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ORÁCULO

A ilegalidade é voluptuosa, produz frêmitos de prazer.


AS DELICIAS DA ILEGALIDADE

                                                                                                            JOBIS PODOSAN

 

Diga-se desde logo uma verdade todos sabida: a ilegalidade é voluptuosa, produz frêmitos de prazer. No ápice das fontes de prazer imediato destaca-se a corrupção. Ganhar muito para trair o compromisso, faz o servidor público antecipar por alguns momentos o gozo profundo que as coisas do mundo propiciam. A sedução das malas de dinheiro, o depósito de dinheiro em contar em paraísos fiscais, a compra de bens que seria impossível com os ganhos do cargo e outras coisas que encantam os espíritos fracos, fazem com que a compensação do crime justifique os riscos, mesmo se tratando de juízes que, mais que ninguém, sabem que o braço longo da justiça logo os alcaçarão. Mas os juízes também devaneiam e deslizam na mais vã das esperanças: a da impunidade. É sobre isto que falaremos hoje.

Circula na Internet texto extraído de uma fala da boca (in)suspeita de Roberto Jefferson, de teor seguinte “Dos 60 desembargadores do TJ/BA, 50 estão denunciados por venda de sentença... o Tribunal de Justiça da Bahia é um microcosmo do Supremo Tribunal Federal, não muda nada, tal lá, tal cá”.

Tais números seriam resultado de uma delação premiada de uma desembargadora que já está presa e pretende, através da delação premiada obter vantagens que seriam destinadas a criminosos comuns, pois jamais a lei visaria a proteger juízes delinquentes, já, por si só, logicamente impossível, ao menos improvável, numa sociedade organizada, que atribui aos magistrados o dever de dizer o direito com base na lei.

A serem verdadeiras, tais palavras revelam um descalabro tão grande que o direito posto não tem solução alguma para o caso, por impensável que a situação é. Ainda que fosse o inverso  e os dez desonestos fossem a parte podre, ainda assim, seria um grande absurdo, mas poderia ser corrigido pelos mecanismos que o Poder Judiciário hoje dispõe, principalmente o Conselho Nacional de Justiça, sendo certo, porém, que os cinquenta tidos como decentes, teriam também responsabilidade por deixarem vicejar no tribunal esses “bandidos de toga”, já que a qualidade de juízes lhes falta.

Já dizia Piero Calamandrei, que “a qualidade maior do juiz é a honra, se souber um pouco de direito, melhor”. A omissão dos bons é tão ou mais danosa que a ação dos maus, porque estes, destemerosos dos bons, desgraçam a vida de todos, enquanto consomem em grande estilo e sob fanfarras o produto dos seus crimes. Gozam das delícias momentâneas da corrupção e deixam os bons com o gosto amargo do fel na boca, com vergonha até de dizerem quem são nos meios jsociais e se afastarem dos meios acadêmicos, sendo certo que deve ser um horror confessar ser desembargados num tribunal desses, sem que se saiba em que grupo está.

Ao juiz leniente com a aplicação da lei, o que lhe falta não é conhecimento jurídico, aliás, este lhe sobra, pois torcer a lei não é trabalho para amadores, praticar injustiça com argumentos de justiça exige profundo conhecimento técnico. O que falta a esses “magistrados” é a luz da moralidade, o freio da decência, a sisudez da responsabilidade e a tranquilidade de espírito do justo.

Por outro lado, sobra-lhe desamor a si mesmo e à família, o desrespeito aos cidadãos aos quais comprometeu-se a fazer justiça com base na lei.

Porém, a denúncia, tal como foi feita, se verdadeira, coloca o pobre povo desse Estado, nas mãos do desatino e da insensatez,  pois trata-se de septicemia moral, sem cura possível dentro do Direito. Como ir buscar justiça onde se vende sentença e o Direito não tem significado algum? Como saber se esta ou aquela decisão merece algum respeito? E o próprio tribunal, como tem coragem de se reunir todas as semanas para fazer julgamentos perante seus cidadãos? E os juízes decentes, como suportam esse peso nas costas, sabendo de tudo, pois não saber é completamente impossível, a não ser que se trate de dez pessoas absolutamente tolas, pois serão exceção em todos os órgãos julgadores do tribunal, e por estarem presentes em todas as sessões nas quais as vendas se consumam, sendo vencidos em todos os julgamentos nos quais haja negócios contratados ou, pior, votando inocentemente com o Relator.

Quando um juiz é promovido a desembargador em um tribunal desse tipo ele sobe ou desce ao tribunal? Ele é promovido ou rebaixado? Ele ascende ou se precipita na escala axiológica? É caso de alegria ou de tristeza e choro? Ele será incluído na exceção dos dez ou será mais um na regra dos cinquenta? É difícil imaginar que um tribunal de tal jaez promova juízes decentes para integrá-lo.
Quando a corrupção chega aos juízes cessa a força do Direito e inicia o reino do dinheiro. Quando o juiz aceita receber propina, já estão comprometidos o Ministério Público, os advogados e o cidadão que vai ser beneficiário da decisão contrária ao Direito, porque é ele, ou alguém em seu nome, que azeitará com dinheiro ou outros bens conversíveis em dinheiro, as engrenagens da cadeia de crimes.
Por outro lado, é preciso pensar muito e achar ou criar o remédio jurídico para esse mal superlativo.

A degradação do Direito, resultante da corrupção generalizada do aparelho judiciário, deverá dar lugar à legalidade excepcional que permita à União, mediante iniciativa do STF, intervir em qualquer tribunal e dissolvê-lo totalmente ou em parte, quando mais de um quinto dos seus membros estiverem corrompidos, e afastar estes sem direito a nada, alcançando os membros do MP e os advogados envolvidos, além de decretar a anulação de todas as decisões contrárias ao bom direito. é preciso acrescentar dispositivo na Constituição para regular essa nova forma de intervenção.

Finalizando, vejo nuvens negras pairando sobre a população que perdeu a garantia do Direito, pois decaiu a garantia da segurança jurídica, que faz o cidadão esperar do Direito o que a lei lhe prometeu, eis que, quando os juízes vendem a lei, a questão passa a ser de preço.  A segurança jurídica faz o cidadão crer na existência dos tribunais como última cidadela do direito. O povo deve acreditar no direito como o meio por excelência para solucionar os conflitos, crer que ainda há os juízes para corrigir os males da força. Porém, como dizia Rui, não há tribunais que bastem quando o sentimento do dever foge da consciência dos magistrados

É preciso frear as delícias da ilegalidade, tornando as recompensa breve e cara, quando nada para evitar os males da força.


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