- 18 de junho de 2025
O COMBATE À CORRUPCÃO
JOBIS PODOSAN
O combate à corrupção é compatível com a atividade do Poder Judiciário? Dentro do sistema constitucional brasileiro o combate ao crime sempre foi tarefa do Poder Executivo, que o realizava através das polícias militares e civis, principalmente esta, que antes monopolizava a investigação criminal. Depois da Constituição de 1988, o Ministério Público ganhou a supervisão da atividade policial, mas entendeu ser pouco e avançou sobre a polícia e ganhou, via jurisprudência, nacos atividade investigatória, chegando à chefia, em campo, das incursões policiais, estabelecendo as operações, colhendo provas e aparecendo na mídia como super-heróis da sociedade. O Ministério Público passou a investigar e a acusar, apresentando denúncias ao Poder Judiciário, cuja atividade curial é julgar.
O Ministério Público perdeu parte do distanciamento que proporcionava a análise dos inquéritos, passando ele, o MP, a denunciar aqueles que ele próprio investiga! Não é difícil entender que o membro do MP que lidera uma investigação acha o que está procurando e como está procurando. Formaram-se então as operações policiais estrepitosas e cinematográficas, com as equipes envolvidas se transformando, vestidas de capa e espada imaginárias, em modernos Wyatts Erps ou Zorros, defendendo a sociedade de meliantes perigosos, embora envolvendo pessoas inocentes ou depois inocentadas, mas de reputações destruídas irremediavelmente, matando civilmente cidadãos, às vezes sem provas ou com meros indícios baseados na teoria do "só pode ter sido". A decência acabou, ninguém é mais inocente, pois a qualquer momento podem acordar às seis da manhã com a polícia federal algemando-os e expondo-os ao opróbrio público, surpreendendo a todos que, boquiabertos, só resta murmurar: fulano! Enganou a todos, parecia tão decente! Todos viraram bandidos e candidatos a, em algum momento, serem desmascarados pelas polícias e pelo MP.
As operações se sucederam com os "mocinhos" olhando a todos por cima. As pessoas passaram a ser julgadas e condenadas pela opinião pública, conforme seus nomes apareçam nas famosas operações policiais, que são, na verdade, apenas o primeiro degrau na escada de qualquer julgamento.
A situação se agravou quando juízes ganharam renome e se transmudaram também em heróis populares. Os juízes passaram combater a corrupção, chegando um deles a usar a expressão "combate à corrupção", como um objetivo e mote da sua atividade judicial. Um olhar atento sobre a natureza da atividade judicial revela que a jurisdição é inerte, não vai aos fatos, é ao contrário, os fatos vão aos juízes e, portanto, juízes não combatem a corrupção, eles julgam as denúncias oferecidas pelo Ministério Público, nas quais algum cidadão está sendo denunciado por praticar a corrupção, sendo papel do juiz examinar os fatos, sem ter envolvimento prévio e direto com eles, e aceitar ou rejeitar a denúncia. Mas o que vimos no Brasil recentemente? Juízes que se converteram também em policiais, como antes fizera o MP, e as garantias constitucionais dos cidadãos irem para o brejo.
Essa usurpação da atividade policial pelo MP e pelos juízes de 1º grau, serviu também para desmoralizar os tribunais, pois estes passaram a anular ou modificar as ações julgadas em primeiro grau e levaram à população a percepção de que os errados eram os tribunais, porque os espetaculosos julgamentos do primeiro grau convenceram a população de que juízes são eles, que julgam pela opinião do povo e não pela lei. A popularidade desses juízes os elevou a desejarem o exercício do poder político, pois é o que estavam fazendo de dentro do Poder Judiciário. Transformaram-se em parlamentares, governadores, ministros e passaram a ser aplaudidos pelas ruas.
A função judiciária pode ser contramajoritária e, só por exceção, ser compatível com a opinião pública. É a lei que fundamenta as decisões judiciais. A opinião pública é reflexo da opinião publicada. Os formadores de opinião é que fazem a própria opinião ser entendida como opinião pública.
É chegado o momento de restabelecer as garantias dos cidadãos, assegurando a eles os seus direitos constitucionais e a proteger também aos juízes contra a própria intrepidez ou vaidade. Há muitas pessoas que foram execradas pela opinião pública sem que nada se tenha provado contra elas, desmoralização que não tem como reparar. Quer ser político, vá ao povo pedir votos! Se entrou na magistratura, não a use como degrau para o poder político, porque o efeito pode não ser o desejado. O suposto sábio pode virar um mentecapto insciente.
A ser mantida a decisão do Min. Fachin, como parece que vai ocorrer, dada a fundamentação que a embasou, a população ficará perplexa com o manifesto despreparo de toda a hierarquia judiciária, que falhou no primeiro e elementar quesito de qualquer processo judicial, cível ou criminal: a competência do juiz. A competência não é um querer fazer ou um saber fazer, mas um poder fazer. Se o STF julgar o juiz incompetente no sentido jurídico, estará também dizendo ser ele incompetente no sentido comum ou, pior, que julgou o que já havia previamente julgado. Usou o combate à corrupção como arma e ela voltou-se contra si mesmo.
Nos fique a lição de que o juiz não exerce atividade de combate algum, ele julga os fatos levados a ele pelas autoridades encarregadas de elucidação dos fatos criminosos e sobre eles faz sobrepairar o direito para condenar ou para absolver segundo a lei, apesar de eventual opinião pública em sentido contrário. No caso concreto, o juiz de 1º grau funcionou como o melhor advogado do acusado, pois plantou, regou ou não enxergou o vício que, na verdade, levou os crimes à prescrição. O guarda-chuva da prescrição pode ter servido para deixar impune um notável criminoso, cujo mérito de ter cometido ou não os crimes de que foi acusado jamais será apurado e punido, absolvido que foi por razões meramente processuais. É espantoso, mas na prática esse é o resultado.
Com a anulação, se assim permanecer, Lula estará absolvido pela indiscutível prescrição de todos os crimes. O que o juiz do DF vai dizer é isto, até porque antes dele falar, o MP do DF vai ter de ratificar ou oferecer outra denúncia e, com os crimes prescritos, nem denúncia haverá, o MP vai pedir a o arquivamento do processo. Simples assim. O crime mais grave é o de corrupção, que têm a pena máxima de 12 anos e prescreve em 16 anos. Neste caso os crimes mais leves prescrevem com os mais graves. Como Lula é maior de 70 anos a prescrição conta por metade (CP art. 115), logo 8 anos, a contar da prática dos fatos, já que o recebimento da denúncia também ficou anulada. Prescrição consumada. Milhares de horas consumidas inutilmente. Prejuízos causados. Consequências a serem apuradas. Triste fim de uma confusão entre as atividades de investigar, acusar é julgar.
Lembrando Confúcio: mestre, quantas vezes deve um juiz refletir antes de sentenciar? Respondeu o sábio: uma vez será suficiente, quando o juiz, pelo exame da causa, concluir pela absolvição. Dez vezes porém, deverá o magistrado pensar, sempre que se sentir inclinado a lavrar a sentença condenatória.
O suposto criminoso venceu, pois a gana de condenar, condena antes o juiz que pouco refletiu.