a ser laico com a República, as religiões de matriz africana -   E OS EVANGÉLICOS -eram perseguidos e seus integrantes presos ou mortos, com a destruição dos terreiros e casa de oração.

Agora, dando um passo atrás, o atual Presidente quer colocar no STF alguém que é visceralmente religioso, chegando a afirmar o que espera dele da Corte Suprema; “Ele [Mendonça] é, sim, um extremamente evangélico, ele é pastor evangélico, e eu já falei com ele que só faço um pedido: que, uma vez por semana, ele comece a sessão [no Supremo] com uma oração. Isso já está fechado”, O STF virará templo evangélico!

O Estado laico é garantia de liberdade para todas as religiões e foi esse caráter leigo do Estado que permitiu a existência de tantas religiões. O STF não é Casa de representação de grupos, isto é no Congresso Nacional, como já se disse, onde todos podem ser representados. O supremo é casa de juízes, que julgam pelas leis brasileiras e não pelos livros religiosos desta ou daquela religião.

Por tudo que disse acima, é espantoso que alguém, que é religioso, pretenda integrar um órgão judicial que é e deve permanecer leigo. Mais espantoso ainda é um PR eleito segundo leis leigas, indique esse religioso para a Corte Suprema, tendo como galardão a sua condição de ser "terrivelmente evangélico". Mas ainda tem pior: o Pastor Silas Malafaia e outros religiosos estão fazendo lobby para que esse religioso seja aprovado para integrar um tribunal leigo, esquecidos de que a sua liberdade religiosa depende de quanto leigo seja o Poder Judiciário.

Por isto mesmo, a Constituição estabeleceu, no seu art. 19, I, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Assim, andará bem o Senado se, fazendo o controle constitucional das indicações presidenciais aos tribunais maiores, rejeite a indicação, antes que se estabeleça a diáspora e o tribunal se fracione em seitas, cuja memória é triste para nós todos. Aliás, outra coisa seria esperada de líderes religiosos: dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Nos países leigos os tribunais são de César e não de Deus, que preside a Corte Celestial e nos julgará a todos, mas deixará aos homens o julgamento das coisas terrenas com base nas leis que Ele nos inspirou a fazer.

 

 

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