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ORÁCULO

Os outros animais atuam seguindo as suas necessidades de sobrevivência, o homem, não.


CAMINHOS NOVOS

JOBIS PODOSAN

 

Durante toda a jornada humana na terra, dois fantasmas assombram o homem: a morte e a dor. Para contorná-las ou retardá-las ao máximo nós inventamos e difundimos o medo. Através do medo tentamos eliminar as causas próximas da dor e da morte, de maneira que um dos mais eficazes modos de educar para eliminar os perigos é a disseminação do medo. Todos passamos por isto quando crianças e todos usamos esse mesmo artifício como pais. Os jovens que não temem nada normalmente vivem pouco. Para minimizar os efeitos deletérios do medo inventamos a coragem, que consiste em se preparar para enfrentar os medos. Dessa mistura de coragem e medo, resulta a prudência, que é descrita como virtude, pois o prudente enfrenta os perigos que pode vencer e recua diante de forças que não podem repelir.

Para compensar a ideia de definitividade da morte, nós descobrimos (não inventamos) a eternidade, através da qual confirmamos a nossa finitude física e nos projetamos para ir além da morte, reencarnando, segundo uns, ou ressuscitando, segundo outros, de maneira que deixaremos a vida terrena breve para uma vida eterna e feliz.

Para contornar a dor, essa companheira do dia a dia, descobrimos a beleza, que nos possibilita o encontro com a felicidade. A função estética consiste na relação que se estabelece entre a beleza, a sensação de prazer e o bem estar contemplativo para um determinado objeto ou atividade.

Nesta época pós-industrial, a estética ganha ainda mais relevo por se haver transformada de mera contemplação em atividade cada vez mais crescente, na qual os artistas se multiplicam e novos objetos surgem a cada dia, constituindo meio de vida para uma infinidade de pessoas que, do contrário, estariam desempregadas, porque as máquinas tomaram o trabalho dos humanos nas atividades repetitivas e isto não tem retorno.

Os outros animais atuam seguindo as suas necessidades de sobrevivência, mas nós vamos muito além disto e ainda avançaremos muito mais, porque a estética, com o aprofundamento da lei da evolução, será a ética humana do futuro.  Os humanos, ainda que agora endeusemos o trabalho, vamos nos encaminhar em direção aos serviços que têm como fundamento a estética, a beleza, a música, a pintura, a literatura embutida nos modernos instrumentos tecnológicos, as viagens em busca da contemplação e uma enorme gama de serviços que envolvem as atividades estéticas.

Os pais de hoje se assombram porque os filhos não querem mais ser engenheiros civis, médicos ou advogados, preferindo ser gestor de mídias sociais, engenheiro de cibersegurança, representante de vendas, especialista em sucesso do cliente, cientista de dados, engenheiro de dados, especialista em Inteligência Artificial (IA), desenvolvedor em JavaScript, atividades como salões de beleza, academias, esportes, bares e restaurantes, culinária em geral, tatuadores, atividades ilegais ligadas às drogas (ilegais na produção, na circulação e na comercialização, mas mantidas pela sociedade inteira), e outras, que dispensam o desgastado título de doutor e os rapapés do tratamento cerimonioso.

Assim as atividades voltadas para a estética serão o modo de viver dos humanos, tendendo a desaparecer a relação de emprego e tomando lugar o trabalho criativo. Muita gente hoje vive sem trabalhar formalmente. Já vemos aqui no Brasil a enorme quantidade de jovens que se dedicam à música, a dança, à especialização em novas mídias, enquanto a geração anterior, pregada no trabalho assalariado, dizem que os jovens não querem nada com trabalho. Deve ser lembrado também que o trabalho assalariado teve pouco tempo de experiência: perdurou dos meados do Séc. XIX e vai durar até meados do século atual. Até a metade do Séc. XIX o trabalho era atividade de animais e escravos, que eram considerados também animais, sequer humanos eram, por não serem dotados de personalidade. Eram objeto de direito, pior que os animais de hoje. O trabalho, diga-se, apesar de toda pregação em contrário, ainda é considerado, por certos setores da sociedade, como atividade indigna, apropriada para os mais pobres e desvalidos. Todos querem parar de trabalhar para poderem viver e gozar a vida. Pois bem, a estética fará com que cada um possa sobreviver das atividades criativas que desenvolver, seja cantando, compondo, pedalando, nadando, correndo, fazendo doces e salgados por conta própria, se especializando nas diversas e inesgotáveis áreas tecnológicas, buscando felicidade onde quer que se ela encontre, sem patrão e sem horários determinados por outrem. Já dissemos alhures que a felicidade não é um objetivo, é uma consequência. Ninguém pode ter como objetivo de vida somente ser feliz. Não é possível ser feliz sem uma razão. Essa razão é o seu objetivo na vida, que pode levar à felicidade, ou não. Felicidade é uma palavra vazia, sem conteúdo. Cada pessoa pinta o quadro da sua felicidade com seu pincel e sua tinta. Cada um de nós, fazemos as escolhas que dão significado a nossa felicidade.

Ganha realce o mandamento contido no evangelho de S. Mateus que adverte: "olhai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Porém, eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é queimada no forno, não fará ele muito mais por vós, gente de pouca fé"?

Esse mandamento foi desenvolvido por Érico Veríssimo, que escreveu um belo romance, com uma lição que merece ser lida e absorvida. Com certeza o mundo da estética será mais belo e feliz que o da exploração do homem pelo próprio homem, com uns poucos ficando cada vez mais ricos e os muitos cada vez mais pobres. São os novos caminhos, novos ares que despontam num horizonte próximo, que ficarão mais visíveis quando a cessar a violência e a insensatez, o que nos permitirá ver os lírios no campo.


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