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ORACULO

Uma decisão judicial é composta de duas partes principais.


O PARADOXO


JOBIS PODOSAN

 
         O artigo de hoje trata de noções elementares da atuação do Poder Judiciário e é motivado pela profusão de críticas a juízes a tribunais, algumas devidas às desconfianças nas figuras de certos juízes, outras na visão ideológica das relações entre os poderes e muitas outras com base na incompreensão do papel dos juízes e do sistema constitucional que emerge da própria Constituição. Começo com um exemplo ocorrido com certo juiz e um advogado que atuava em causa própria, mas fora da sua especialidade. Vejamos:

­-  Bom dia doutor! Fiquei muito feliz hoje porque distribuí uma ação reivindicatória  e o senhor foi o juiz sorteado - disse o advogado criminalista que, na ação mencionada, advogava no cível como autor da ação.

- ao que parece, o senhor já prejulgou a causa e espera que o meu julgamento coincida com o seu. Ainda não vi o processo e espero que o senhor aguarde o processamento e o julgamento da ação - rebateu o juiz.

Feita a citação do réu, este não contestou a ação ocasionando a sua revelia.
O advogado/parte encontrou o juiz nos corredores do fórum e não resistiu:

             - Doutor, o seu julgamento coincidirá com o meu. O réu não contestou a ação, logo os fatos alegados por mim na petição inicial tornaram-se verdadeiros, por força da revelia e eu venci!

              - Meu caro advogado, como vou saber se você venceu, se ainda não julguei, não proferi a sentença?

             A ação girava em torno de um terreno que fora adquirido pelo autor, mediante escritura pública, que foi juntada no processo e, ao ver do autor, lhe dava a propriedade do terreno. Juntou o autor também uma escritura em nome do réu, com data posterior à dele e já registrada em cartório. O ilustre causídico "esqueceu" que uma escritura pública é tão somente um contrato que se faz perante um oficial público e que não tem força para transferir a propriedade. Quem transmite é o registro no cartório do registro de imóveis, porque este registro é que gera a publicidade da transmissão, protegendo o interesse de terceiros. Se forem feitas cem escrituras públicas de compra e venda de um imóvel, o proprietário será aquele que primeiro fizer o registro. Os demais vão se resolver em indenizações contra o vendedor inescrupuloso.

No dispositivo da sentença, o juiz decidiu a causa:

- Posto isto e por tudo o mais que consta dos autos, julgo improcedente o pedido formulado pelo autor e o condeno ao pagamento das custas do processo. Sem honorários, haja vista que o réu não contestou a ação.

O advogado, furioso, disse pelos corredores do fórum que o juiz errou vergonhosamente. Procurou o juiz, mas este apenas lhe disse: leia a fundamentação e, se continuar irresignado, recorra ao Tribunal, minha jurisdição está esgotada. Nada mais há a ser conversado sobre o tema.

Algum tempo depois, após fugir do juiz durante algum tempo, o advogado o procurou para pedir desculpas pelo que tinha falado nos corredores do fórum. Isto depois de ler, ouvir colegas especialistas na área e entender a fundamentação da decisão. Basicamente, a decisão do juiz foi fundamentada no art. 320 do CPC de 1973 (no CPC atual, está no art. 345, III), que dizia o seguinte: a revelia não induz, contudo, o efeito de tornar verdadeiros os fatos mencionados pelo autor, entre outros casos, se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato. No caso, o autor juntou a escritura pública, porém, sem o registro no cartório de inscrição do imóvel. Pior ainda. Juntou certidão registrada no cartório em nome do réu. Segundo ele, como a escritura pública em nome do réu foi feita depois da dele, este não teria direito. Equívoco que muita gente hoje comete. O que transmite a propriedade de bem imóvel não é a escritura pública, mas o registro desta no cartório de registro do imóvel em questão.

Uma palavra, ainda, sobre o aspecto ideológico no provimento dos cargos de juiz pelo Presidente da República. Os adeptos de determinado Presidente querem substituir todos, ou pelo menos a maioria do ministros do STF, ao argumento de que tal Presidente nomeará juízes verdadeiramente juízes para a Suprema Corte. Confira -se a primeira nomeação feita pelo atual Presidente: 1) nunca fez concurso algum para a magistratura nem para nenhum cargo de carreira jurídica; 2) foi juiz do TRE/PI por duas vezes nomeado pelo Presidente Lula, representando a classe dos advogados; 3) foi nomeado pela Presidente Dilma Rousseff para o TRF1, representando os advogados pelo quinto constitucional; 4) foi nomeado pelo atual Presidente como a cereja do bolo para o STF. Onde está o mérito? Dá pra entender a diferença com os demais? Trata-se apenas de mais do mesmo, o Presidente fazendo igual esperando obter resultado diferente. O homem é apenas bom de janela e um bom furador. De mansinho, chegou lá, só chaleirando! Porém, está legalmente investido, como todos os demais e de lá só sairá se quiser ou aos 75 anos. Botar, o Presidente pode, mas tirar não pode! Está votando igualzinho ao Lewandowski! Lulistas, ambos, de origem. Daqui a pouco vai ser tachado de traidor, até de corrupto.

Voltemos.

Uma decisão judicial é composta de duas partes principais, sem as quais ela não se aperfeiçoa e não tem força coativa. Uma, que está ao alcance de todos, é o dispositivo, no qual o juiz decide a lide que lhe foi submetida. É nele que o juiz ou tribunal entrega ou nega a prestação que lhe foi pedida. A outra é a fundamentação, que embasa e escora o dispositivo. Entre a fundamentação e o dispositivo há uma relação de causa e efeito. O dispositivo sem a fundamentação, nada vale. A fundamentação sem o dispositivo é vazia de efeitos. Enquanto o dispositivo é a parte da decisão que sofre a crítica das partes do processo e da imprensa, a fundamentação é estritamente jurídica. Nesta, se identificam os fatos e as provas e se ajusta ambos ao Direito. Exige preparo técnico para se concordar ou discordar. Só pode discordar da uma fundamentação quem esteja em condição de apresentar outra que a derrube.
Discordar exige a leitura e compreensão da fundamentação e a capacidade de fundamentar a discordância. Para a decisão ser válida é preciso existir uma perfeita sintonia entre o decidido e sua fundamentação. Sem ler a fundamentação é mera arrogância discordar da decisão.

O juiz julga pelo princípio da livre convicção do juiz apreciando os fatos e as provas. É direito das partes que sejam observadas as garantias fundamentais, em relação ao julgador ou julgadores: legalidade da investidura, a imparcialidade e a fundamentação da decisão. Se o juiz que julgou a causa foi investido na forma da lei, se não incorreu em nenhumas das causas previstas na lei que revelem parcialidade no julgamento e se fundamentou suficientemente a decisão, somente através do recurso competente se pode pretender modificar o teor do julgamento.  Se não houver mais nenhum recurso possivel, a questão está definitivamente resolvida.

Este é o pacto que está na Constituição, o resto é esperneio, que não ajuda em nada.

As noções de certo e errado e justo ou injusto, segundo o que aprendemos na nossa família, não é o objeto imediato da atividade do juiz. O juiz tem como baliza da resolução de conflitos a lei. O direito é ciência de aplicação, mas de aplicação da lei e não da vontade do juiz. Muitas vezes o juiz gostaria de dar uma sentença justa, segundo seu conceito pessoal de justiça. Mas a parte que vai a juízo não vai atrás da formação subjetiva do juiz. Ele vai à juízo pedir justiça segundo a lei, que é a maior garantia que temos para formarmos nossa rede de relacionamentos. Todas as pessoas que vão ao judiciário têm certeza de que estão certas, daí o conflito. A sentença dirá a quem a lei dá guarida. A parte que perde, acha que o juiz é tudo de ruim, ao passo que a que ganha diz acredita que o juiz foi justo. Enfim, os juízes julgam segundo a lei e não com base em princípios subjetivos de justiça.

Se da cabeça dos juízes, apesar das leis, saem essas coisas esquisitas que vemos por aí, imaginem como seriam as sentenças sem uma lei que as limitem e possibilitem os recursos! Sem a lei, os juízes decidiriam como Salomão, mas sem a sabedoria deste.

É fato que a boa magistratura pede socorro. Antes, a consciências dos juízes bastava. Depois, vieram as corregedorias. Depois o CNJ.  Agora é a Polícia que está cobrando vergonha dos juízes. As soluções internas mostraram-se insuficientes para deter o ímpeto criminoso de alguns magistrados. Os maus crescem a cada dia.  Essa profusão de juízes e desembargadores que estão sendo presos, por formação até de organizações criminosas, exigem uma ação política eficiente para deter a indecência dentro da magistratura, mas essa ação exige mudança séria na Constituição e isto é uma atribuição do Congresso Nacional. Pois é, eis o paradoxo!

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