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ORÁCULO

Era tanto idiota pra cá, idiota pra lá, que passou a incomodar as pessoas.


O IDIOTA

JOBIS PODOSAN

 

Era, originariamente, barbeiro. Voz pausada, passo lento, sempre respeitoso, tendo ficado com problemas de varizes que o impossibilitava para o ofício, pela necessidade de trabalhar em pé. Foi deslocado para o gabinete do chefe, para servi-lo nas tarefas cotidianas. Chegava cedo, muito cedo, para a distância da casa onde morava. O chefe, que chegava por volta das 06:30h, já queria encontrar o gabinete pronto para o trabalho diário, inclusive com o temido ar condicionado ligado, que era o terror de quem adentrava ao gabinete, tal o frio que o homem tanto gostava. Qualquer falha na disposição das coisas e o chefe chamava o contínuo de idiota e, com o tempo, idiota passou a ser o nome do contínuo. Era tanto idiota pra cá, idiota pra lá, que passou a incomodar as pessoas: ô idiota, o café está frio; ô idiota, o leite está talhado; ô idiota o cinzeiro está cheio; ô idiota mandei chamar o tesoureiro e não o almoxarife e por aí seguia o dia inteiro. O chefe sofria com o péssimo continuo que tinha, mas não o dispensava porque ele tinha família grande a não aguentava outro tipo de trabalho.

Certo dia, numa conversa amena, na casa do chefe, perguntei-lhe:

-  quem está fazendo quem de idiota?

-  como assim?

-  o senhor chama o contínuo de idiota o tempo todo...

-  chamo por que ele é um idiota.

- quem passa o dia todo contrariado, quem causa incômodo às pessoas que o visitam por vê-lo tratar de idiota a quem não pode responder?

- reconheço que sou eu.

- chefe, ele tem dois filhos a mais que o senhor, um deles excepcional. A mulher não trabalha porque tem de cuidar dos filhos, mas ele mantém a família com o pequeno salário que tem e também as contas todas em dia.

- como é que você sabe de tudo isso?

- também a mim incomoda ver o senhor tratá-lo de maneira tão pesada e, imagino, deve ser para ele um suplício ir trabalhar. Por isto busquei informações sobre ele e o que encontrei foi um homem bom, responsável, amoroso com a família. Ele pode ser tudo menos um idiota.

- sendo assim, me responda, por que ele faz tudo errado?

-  é a forma defesa que ele encontrou. O senhor tem úlcera e passa o dia irritado, agravando o problema. Não podendo responder com palavras ele responde com atos.

- você não sabe o que está dizendo. Você acha que aquele idiota ia pensar tudo isso?

- espero um dia poder lhe provar o que estou dizendo.

 

Passado algum tempo, o chefe recebeu uma partida de caixas de mercadorias que ele mandou arrumar na sua sala de descanso. Mediu as caixas, em largura e profundidade, mediu os armários e concluiu que, se arrumadas de certa forma, caberiam todas nos armários. Chamou o contínuo e lhe explicou tudo, inclusive colocando algumas caixas na posição correta, a título de exemplo. Depois das instruções foi almoçar em casa e queria, ao retornar, encontrar tudo no lugar.

Ao chegar, seis caixas sobraram, pois as caixas foram colocadas fora das instruções. O chefe ficou apoplético, vermelho como um camarão, gritando e com a boca espumando. Corri ao gabinete e encontrei a cena: o contínuo, atrás do chefe, em pé e em silêncio, o chefe à beira de um ataque.

- olhe aí, você com suas teorias. É um idiota ou não é? Eu dei as instruções, dei o exemple e, mesmo assim, ele fez tudo errado. É um idiota mesmo!

- Mandei o continuo sair para melhor conversar com o chefe e lhe disse: certo dia, afirmei que provaria que ele não é idiota. Chegou o momento. Porém, eu preciso que o senhor me prometa que não vai puni-lo por ele dizer a verdade.

- está prometido. Quero ver aonde você quer chegar, estando tudo tão claro.

- primeiro lhe digo que quando entrei nesta sala o contínuo estava atrás do senhor, com um leve sorriso nos lábios, enquanto o senhor vociferava idiota! Idiota! Vou chamá-lo aqui e ele vai explicar porque arrumou tudo errado. Lembre-se: o senhor não vai puni-lo, e vai se desculpar por chamá-lo de idiota.

Chamei o contínuo, olhei-o no fundo dos olhos e lhe disse: você não vai ser  punido por dizer a verdade. Eu já sei a verdade, mas o chefe precisa ouvir de você para acreditar. A sua punição será, tão somente, tirar todas as caixas e arrumá-las na ordem que o chefe mandou. Está bem?

- sim senhor!

- então explique!

- um homem não pode ser chamado de idiota dia e noite, noite e dia, sem que amargura lhe invada o coração. Estive em vias de abandonar tudo, mas fui aconselhado pela minha mulher, lembrando-me dos meus deveres familiares. Então tomei a decisão de parecer mesmo um idiota, fazia tudo ao contrário do que devia, mesmo sabendo que era errado. Eu sabia que devia arrumar as caixas como o chefe mandou, mas não resisti à ideia de arrumar errado somente para irritá-lo.

- pode sair. Dentro de 15 minutos volte para arrumar as caixas corretamente, mas antes o chefe quer lhe dizer uma palavra. O chefe estava olhando o contínuo com cara de quem estava vendo um ET, mas balbuciou um pedido de desculpas.

O contínuo saiu e o chefe me disse:

- quer dizer que esse tempo todo o idiota não era ele?

- bela conclusão.

E o continuo recuperou seu nome de batismo. 

Moral da história: quando você estiver insultando alguém preste atenção para ver se se o insulto não está se voltando contra você.

 

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