- 18 de junho de 2025
RESPEITAR O DECIDIDO
JOBIS PODOSAN
A sociedade desgarrou-se dos estreitos limites estabelecidos pelos antigos clãs e tribos e, mercê da redução das distâncias e da ampliação quase ilimitada dos meios de comunicação, o mundo tornou-se a Aldeia global, termo que foi criado pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan como indicativo de que as novas tecnologias eletrônicas tenderiam a encurtar distâncias e facilitar o progresso. Essa nova sociedade tornou-se global e complexa.
Os conflitos explodiram nessa nova sociedade, na qual prevalece a era dos direitos e o individualismo, tornando cada pessoa um feixe de direitos e algumas poucas obrigações, ficando estas por conta do livre arbítrio de cada um. Em função disso, foi preciso montar uma rede quase ilimitada de instâncias de solução de conflitos, mas os indivíduos receberam essas instâncias de solução de conflitos com desconfiança, aprovando as favoráveis e menoscabando as desfavoráveis. Mesmo pessoas que encarnam ou encarnaram essas instâncias, tendem a reprová-las se as soluções propostas lhes são desfavoráveis.
As sociedades que melhor aceitam as decisões de última instância como sendo a mais adequada, tendem a evoluir mais rápido, pois não perdem tempo discutindo sobre temas que não podem ser modificados. Todos concordam que exista sempre quem fale por último, a fim de acertar os conflitos e possibilitar um novo recomeço, ressalvados os anarquistas e as organizações criminosas, que somente vicejam onde há conflitos intermináveis.
É princípio pacífico de administração, seja pública, seja privada, que as questões não podem ficar sendo decididas e redecididas o tempo todo. Quando quem tem a palavra final decide, acaba-se a discussão, a fase seguinte é cumprir e fazer cumprir o que já foi decidido. Com a pacificação não há espaço para anarquistas ou organizações criminosas, sendo que estas tendem ao desmonte. Tanto anarquistas quanto criminosos necessitam de convulsões e insatisfações sociais para proliferaram.
Cito um exemplo minúsculo: para resolver grandes dúvidas nas partidas de futebol, foi criada uma instância acima do árbitro tradicional, que cometia erros absurdos por força da rapidez dos lances e da falibilidade dos nossos sentidos. Denominou-se VAR (Video Assistant Referee), e consiste em um sistema eletrônico de apoio à arbitragem que tem por objetivo ajudar o árbitro central, no campo de jogo, a tomar decisões em lances tidos por duvidosos. Nesse sistema, três árbitros analisam os lances por um sistema de recursos tecnológicos impossível ao juiz de campo. Assim, quando o VAR decide, o faz em última instância: se disse que houve pênalti, houve pênalti; que a bola entrou, entrou; que houve impedimento, houve. O que faz o apaixonado torcedor de futebol? Aceita o VAR incondicionalmente quando a decisão favorece ao seu clube. Mas o que faz quando a decisão é desfavorável ao seu time? Anuncia que tem dúvida se houve mesmo o pênalti, ou o impedimento contra o seu time. Com isto, prorroga um sofrimento totalmente desnecessário e lança suspeitas sobre uma decisão que ele não pode mudar. E se o VAR não for chamado a se pronunciar? Neste caso, a decisão final é a tomada pelo juiz de campo. A aceitação civilizada da decisão da instância final indicaria a aceitação da regra de pacificação do conflito relativa ao futebol.
Assim deveria ser em todas as decisões das instâncias finais, que são aquelas das quais não cabe mais nenhum recurso. Assim é nos governos, nas empresas, na família ou em qualquer grupo de mais de uma pessoa. Não aceitar a decisão final é subverter a ordem, é pretender substituir uma ordem por outra e assim perpetuar o conflito. Essa atitude desloca energia valiosa para atividades desnecessárias ao invés de concentrá-las em setores mais importantes para o organismo social, gerando insatisfação e sensação de injustiça e todos se voltam contra todos, elevando ao máximo a expressão Lupus est homo homini lupus que significa “o homem é o lobo do próprio homem”, criada por Plauto em sua obra Asinaria e difundida por Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, na sua obra Do Cidadão. Assim, passamos a alimentar o ódio que destrói ao invés do amor e da compreensão, que leva à cooperação da qual todos necessitamos porque não somos ilhas, todos somos interdependentes, não havendo eles sem nós e nem nós sem eles, todos somos apenas um, vasos comunicantes. Ou caminhamos juntos ou frearemos uns aos outros e todos ficaremos parados. Isso não significa convergência sempre, ao contrário, caminhamos na divergência e nos resignamos se esses conflitos de caminhos forem resolvidos pelas instâncias decisórias finais. Então pergunta-se e responde-se: 1) quem é instância final nas eleições presidenciais? O povo; 2) O que acontece se Bolsonaro for reeleito? Continua presidente; 3) E se Lula for o eleito? Deixa de ser ex-presidente e vira, de novo, presidente e Bolsonaro deixa de ser presidente e vira ex-presidente; 4) E se qualquer outro brasileiro ou brasileira for eleito(a)? Este ou esta vira presidente, Bolsonaro vira ex-presidente e Lula continua ex-presidente.
Discute-se e luta-se até a decisão final. Porém, tomada a decisão final, aceitamo-la civilizadamente. A paixão vai até as eleições, proclamado o resultado é hora da razão.