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ORÁCULO

Vivemos os primeiros cinco séculos da nossa existência cercados de padres, bispos e cardeais.


E SE...


JOBIS PODOSAN

 

O Presidente da República (PR) cumpriu a promessa de indicar para a vaga aberta na Suprema Corte, com aposentadoria do Min. Marco Aurélio, de um candidato "terrivelmente evangélico", segundo sua própria definição. A religião de cada cidadão é problema de  foro íntimo de cada um, mas não serve como motivo ou argumento para nomeação de um ministro do Supremo Tribunal Federal, uma vez que juízes julgam com base nas normas jurídicas e não com base em cânones religiosos. Os cargos públicos nos países leigos são regidos pela razão e não pela fé, que pode ser professada pelos servidores, quaisquer deles, na sua vida privada. O STF não precisa de aiatolás, rabinos, pastores, padres, ou Pais de Santo, o Estado é laico e isto constitui uma garantia fundamental de cada cidadão, que sabe que será julgado com base nas leis do Estado e não segundo as normas da religião tal ou qual. A laicidade do Estado é pouco percebida por nós brasileiros, que tivemos a religião católica como religião oficial do país por quase quatrocentos anos.

A Constituição Imperial  de 1824, no seu  Art. 5º rezava que “a religião Católica  Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”. Todas as religiões detêm o monopólio da salvação. Se este monopólio se associa ao poder do Estado a consequência inarredável é fazer da oposição manifestação do demônio. Pouco importa a religião, TODAS classificam as pessoas em fiéis e infiéis, para aqueles os campos floridos e as almofadas do céu e para estes as fornalhas do inferno.

A única maneira de evitar a opressão é tratar a todas as religiões como iguais, isto é, separá-las do Estado, para não confundir os dogmas religiosos com o poder temporal do Estado. Deste modo, não adotando nenhuma religião, protege a todas.
Aqui no Brasil, somente com a Proclamação da República, em 1889 a Igreja foi separada do Estado e a religião passou a ser decisão de cada pessoa, sendo grave erro colocar religiosos na Suprema Corte.

Ao contrário do que pensa o vulgo, o estado leigo ou laico é uma garantia de liberdade. O Estado é laico para garantir a plenitude de todas as religiões, sem adotar preferências conforme a religião do Chefe do Estado. Seria bem aceito um ministro terrivelmente muçulmano, ou terrivelmente budista ou terrivelmente umbandista? Tivemos, em passado recente, um ministro do STF, de nome Carlos Alberto Menezes Direito,  que era católico praticante, mas não foi isto que o levou ao Supremo, mas seu notável saber jurídico e sua reputação ilibada e julgava os casos que lhe eram submetidos com base na lei dos homens, deixando o julgamento com base nos preceitos da sua religião para a instância divina, no momento apropriado. O presidente pode, sim, indicar para o STF um candidato que além de possuir as qualidades constitucionais para compor a Corte, seja eventualmente evangélico na sua vida privada. Todavia, não pode ser dada relevância a sua religião, porque isto discrimina as demais religiões e pode levar o Senado a, só por isto, recusar a indicação.

E SE... o Senado recusar a indicação em função de o PR haver dado realce indevido à condição religiosa do indicado? Não haverá interferência do Legislativo na atividade do Executivo? Os seguidores incondicionais do PR afirmarão que sim e até pregarão a ideia de chamar as FFAA para dirimir o conflito entre os poderes, com base no art. 142 da Constituição, que passou a servir para todos os fins nestes tempos militares.

Porém, não há conflito algum. A indicação para ministros do STF é ato complexo. Quando o PR indica um candidato, o faz com fundamento numa competência constitucional.  A indicação é ato privativo do PR, ninguém mais podendo fazer tal indicação. Todavia, a só indicação não faz do candidato ministro. É necessário um outro ato, também soberano, do Senado da República, a quem compete aprovar previamente a indicação de ministros do STF, por voto secreto depois de arguição pública (art. 52, III, a). Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único). Assim, antes da nomeação, temos a fase da indicação do PR e a fase de aprovação ou rejeição pelo Senado. As fases são independentes. A indicação é privativa do PR. A aprovação ou a rejeição é competência privativa do Senado. É certo que o Senado brasileiro jamais rejeitou um nome indicado, mas, se recusar, recusou e recusado está. E o PR faz o quê? Só lhe resta, dentro do Direito, um único caminho: indicar outro candidato. E se o segundo for também  recusado? Indica um terceiro e vai indicando até que o Senado confirme a indicação. E o PR não pode mandar as FFAA cercar o Congresso e obrigar os Senadores a aprovar a indicação manu militari? Com base no Direito jamais, até porque o PR só pode mobilizar as FFAA com autorização do Congresso (art. 84, XIX), não sendo crível que o Congresso vá autorizar o PR  a estuprá-lo . Por outro lado, tal nomeação será nula de pleno direito e a pessoa, assim nomeada, jamais será ministro do STF, ainda que as FFAA obriguem o STF a lhe dar posse: a força pode fazer cessar a razão, enquanto dura. Porém, toda força está condenada à cessação e cessada a força, o direito se restabelece o os violadores da Constituição serão devidamente julgados e punidos, se até lá se chegar.

Pelo que está acima exposto, verifica-se que os juízes da Corte Suprema brasileira são resultantes de atos de vontade do PR (poder eleito) e do Senado da República (poder eleito). Assim, nenhum ministro está lá somente por sua exclusiva vontade. O povo elege o PR e os Senadores e estes escolhem os ministros do Supremo. Eleição por eleitos se chama eleição popular indireta.

Finalizando, vivemos os primeiros cinco séculos da nossa existência cercados de padres, bispos e cardeais. Neste século, acrescentamos os pastores das diversas religiões cristãs e continuamos cercados pelas diversas igrejas que pululam no nosso país. A última trincheira da nossa liberdade é o Estado laico.  Temos a garantia de podermos professar a fé que quisermos ou não professar fé alguma, sem o temor de sofrermos represálias pelas nossas opções religiosas. A confusão entre dogmas religiosos e as normas estatais resulta sempre em opressão e a própria liberdade religiosa é sacrificada. Quando se atribui poder secular a religiosos
ergue-se o xiismo (partidários de Deus, que exclui outras fés). Aliás, quando a pluralidade é sacrificada por um único estamento, o abuso é inevitável. Foi assim no governo de sindicalistas e está sendo assim no governo de militares. Quando uma categoria estabelece que tem previamente razão, todas as demais são sacrificadas. Quanto às religiões, o próprio ecumenismo é fruto da laicidade do Estado. Ao admitir a pluralidade e o respeito de todas religiões exorcizamos o demônio da nossa sofrida pátria. Parodiando Santo Agostinho: cremos para entender e entendemos para crer.

 

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