- 18 de junho de 2025
O FREIO DA NECESSIDADE
JOBIS PODOSAN
Precisamos de pouco para viver. O desejo de ter de tudo leva as pessoas à sofreguidão do possuir, do ter por ter, para ser diferente, para superar outros gulosos do possuir. Há pessoas - e é bom que elas existam - que têm grande capacidade de empreender e gerar riquezas para além das suas necessidades. Há defeitos, mas também há virtude nesse modo de agir, afinal a riqueza pode ser um bem. Todavia, como não é possível produzir riqueza sozinho, a produção desta é sempre obra coletiva e coletivos hão de ser os frutos, para que possam ser partilhados, como, aliás, as legislações dos países já preveem. O foco deste artigo não é a riqueza proporcionada pelo trabalho, mas a obtida por meio de expedientes criminosos. Trata-se da apropriação indevida de recursos pertencentes aos outros, cuida-se, enfim, de se poupar o indivíduo de acreditar que outras pessoas são responsáveis pela realização das suas metas na vida. Sonhos são de realização pessoal, de responsabilidade exclusiva do sonhador, outras pessoas podem ajudar, mas sempre fazendo a menor parte. Cada pessoa ao se tornar maior, assume sua vida e constrói o seu espelho para nele mirar o responsável pelos próprios atos. Tudo de bom ou de ruim que lhe acontece é responsabilidade sua, é fruto das suas escolhas. Se você quis ser médico e o seu pai discordou e você estudou Direito por influência dele, ainda assim a responsabilidade é exclusivamente sua. Se você, influenciado por amigos ou amores, resolveu experimentar o uso de drogas, ainda assim, a responsabilidade é exclusivamente sua, pois sua foi a decisão de aceitar.
Cada um dos participantes do mensalão, do petrolão e dos muitos escândalos desse sofrido Brasil, tinha muito mais do que precisavam para viver decentemente e, em nome do tudo querer, tudo perderam, ainda que tenham se apropriado, em nome da ganância, de alguns bens materiais, perderam todo resto e esse resto é o verdadeiro tudo. A vergonha não teve força para impedir as condutas criminosas, mas essa mesma vergonha que não parou e ímpeto delitivo, tornou-se ela mesma, uma segunda pele de cada uma dessas pessoas, matou-os em vida, que é a morte mais terrível que existe: tornaram-se zumbis e vagam por aí, ao léu, como se não existissem. Onde andará o neto de Tancredo?
Mesmo entre os jovens, quando o tudo que os pais podem fazer e dar é pouco, é cada vez mais frequente a assunção de culpa pelos pais que, de tanto darem de tudo aos filhos, depois descobrem que eles querem exatamente aquilo que não podem dar.
Quando os apetites por coisas novas, a sofreguidão de conhecer e ter tudo que há no mundo, a corrupção pública se torna uma necessidade criada pelo olho da ambição. É preciso corromper e ser corrompido para alcançar a felicidade, então a honra e a ética se tornam apenas obstáculos. A expectativa do oásis turva a visão do amanhã, que se volta apenas para o agora. São desprezadas as consequências, como se os fatos não dessem ocasião a elas, cedo ou tarde.
As necessidades criadas pela fantasia são como a linha do horizonte, você nunca alcança. Quanto mais perto você pensa que está, mais a linha do horizonte se afasta e você precisa mais e mais, numa busca frenética em direção a coisas que ninguém precisa, exceto na mente do transtornado pelo ter. A técnica utilizada pelos amantes do dinheiro fácil é sempre difundir a ideia de que todos são corruptos, a questão, portanto, não é de caráter, mas de oportunidade. Consideram que os valores nada mais são do que de tentativas dos bobos de colocar freios aos mais espertos.
São considerados perdedores aqueles que não aproveitam as "oportunidades" de ganho fácil e vencedores aqueles que aceitam o jogo da corrupção/c ssão e amealharam bens roubando o público e o privado, embora saibam que um dia a conta chegará e descobrirão como foi ilusória a aparente vitória! E o pior é que não há retorno. Não dá tempo, numa só encarnação, de recuperar a decência perdida. Há coisas que só se podem perder. Gente ávida por dinheiro, deslumbrada com o luxo, sedenta do poder que o dinheiro pode comprar, perde-se de si mesmo para nunca mais se reencontrar. Algumas não se perdem por si mesmas, mas é seduzida por parentes, amores e amigos e mergulham na fossa da desonra com a mesma convicção que o mais empedernido criminoso.
Está circulando na internet a notícia de que tem um Tribunal de Justiça num Estado brasileiro – tomara que seja apenas falsa notícia de Internet - que, de 60 desembargadores que o integram, tem somente 10 deles que são pessoas decentes. Como pode ser isto? Onde está a salvação do povo desse Estado? Como 10 vão consertar 50. 50 consertar 10 já é uma tarefa difícil, mas 10 consertar 50 é tarefa impossível. Não há remédio jurídico que possa dissolver um Tribunal! Os cidadãos podem substituir o Executivo e o Legislativo, mas não podem substituir um Tribunal corrupto. Talvez seja a hora de o constituinte criar o remédio para esse mal supremo. Até porque, com um tribunal assim, a lei passa ser uma quimera, o Ministério Público e a Polícia são inúteis, os advogados viram despachantes, transmudam-se em negociantes e toda a sociedade se transforma em vítima dessa coisa monstruosa. Esses magistrados perderam o freio da necessidade e passaram a ser consumidores desregrados de futilidades, arrastando seus cônjuges, irmãos, filhos, cunhados e até netos, para a vala da miséria, de onde jamais escaparão, porque um nome sujo por dívida é possível limpar, pagando-a, mas a honra enlameada é indelével. No Ceará um desembargador acaba de perder o cargo por formar uma associação criminosa com o próprio filho e advogados, conluiados para vender decisões durante os plantões desse magistrado. Para um caso pontual assim há remédio, mas o que fazer quando quase todo um tribunal está contaminado. Urge alterar a constituição para incluir um mecanismo, talvez um Recall político, possibilitando ao povo dissolver um tribunal desse tipo, através plebiscito. É tão absurda a situação que somente a pena de alguém como Gabriel Garcia Marquez para tirá-la do mundo do fantástico e colocá-la no mundo palpável e real!
Esses juízes estão trocando a certeza de uma vida honrada pelo risco do lucro fácil e uma vida reluzente de prazeres indecentes, querem muito além da satisfação das necessidades, querem as luas de Saturno e o vício do luxo, que solapa todos os vestígios de decência da nossa alma, deixam fora toda a esperança e entram no inferno alegremente, para lá descobrir que o fogo queima. Se tivessem lido Dante Alighieri ou Goethe, talvez pensassem na inexorabilidade das consequências. |
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