- 18 de junho de 2025
O POETA E O GENERAL
JOBIS PODOSAN
Conta-se que certo poeta português encontrou-se com o general cartaginês Aníbal, o das guerras púnicas. Curioso, o poeta indagou sobre táticas e estratégias de guerra. O general não se fez de rogado e dissertou longamente sobre como derrotou seus inimigos, enquanto o poeta prestava atenção, fazendo perguntas inteligentes e deixando o general discorrer sobre o assunto do qual era expoente.
Já cansado de falar, o general quis saber do poeta sobre os grandes bardos. Foi a vez do poeta falar e começou pelos gregos Homero e Hesíodo. Mas o general interrompeu o poeta, começando a falar também sobre o assunto dando opiniões críticas sobre o tema. O poeta, então, redarguiu: general, quer dizer que o senhor além de exímio líder militar conhece também os grandes poetas clássicos! Diga-me o que acha da obra de Homero e Hesíodo. A leitura da Ilíada e da Odisséia lhe despertaram e tipos de sentimentos?
Os poemas de Homero fornecem dados muito relevantes sobre comportamento, cultura, religião, fatos históricos, mitologia grega e a sociedade da Grécia Antiga. Não lhe parece que os 24 cantos da Odisséia encontram aplicação plena na atualidade?
Já Hesíodo foi um dos maiores poetas gregos da Idade Arcaica. Viveu aproximadamente no ano 800 a.C. na Beócia, no centro da Grécia. Passou parte de sua vida na sua cidade natal, a aldeia de Ascra. Suas obras, ao lado das de Homero, se destacam como pilares da antiga cultura helênica, com especial destaque para Trabalhos e Dias, na qual relata problemas com o irmão Perses, dá informações detalhadas sobre a agricultura, e reflete sobre a importância da justiça e do trabalho. O que o senhor acha, comparativamente, da obra desses dois gigante da poesia? A essa altura, o general, que tinha se calado, respondeu que não conhecia nada sobre poesia. Então, general, se eu posso lhe ensinar alguma coisa, lhe dou um conselho: só fale do que sabe e se cale sobre o que não sabe, principalmente diante de quem sabe.
Estamos vivendo hoje um tempo no qual todo mundo pensa que sabe de tudo. Desaprendemos a aprender, a ouvir e refletir. As mensagens que nos são encaminhadas, sem que as submetamos a conferência alguma, tornam-se a nossa opinião e passamos a duvidar de tudo que se afirme diferente. É o novo convencimento, que não resiste à mínima análise, mas que defendemos como se tivéssemos conhecimento aprofundado do tema, passamos a ter uma ignorância qualificada.
Recentemente alguém publicou nas redes sociais, que no Estado de Sergipe, o governador, tomando uma medida “comunista”, tinha requisitado propriedade privada para atender à crise decorrente da Covid 19. A matéria reverberou e chegou ao PR que, exaltado, disse que não permitiria o comunismo do Brasil e ameaçou implicitamente o Estado de Sergipe com a adoção de providências enérgicas para evitar tais atos.
Ocorre que a Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 5º, inciso XXV, diz que "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver".
Como entender que o PR, dispondo de toda a assessoria que quer e quiser, entre nas redes sociais para dar uma declaração tão estonteante de despreparo? Uma tolice ou outra, vá lá. Mas uma enxurrada de críticas ácidas por atos que estão previstos na Constituição e nas leis, reduz, senão fulmina, a autoridade presidencial. A melhor maneira de evitar esses desastres é ouvir primeiro é falar depois. depois de ouvir quem sabe do que está falando e não chaleiras que falam o que a autoridade quer ouvir. O PR pode ser despreparado em certos temas, mas a sua assessoria tem de ser qualificada. Caso contrário, a tolice engole o tolo.
E tem mais.
Ao se pronunciar sobre a decisão do Min. Roberto Barroso, do STF, em um processo no qual dois Senadores, signatários de um requerimento para instalar CPI para investigar atos e omissões do Ministério da Saúde durante crise da Covid 19 no Brasil, especialmente em Manaus, pediam que a Suprema Corte que mandasse instalar a CPI, por presentes os três requisitos justificadores e baseados em que o Presidente do Senado, uma vez presentes esses requisitos, não tinha poderes para obstar a referida instalação. Deferida a medida pelo relator, o PR, fazendo insinuações sobre a pessoa do relator, acusou o Ministro do STF de omissão no seu despacho, por não ter incluído os Estados e Municípios no polo passivo da ação e não ter determinado também os procedimentos para instauração de processos de impeachment contra ministros do STF que estariam sendo represados pelo Presidente do Senado.
Misturou alhos com bugalhos, dando um "brado retumbante" de despreparo para o cargo, uma vez que se fundou no seu desconhecimento da matéria jurídica e não ouviu nenhum dos assessores qualificados que têm a sua disposição para evitar essas falas catastróficas. Em outro vídeo, reclamou de não ter mais vida, diante de tantos problemas a resolver, que não tinha tempo para mais nada. Tivesse a estatura para a função e não faria uma reclamação tão óbvia. Quem quer ser Chefe de Estado e de Governo - e ninguém o obrigou a isso - sabe antecipadamente que terá problemas mil diante de si para resolver. Saberia que presidentes não trabalham, fazem seus auxiliares trabalharem; também saberia que seu falar deve ser sim, sim; não, não, como ensinou Jesus Cristo. Presidentes só falam quando estão certos do que vão dizer. É disso que resulta sua autoridade e não da língua solta e boca cheia de impropérios. Presidentes falastrões terminam por dar bom dia a cavalo e dar razão até a que não tem. O atual PR deu show no caso da cusparada no plenário da Câmara, quando agiu com a frieza esperada de uma autoridade pública insultada. Começou ali a ganhar a Presidência e o agressor escafedeu-se para o subilatório da galinha. Precisa recuperar aquele controle, agora que têm o controle da força, para resistir a tentações funestas.
A zona de conforto foi deixada para trás quando deixou os seus 28 anos no baixo clero na Câmara dos Deputados para se aventurar no cargo número 01 do país. Os problemas são apenas desafios que, ao invés de gerar reclamação, deveriam estimulá-lo à ação e provocar a satisfação de estar ali para resolvê-los.
Estivéssemos num Estado de sistema parlamentarista de governo tais declarações bastariam para o governo cair, por desconhecer o conteúdo do artigo mais importante da Constituição no que se refere aos direitos e garantias individuais e também ignorar os limites do princípio federativo, que impede que o Congresso Nacional crie CPI'S para apurar fatos dos Estados-Membros, conforme, determina o art. 146 do Regimento interno do Senado Federal. Se alguma investigação pode ser feita é sobre os repasses feitos pela União, mas não sobre a aplicação dos recursos pelos Estados e Municípios, porque isto equivaleria a invadir o princípio federativo. Confira-se.
Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:
I - à Câmara dos Deputados;
II - às atribuições do Poder Judiciário;
III - aos Estados.
Assim, se tentar incluir os Estados nessa CPI cuja abertura se pediu, há dois óbices que impedem a inclusão. O primeiro é que CPI federal não pode incluir investigação sobre os Estados. O segundo é que toda CPI é monotemática, isto é, não é possível pulverizar os temas em investigação. Mesmo que fosse possível investigar os estados isto teria que ser feito em outra CPI, que seria criada para tratar do novo tema, justamente para evitar o recurso da pulverização temática que inviabilizaria a conclusão dos trabalhos sobre o tema inicial no prazo marcado.
Por outro lado, tenha-se em vista que uma apuração não termina necessariamente em condenação, ela também pode ser absolutória. Para quem nada tem a esconder, uma CPI pode ser motivo de regozijo, pois possibilitará a demonstração de que tudo foi feito dentro da lei e da conveniência administrativa. O excesso de receio pode revelar indício de temor ao que pode ser encontrado na investigação.
Embora o governo apresente grandes vantagens sobre a lisura do seu governo no terreno da moralidade pública, é preciso que a roda se complete para poder rodar. A honestidade do governo é um dado relevante, mas não é tudo. O respeito à ordem jurídica é outro pilar importante de atuação de um governo, pois é da ordem jurídica que vem a liberdade. É óbvio que Presidente algum domina todos os ramos do conhecimento sobre os quais toma decisões, por isto mesmo têm e podem ter as assessorias que quiserem, para não meter vergonha a si mesmo, aos seus seguidores e ao mundo. Vai acabar virando anedota, por tentar parecer vítima quando é, na verdade, o vencedor.