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ORÁCULO

O saber profundo exige que a pessoa saiba cada vez mais de cada vez menos.


O MUNDO FASCINANTE DA LEITURA

                                                                                                          JOBIS PODOSAN

 

Jorge Amado escreveu uma interessante anedota girando em torno de uma eleição para uma cadeira da Academia Brasileira de Letras-ABL. O livro é de leitura deliciosa, intitulado Farda, Fardão, Camisola de Dormir, ambientada na época mais tensa da Ditadura Vargas. Há ingredientes políticos interessantes e uma inusitada resistência dos velhinhos da Academia à candidatura de um postulante apresentado pelo sistema, que terminam por vencer a força e a prepotência através da astúcia. Bom de ler, delicioso de reler, melhor ainda de ler de novo e de novo.

As pessoas falam que eu leio muito, alguns com desdém, por entenderem ser a leitura uma perda de tempo. Para estes, eu digo sempre que não adianta não ler, porque vivemos dentro de um livro, vivenciando a nossa própria história, capítulo por capítulo. Alguns até, depois de viverem uma vida longa e produtiva, sentem uma vontade incontida de perpetuar num livro os feitos mais destacados da sua existência. É a necessidade de passar adiante o que se aprendeu. Talvez seja este o instante em que se apercebem que poderiam viver aventuras interessantes nos livros de outros autores, perpassando épocas e acontecimentos que, não podendo vivê-los, poderiam haurir, na pena alheia, as emoções sentidas em tempos distantes, imemoriais até, vivendo as delícias de viajar pelo mundo, em qualquer época, sem sair de casa. Outros demonstram compaixão pela minha mente doente de tanto ler. Todavia, me agrada muito os que se sentem picados pela curiosidade de descobrir o que tanto me atrai na leitura de livros, que mundo fascinante é esse que me prende a atenção sem cessar, viajando de um livro a outro, como um viajante que pretende conhecer o mundo visitando-o amiúde, sem usar as pernas, mas usando apenas os olhos.

O saber exige revisões constantes, sendo a dúvida a fonte principal da evolução do conhecimento. O oposto da certeza, que o petrifica e impede seu desenvolvimento. Tome-se como exemplo, a doutrina de Aristóteles sobre a terra ser plana e o também o centro do universo. Adotada a tese como divina pela Igreja Católica, esse conhecimento, embora hoje o saibamos falso, perdurou, por cerca de dois mil anos e quase custou a vida de Galileu Galilei, embora já questionada e provado por Nicolau Copérnico que o sistema era, na verdade, heliocêntrico. Também por isto precisamos ler e estudar, a cada livro uma escama que cai.

Os grandes escritores contemporâneos, dizem que depois que D. Quixote, o autor desse clássico pouco deixou para se criar, portanto, mercê se faz ler a obra clássica de Cervantes, antes de sair por aí combatendo moinhos de vento e pensando ser originais!  Da primeira vez dá para ler sentado. A segunda, porém, se você entendeu trinta por cento do que leu, a leitura há de fazer de joelhos, para compensar o sacrifício de quem pôs em suas mãos um tesouro de valor incalculável. Até quem pensa que nunca leu as aventuras do aparentemente extravagante personagem, tem na mente quase o livro inteiro, pois D. Quixote é um livro que gerou e gera livros e, partes do texto, estão espalhadas por todo lugar do mundo, na música, na literatura, na pintura, no cinema, na televisão, nos ditos populares, em toda parte.

Uma vida só é muito pouco para apreciar o banquete que nos legaram os nossos antepassados, por isto, por mais que se diga que uma pessoa lê, esse leitor assíduo sabe que, em verdade, leu pouco, apenas o possível para tirar um pouco das escamas dos olhos, diminuindo a cegueira e abrindo os antolhos.

Certa feita, na faculdade, uma aluna bastante jovem, viu na minha mão o livro intitulado Sermões, assombrou-se e sem se conter disse:

-  Professor, até livro de sermões o senhor lê!?

- Sim, mas Sermões de Vieira (1608-1697), escritos no século XVII. Há duzentos deles de autoria reconhecida e estão materializados em doze volumes, editados pela EDELBRA, de leitura deliciosa. Após ler cada um deles a pessoa se modifica para sempre, os conceitos mudam e o espirito ganha novas alturas, os olhos abrem, o coração suaviza. Conta-se que, certa vez, Rui Barbosa proferiu uma Aula Magna na Faculdade de Direito do Largo de Francisco, em São Paulo, que é considerada, ainda hoje, a melhor escola de direito do Brasil, e o melhor aluno do último ano foi escolhido para fazer a saudação ao grande mestre. O jovem perorou bonito e, ao final, perguntou:

- Mestre, o que devo ler para me tornar um grande jurista?

- Leia os Sermões de Vieira, respondeu, sem vacilar, o grande sábio.

O jovem estranhou a resposta, mas insistiu:

- suponhamos que eu já li a obra indicada, o que mais devo ler para me tornar um grande jurista?

- Releia os Sermões de Vieira.

Olhei novamente para a aluna, que estava absorta, como perdida em muitos pensamentos de incerteza na minha sanidade.

- Vou lhe emprestar o livro e lhe dar uma pequena tarefa. Leia o Sermão da Sexagésima, é o primeiro desse volume. Depois que você ler conversaremos, mas lembre-se, você deve ler e reler. Quinze dias se passarem e ele voltou eufórica me pedido o empréstimo do segundo volume.

- Li todos, Professor, que coisa mais interessante, tão atuais!

- Pois é. Porém, não vou lhe emprestar o segundo volume. Trata-se de obra de domínio público e, na Internet e na biblioteca da faculdade, você encontra a obra completa. Vai mais uma lição: nós buscamos o conhecimento, ele não vem a nós. Você tomou gosto, aguçou o apetite. Corra atrás, e você aprenderá que a própria busca em si, já é um imenso prazer. Aliás, há um outro livro que lhe recomendo ler, onde está sentenciado: buscai e encontrareis! Pesquise e você o encontrará a frase inteira e o Livro.

Aquela jovem é, hoje, juíza federal. Ela não só ouviu, mas escutou, os Sermões de Vieira!

De outra feita, após o término da aula, pouco antes da turma sair, um aluno me fez uma pergunta que fez a turma paralisar para ouvir a resposta.

- professor, o senhor citou 16 livros durante os dois tempos da aula. Isto não seria soberba, exibição inútil de cultura?

- Vou citar o livro número 17. Recomendo-lhe a leitura do livro O Homem que Calculava, do Malba Tahan. A resposta para sua pergunta está lá. Mas antecipo algo para você. Eu leio muito, não para me exibir, mas para tentar compreender o tamanho da minha ignorância. Beremiz Samir, o homem que calculava, era considerado um grande sábio. E era. Mas observava que se o saber fosse representado por uma enorme quantidade de açúcar, do tamanho do Monte Everest, nenhum homem conseguiria saber maior que um grão de açúcar, de modo que ninguém pode jactar-se de ter o domínio do saber. É por isto que a sabedoria é modesta e a ignorância agressiva, cáustica, debochada. Não é por outra razão que a filosofia significa amizade ao saber e não domínio sobre ele. Por mais sábio que seja um indivíduo, o que ele ignora predomina superlativamente sobre o pouco que ele consegue aprender, de maneira que chamamos sábio tão somente àqueles que detém um pequeno saber sobre certo ramo do conhecimento.

O saber profundo exige que a pessoa saiba cada vez mais de cada vez menos, o que chamamos hoje especialistas: pessoas que sabem muito de pouco e ignora o resto a sua volta. Acredite, meu jovem, precisamos ler cada vez mais, para que possamos sobreviver do pouco que sabemos e viver com intensidade, como amigos do saber, sobre o mundo que nos rodeia. Por isto mesmo, realça-se a redescoberta da Filosofia, ramo do saber ao qual você chegará se começar a ler agora e descobrirá o encantamento que é, ao menos, entender o que acontece a nossa volta, sem ficar a reboque da cabeça dos outros para tudo.

 

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