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ORÁCULO

Os partidos políticos são da essência da democracia.


COISAS ESTRANHAS

 

JOBIS PODOSAN

 

A Constituição é um conjunto de regras e princípios que serve para regular a vida do país quanto a sua estrutura, organização e funcionamento, garantir os direitos individuais e, hoje, presta-se também para constitucionalizar certas normas que o constituinte entendeu devam gozar dos privilégios das normas constitucionais, mas que poderiam, muito bem, estar na legislação ordinária do país. A Constituição traça não só as normas que são próprias do Direito Constitucional, mas imiscui-se nos outros ramos do direito gerando essa confusão que o país está metido, com o STF julgando sobre todas as matérias jurídicas, chegando um Ministro do STF a dizer que “tirando trazer a pessoa amada em três dias tudo o mais está na constituição, procurando se acha.”

Esse conjunto enorme de normas constitucionais e constitucionalizadas expressamente, dá origem a um outro conjunto de normas que chamamos sistema constitucional e que serve para melhor aplicar a Lei Maior. Tanto as normas expressas como as decorrentes do sistema constitucional deveriam servir de freio para eventuais mudanças na constituição para adaptá-las aos desígnios de indivíduos determinados, como invenção de um terceiro mandato, a possibilidade de permitir a presidentes das casas legislativas pensarem em alterar a carta para disputar um novo mandato que hoje lhes é vedado e outras mil hipóteses que servem tão somente para demonstrar a imaturidade constitucional do país e a tentativa de transformar a constituição numa mera folha de papel, à disposição para embalar qualquer embrulho, mesmo de conteúdo de duvidosa qualidade.

Veja-se este caso de singular estranheza.

A Lei dos Partidos Políticos, quando trata da mudança de partido no artigo 20, estabelece que: perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. E o STF decidiu que a regra vale apenas para quem for eleito pelo sistema proporcional, ou seja, deputados federais, deputados estaduais e vereadores. A lei não precisava dizer isto, aliás causa estranheza que o diga. Se a Constituição estabelece que a filiação partidária é condição de elegibilidade, deixa claro, a não mais poder, que a desfiliação do partido pelo foi eleito, implica perda do mandato, seja qual for o cargo. Pior ainda é a decisão do STF que entendeu que a lei vale mais do que a constituição e disse que a perda do mandato só atinge os cargos eletivos frutos de eleições proporcionais. A justificativa é que o mandato pertence não somente à pessoa eleita, mas também ao partido, uma vez que a ocupação das cadeiras se dá por meio do quociente eleitoral, que leva em conta o total de votos das legendas.

Ora, essa norma que regula a perda do mandato não precisava ser editada, porque está limitando o alcance da Constituição em norma de eficácia plena e, desavisados disto, passamos a interpretar a constituição a partir da lei, o que é vedado, quando a norma constitucional é expressa, bastando interpretá-la. Ora, se é condição de elegibilidade a filiação partidária, não se permitindo a eleição de candidato avulso, decorre do sistema constitucional que, seja lá qual for o motivo, se qualquer candidato eleito, não importando a eleição à qual concorreu, se desfiliar do partido pelo qual foi eleito, caducará o seu mandato eletivo. Se quiser um novo mandato por outro partido terá que disputar novas eleições, observados os requisitos do art. 14, § 3º da Constituição. A ideia de que o mandato é do indivíduo e não do partido, afronta a Constituição, pois se esta não permite a entrada no mandato sem o partido, logicamente está proibida a permanência daquele que saiu do partido pelo qual se elegeu. Ele não perde o mandato, o mandato caduca, porque ele vira avulso num sistema que não permite o que o avulso seja eleito. Não podendo ser eleito sem a intermediação do partido político, logicamente não pode exercer o mandato se se desfiliou do partido que o elegeu.

A prevalência do individual sobre o coletivo chega ao ponto de, mesmo em se tratando de eleições proporcionais, admitirem-se tantas exceções que os partidos perdem a importância que teoricamente têm. Confira-se:

Considera-se que não perde o mandato o parlamentar que apresentar um justo motivo justo para sair, tais como:

a. Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. Ora, se o partido mudou o seu programa o fez dentro das regras do partido e o filiado que foi vencido, se não está mais de acordo com o programa partidário, deve dele sair e deixar lá o mandato o mandato.

b. Grave discriminação política pessoal – essa “justa causa” para além da sua subjetividade, entra no relacionamento interno dos membros e da autonomia dos partidos e torna possível a qualquer um que queira sair do partido provocar a discriminação e depois aproveitar-se da própria torpeza, metendo o judiciário na organização interna do partido. A escolha de se filiar ou se desfiliar de um partido é de cada pessoa, pois ninguém é obrigado a se filiar a partido algum. Se houver discriminação que o filiado saia do partido e procure outro, mas sem o mandato, e busque a indenização civil que couber contra a discriminação.

c. Durante a janela partidária -  essa janela indecente viola a constituição, pois permite o que ela proíbe e torna o mandato uma feira livre. Trata-se se de um período de um mês durante ano de eleições no qual os mandatos ficam à venda a quem pagar mais. Não pode mudar de partido durante três anos, mas no ano da eleição pode ser. É a generalização da indecência.

d.  incorporação ou fusão de partido. Se uma legenda é incorporada a outra, um indivíduo eleito pode pedir a desfiliação e levar consigo o mandato, isto é, foi vencido na decisão partidária, mas pode prejudicar o partido levando o mandato que não é seu para outro partido que não o elegeu.

e. Expulsão do partido – essa é a mais estranha pois o sujeito dá causa para ser expulso e pune o partido que o elegeu com a perda de um parlamentar e beneficia um outro partido que recebe o expulso com mandato e tudo. Não presta para um mas presta para o outro! Esquisito, não?

Os partidos políticos são da essência da democracia e eles, que são o mais, é que deve ser fortalecido e não seus filiados, eu são o menos. É por causa de tais interpretações estranhas que temos mais de trinta partidos no Brasil, formando um mercado de candidatos eleitos sem nenhum ideal a cumprir. À ideia de partidos vincula-se a ideia de maioria legislativa e, não havendo maioria, o governante terá que comprar apoio para governar, pagando com diversas moedas, sendo as mais comuns cargos e dinheiro. Agora, nas eleições de 2020, uma profusão de partidos elegeram um ou dois vereadores. Os prefeitos terão de ou inocular civismo nesses edis ou lhes comprar o consentimento. O que será que os prefeitos farão?

 

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