- 18 de junho de 2025
ENSAIO SOBRE REVOLUÇÕES
JOBIS PODOSAN
Numa série de artigos falamos sobre a possibilidade de as Forças Armadas servirem como Poder Moderador para intervir nos outros poderes com base no art. 142 da Constituição Federal. Leitor atento, Reinaldo Guedes, argutamente, sobre a afirmação de que uma verdadeira constituição nasce legitimamente de uma Revolução deflagrada pelo povo; ilegitimamente, pode nascer de um golpe de estado, por usurpação do poder de uma força suficiente para tal, que pode ao depois, obter consentimento popular, ou com o fechamento do ciclo do golpe, esgotadas as suas forças, como no Brasil, teceu as seguintes considerações: “a pergunta é: na Revolução Francesa o povo teve participação na produção da Constituição? prevaleceu a vontade dos poderosos? Sacrificaram os que da revolta inicial participaram? E os que insistiam em colocar itens dos pobres na Constituição, no final os heróis ficaram vivos para ver a Liberté, Egalité, Fraternité" ("Liberdade, igualdade, fraternidade" em francês) que foi o lema da Revolução Francesa? O slogan sobreviveu à revolução, tornando-se o grito de ativistas em prol da democracia e da derrubada de governos opressores e tiranos de todo tipo. Ao ler verificamos que o processo pós revolução não foi tão fácil assim. Uma Constituição não pode ser feita da noite para o dia satisfazendo só uma classe ou aos poderosos. Enfim, mesmo que tenha uma constituição fruto de uma revolução popular, os poderosos vão tentar fazer prevalecer suas vontades, aí ela deixa de ser legítima”?
Os questionamentos acima nos remetem à teoria das revoluções, que pode ser estudada em obras como a Sociologia Jurídica de A. L. Machado Neto. Porém, prometi-lhe fazer alguns comentários sobre seu texto, não com a intenção de refutá-lo, eis que pertinentes as afirmações e interrogações feitas. Inicialmente, digo que a figura do povo como uma massa que toma decisões, inexiste. Povo, no sentido jurídico é entendido como corpo eleitoral de uma determinada nação, sendo um conjunto inorgânico de pessoas, um conjunto difuso, que pode ser manipulado por líderes que lhe descubra ou inocule um anseio comum e o organize na busca de um determinado fim. Normalmente um líder galvaniza a opinião pública e torna a sua própria opinião na opinião do povo. Isto, aliás é o que acontece com todos os líderes, melhor dizendo: liderar é conduzir os liderados numa determinada direção, cuja imagem no horizonte é definida pelo líder, e os liderados adotam como suas. Essas pessoas são os “poderosos” faladas pelo nosso leitor. Esses poderosos podem ser mencionados ainda como as forças econômicas, religiosas, intelectuais e outras que, concentram o pensamento de uma nação, visando a lhes satisfazer os seus interesses. Quando os líderes russos fizeram a revolução de 1917, estudaram a teoria econômica de Karl Marx, no Volume I, da sua obra O Capital e difundiram a ideia de felicidade com a mudança de titularidade dos meios de produção do país (terra, capital, trabalho, tecnologia e capacidade empresarial) do setor privado para o setor público, tornando a esses meios de produção de todos, comuns a todos, adotando o comunismo, ou coisa de propriedade comum. Vendeu-se a ideia de que todos eram os donos de tudo. Foi o povo analfabeto da Rússia que fez a revolução ou ela foi gestada nas mentes dos líderes e inoculadas na povo?
Já na Revolução Francesa, em pergunta que se tornou emblemática (Qu'est-ce que le tiers état?), o abade francês Emmanuel Joseph Sieyès teorizou sobre o que era a França pré-revolucionária do fim do Séc. XVIII. Respondeu à própria indagação da seguinte forma: o Terceiro Estado é tudo, mas não significa politicamente nada e pretende ser algo.
Imperava na França de então três classes sociais: a nobreza, que nada produzia, o clero, que dominava as mentes do povo e o Terceiro Estado ou o povo, que tudo produzia para manter as duas outras classes e à própria França. Oprimia-se o corpo e o espirito do povo e dessa opressão resultou a sistematização do Liberté, Egalité, Fraternité, já que o povo ansiava por liberdade, igualdade e fraternidade. Diga-se que o abade famoso pertencia às duas classes dominantes e mesmo assim, entendeu haver algo errado na estrutura da sociedade francesa, que precisava ser modificado e sua obra serviu de fundamento para os revolucionários, que desejavam o poder. Vemos aqui também que as ideias revolucionárias não nasceu do povo que como já afirmei é uma massa inorgânica que precisa ser organizada para se tornar uma força.
Na índia, Gandhi dizia que “de uma forma suave, você pode sacudir o mundo” ou “viva mais simplesmente, para que outros possam simplesmente viver” e ele elegeu a não resistência como forma de fazer a revolução que libertou seu país do jugo inglês. Novamente vemos o líder organizando a movimentação popular. A leitura sobre as Revoluções Gloriosas da segunda metade segundo milênio confirmará as teses que venho expondo.
Aqui no Brasil a independência foi um grito, a república foi um gesto, a dita revolução de 30 foi uma desavença sobre a partilha do poder, quando Washington Luís, quebrando a alternância da política Café com Leite, impôs a nome do paulista Júlio Prestes, quando Minas entendia ser a vez do mineiro Antônio Carlos de Andrada, do que aproveitou-se Getúlio Vargas para tomar o poder. Em 1937, a 10 de novembro, Getúlio sacou uma constituição do colete e a impôs ao Brasil derrubando a constituição de 1934, obra de uma Assembleia Nacional Constituinte, dando nosso primeiro Auto-Golpe, fechando o Legislativo e manietando o Judiciário à sua vontade, derrubou seu próprio mandato, que terminaria e 1938 e concedeu-se outro que duração indeterminada, definiu-se como Chefe Supremo da nação, até que foi derrubado em 1945. Em 1964 o nome povo foi também invocado para o golpe de 31 de março fazendo o pais acordar em primeiro de abril, sob um novo governo, sob a égide da força, instaurando o governo militar, que teve seu final em 1985. Não tivemos revoluções no Brasil, jamais o povo foi organizado por um ideário de um líder carismático para alterar o poder e toma-lo sob novas ideias. O dado mais presente nas movimentos políticos brasileiros para a tomada do poder absoluto foram: 1) o fechamento do legislativo; 2) o controle do poder judiciário, este materializado na alteração do número de ministros da corte suprema, cassação de ministros e supressão da apreciação de certos atos do poder executivo, havendo agora a tentativa de desmoralização dos integrantes da cúpula do poder judiciário, minando o poder de decidir dos juízes, que não sabemos onde vai dar; e 3) controle e censura da imprensa que todos adoram na oposição e odeiam quando situação.
Na revolução francesa de 1789, depois de mobilizado pelos líderes, o povo teve participação na Queda da Bastilha, mas os líderes da revolução foram devorados pelos seus ideais, como ocorre em toda revolução, quando a divergência entre os líderes leva ao sacrifício daqueles que discordam dos rumos da dita revolução, que ordinariamente descambam para o arbítrio.
As constituições têm variadas origens, sendo a mais comum a via da Assembleia Nacional Constituinte, na qual representantes eleitos para esse fim elaboram a Carta Magna, mas podem ser outorgadas por quem tenha poder para tal, como a nossa de 1825, outorgada por Pedro I e a de 1937, imposta por Getúlio Vargas.
Em dois livros famosos, pequenos livros gigantescos, estabeleceu-se entre dois alemães, o que a doutrina constitucional chama de quase debate. Trata-se de Ferdinand Lassalle, que proferiu em 16 de abril de 1862 uma conferência que serviu de base para o seu livro A Essência da Constituição e Konrad Hesse que, em 1959, escreveu A Força Normativa da Constituição. O primeiro autor sustenta que uma constituição é uma mera folha de papel, que é escrita pelos detentores dos fatores reais do poder (os poderosos) e que nada vale sem a permanência de controle desses fatores, sendo portanto uma obra de poder e opressão. Já o segundo empresta significado diferente à constituição. Para ele a constituição aplicada ao longo de tempo, formata sua força normativa impondo-se as novas gerações. Neste caso, ao longo do tempo, a constituição atrai o povo, que passa a respeitá-la e a não querer mudá-la, mas preservá-la. Essa discussão permanece atual, valendo a pena ler as duas obras que se encontram disponíveis na internet e nas livrarias.
Afirmo que a constituição é obra do poder e que necessita de limites nela própria para conter esse mesmo poder. Desejar uma nova constituição é o mesmo que desejar um novo começo. A constituição brasileira atual já é a mais longeva da nossa República, sendo superada apenas pela imperial de 1825, que vigeu 65 anos. A constituição precisa envelhecer para ser respeitada. A constituição velha se sacraliza e estabiliza a sociedade. Quando os que nasceram de 1988 para cá estiverem com 80 anos ninguém falará mais em mudar a constituição e, com certeza, seremos um país desenvolvido, superada que será essa figura deletéria do nossa nação: os salvadores da pátria, que tanto tem nos desgraçado. As figuras do poder constituem um conjunto de pessoas que vive brigando pelos obséquios e mesuras do poder enquanto quem verdadeiramente faz o país está nas suas atividades alimentando o povo, construindo o país, ensinando, aprendendo, criando seus filhos, amando as suas mulheres e seus homens e que estão pouco se lixando para quem ocupa os palácios e não plantam uma melancia e nem assentam um tijolo na construção do país. A constituição estável tem a função primordial de conter essa gente sedenta de poder e inúteis, como eram os dois primeiros estados da França de 1789 (a nobreza e o clero). Finalmente, lembro que os ideais da Revolução Francesa de 1789 estão claramente expressos na nossa constituição, quando diz, no art. 3º, I, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre (Liberté), justa (egalité) e solidária (fraternité).