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ORÁCULO

O recruta bisonho não distingue as ordens que recebe.


FIGURA DE POPA

JOBIS PODOSAN

 

A figura do recruta bisonho é conhecida nos quartéis, e até na literatura jurídica, pela pena respeitada de Nelson Hungria, conhecida como o soldado que, por inexperiente, é acanhado nos movimentos e não sabe obedecer a ordem simples, atrapalha-se com atividades pequenas e não sabe prestar contas atividades modestas. O recruta bisonho não distingue as ordens que recebe, o que é mandado é obedecido. A palavra ordem é de cumprimento inapelável, pois não sabe distinguir ordem legal de ordem ilegal, tampouco passa pela sua cabeça que a lei lhe permite não cumprir ordens absurdas e conflitantes com a lei. É por isto que a palavra bisonho se aplica somente no primeiro degrau da carreira militar e não aos demais postos e graduações, sendo impensável a figura de um coronel bisonho, por exemplo!

Porém, agora, no Brasil, apareceu a figura do general bisonho! O que cumpre as ordens sem pestanejar, esquecido seu saber pessoal, para idolatrar aquele que lhe dá a ordem, seja ela qual for. O episódio no shopping de Manaus, no qual ele circula em calças curtas e sem máscara depois de ter saído justamente o Ministério da Saúde é sintomático e de extrema bisonhice para um general, absolutamente fora do padrão nacional e internacional desse elevado posto militar, em países democráticos de direito. Esse general lembra outra figura também bastante conhecida nos quartéis, chamados na linguagem castrense de vexamistas, porque tudo o que fazem dá sempre errado, sendo estranho que esse tenha chegado tão longe na hierarquia.

Um general é pouco visto e conhecido na sociedade, mesmo no Brasil, onde tivemos muitos generais em derredor dos governos, salvo nos governos FHC e Lula, quando foram afastados da cena política e voltaram aos quartéis, ficando uma minoria. No governo Bolsonaro, no entanto, talvez pela sede acumulada nos tempos de afastamento e por ser o Presidente egresso as FFAA, voltaram com tudo. Estão à frente de muitos cargos e funções e estabeleceram uma linha de subordinação, transformando os órgãos públicos em exemplos de hierarquia militar. Tem general em toda parte e exercendo funções as mais diversas, como experts em toda a atividade governamental. Tem-se a impressão de que, à falta de guerras a combater, ficaram o tempo todo no quartel estudando sobre todas as atividades e, quem estuda quer, um dia, aplicar esse conhecimento, com apenas um detalhe em desfavor dessa tese: na prática, a teoria é outra. O conhecimento de superfície é insuficiente para resolver problemas complexos e termina por engolir o que tem a ousadia de assumir cargos e funções sem as habilidades para tanto.

A figura de um general, vista de longe, nos lembra um homem ereto, circunspecto, mais de ouvir do que falar, de frases curtas e quase sempre imperativas, habituados ao trabalho de comando, olhando em linha reta, respeitoso, cônscio das suas responsabilidades, pouco afeito a pieguices e gracinhas, ar sempre decidido, opinando sempre com segurança, lembrando as figuras de De Gaulle, Caxias e Montgomery e mais, recentemente, de Ernesto Geisel e Hamilton Mourão. Mas agora apareceu essa figura diferente do padrão, tão singular que não tem parâmetro dentro das FFAA. Corajoso, pois aceita ser o número 2 num Ministério técnico como é o da saúde. Temerário, pois aceita ser Ministro titular desse mesmo Ministério. Louco, quando leva para estrutura do Ministério um grupo de auxiliares também militares, tendo como meta “cumprir ordens”!

É sabido que os militares brasileiros, talvez pela inexistência de conflitos que exercitem a atividade fim da sua Força, acreditam-se capazes de exercer qualquer função, pública ou privada, e há também muitas pessoas boas  que acreditam nisso também!

Perguntado ao Google sobre o que faz um general intendente, esta foi a resposta: "ele distribui o material de intendência (uniformes, equipamentos individuais, etc) e os diversos tipos de munição e de gêneros alimentícios. Proporciona também, em operações, outros serviços como lavanderia e banho."

Não parece um CEO (Chief Executive Officer) apto a chefiar e decidir sobre a saúde de um país continental como o Brasil! Ele se entregou com tal voluptuosidade ao Ministério que chegou àquela cena ridícula de fazer cara de bobo da corte e pronunciar a sua condenação de impropriedade e disparidade entre o homem que manda menos e obedece mais e o general, que obedece menos e manda mais, porque generais afeitos aos deveres do seu posto não precisam receber ordens, ela as sabe e as cumprem antes de as receberem, sendo a ordem expedida quase sempre na forma de convite, embora imperativo. Aquela estória de "um manda, o outro obedece, simples assim" fala mal do General, que não percebe quem é e fala mal do Presidente, pois, se era para ser assim, deveria não escolher no escalão de mando, deveria escolher no que obedece. Ao contrário, do que fez o general Gonçalves Dias, numa praia Inema, na Bahia, Eduardo Pazuello carregaria o isopor de cerveja na cabeça, se Lula mandasse, simples assim: um manda, o outro obedece!

Pazuello, diante de tantas trapalhadas, acrescentou mais uma: já tendo retornado à atividade do Exército participou de manifestação política, sem máscara e em aglomeração, ao lado do Presidente da República. Diminuiu significativamente a estatura dos demais generais, a não ser que o Alto Comando do Exército faça o que sugeriu o Vice-Presidente da República, ele também general: Dê-lhe a cutelada, pois sendo ele um general, sabe que errou, e tem de botar, voluntariamente, a cabeça no cutelo.

Por último o general do exército vai ocupar o posto de secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, nomeado nesta terça-feira (1/6), em edição extra do Diário Oficial da União, sendo afastado de novo da carreira na tentativa presidencial de burlar o regulamento disciplinar do exército. Feio para todos os protagonistas, pior ainda porque o cargo tem um nome longo e pomposo, que na seara administrativa significa muito nome e pouca função, não se sabendo o que o nomeado vai fazer. Qualquer pessoa está apta a exercer a função, porque se nada fizer ou produzir, ainda assim poderá ser elogiado por quem o nomeou. 

Temos, pois, no Brasil, a excepcionalidade de um general bisonho, na proa, lá colocado pela atração magnética e recíproca da mediocridade, quando deveria estar na popa e bem abaixo na hierarquia. 

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