- 18 de junho de 2025
CIDADANIAS II
JOBIS PODOSAN
O VOTO FACULTATIVO
Entre as cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição, insusceptíveis de serem modificadas, está o voto direto, secreto, universal e periódico. Um intérprete desavisado pode acreditar que a universalidade do voto significa sua obrigatoriedade. Ledo engano. O voto universal significa o direito de todos de votar, quanto mais, melhor. Mas, mesmo assim, a Constituição estabelece exceções, como os maiores de 16 e menores de 18 anos e os maiores de 70, cujos votas são facultativos. Universalidade é direito e a obrigatoriedade, como o nome diz, é imposição. Em termos mais simples: todos temos o direito de votar, mas votaremos se quisermos, pois na cabine de votação poderemos não sufragar o nome de nenhum candidato, anulando o voto ou votando em branco. Ninguém deveria ser obrigado a votar e nem mesmo a se inscrever eleitor. Ninguém deveria sofrer consequência alguma por não ter votado em quaisquer eleições. Mas esse tempo vai chegar.
Nos quinze países de maior PIB no mundo, o Brasil é o único no qual é voto e obrigatório. Os países desenvolvidos do mundo estão errados e Brasil é o único que está certo?! Todos queremos uma reforma política. Eu também concordo, mas devemos começar pelo eleitor. Aliás, desde a promulgação da Constituição já fizemos muitas reformas direcionadas aos candidatos, mas eles são, a cada dia, piores, porque o foco está errado. O foco é o eleitor, pois é ele quem escolhe. Em seguida vêm os partidos políticos, que devem sofrer consequências dos erros dos seus filiados. Na verdade há duas eleições: a primeira, as internas do partidos que, nas suas convenções, escolhem os candidatos para apresentar ao eleitorado; a segunda, a do eleitor, que escolhe entre os candidatos escolhidos anteriormente pelos partidos. Assim, os partidos deveriam ser punidos pela má escolha que fez.
Há sempre quem sugira que se órgãos controladores, como o Ministério Público, a Polícia ou o Poder Judiciário forem sérios e a educação for boa todos esses problemas se resolvem. Eu, porém, afirmo que o bom funcionamento desses órgãos e entidades são mais consequência do que causa. Isto porque é a tomada de decisão política sobre tais coisas que as faz funcionar bem. Também existe a questão de que tais órgãos ou entidades se definem como sérios e não há nada que possamos fazer para influir nesse conceito de funcionamento. São tão gerais que a ninguém compete. A questão é a tomada de decisão, que se dá a nível político. Não se pode fazer nada se não se melhora a representação política. A política corrupta corrompe tudo o mais. Ilhas de decência são inócuas ante a escalada dos maus. É preciso mexer na geração dessas pessoas que abandonam qualquer noção moral e agem como se estivessem sozinhos na terra.
É uma caminhada longa, mas, o primeiro passo, sabemos todos qual é: o voto facultativo. Somente 24 países tem voto obrigatório, sendo 13 deles na América Latina. Nenhum país desenvolvido adota o voto obrigatório. Dado este primeiro passo, poderíamos estabelecer os passos seguintes.
Fazer uma reforma de cambulhada resultaria em reforma nenhuma, porque os interesses em jogo cuidariam de confundir para nada mudar.
Outra questão envolvida com o voto obrigatório é a do voto ético e do voto moral. O voto ético é o voto não sujeito a barganhas ou trocas. É poupar-se o eleitor de vender o seu voto ou trocá-lo por ninharias. Esse sentido coloquial, comum, que é por todos entendido, alicerça-se na advertência implícita de que se o candidato quer violar a liberdade de voto, comportar-se-á, se eleito, segundo suas próprias regras morais.
Esse entendimento tem duas vertentes que merecem análise.
A primeira é que o eleitor, apesar de receber a ninharia, não perde a sua liberdade de voto, pois esta lhe é resguardada por outra qualidade do voto, que é o sigilo. Pode receber a dádiva e votar no candidato de sua preferência. Com isto, o ato do candidato será, ao mesmo tempo, liberalidade e punição. Deu, pretendendo corromper. Não corrompeu e perdeu o bem ou dinheiro que doou. Apesar da falha moral que se possa apontar no eleitor que assim age, esta é compensada pela necessidade real que vive a população: minguada dos direitos elementares, a doação, por pequena que seja, lhe amenizará, por um instante talvez, as suas agruras. Por outro lado, representará, para o candidato, perda de recursos e endividamento, que pagará com seu próprio patrimônio, uma vez que ficou afastado dos cofres que pretendia assaltar para ressarcir-se.
A segunda lacuna diz respeito às regras impostas pela natureza atual das campanhas eleitorais. Não importa mais o candidato, suas virtudes, seu passado, seu modo de proceder, alguns são até marginais conhecidos, mas, mesmo assim, são eleitos, mercê dos recursos que dispõem para financiar a campanha. Observe-se que estas duas lacunas são imbricadas uma na outra, todavia, se o eleitor ficar vigilante, pode afastar esse caráter negativo do voto imoral. Pode para isso adotar duas atitudes. A primeira é não receber, sendo esta a preferível do ponto de vista moral; a segunda, como antes se disse, é receber, sem constrangimento, se a sua necessidade pessoal ou de sua família justificar, mas não votar no candidato que ofereceu ou doou, porque ele vai tirar em milhares aquilo que lhe deu em migalhas. É uma legítima defesa às avessas, mas justificada pela necessidade, sendo cada um o árbitro desta.
Mas a expressão voto ético pode e deve ser também considerada do ponto de vista científico. Com isso se ajuda aos seguimentos formadores de opinião se munirem de argumentos para explicar com maior firmeza o alcance da expressão. Em primeiro lugar, distinga-se ética de moral. A moral é o comportamento dos seres humanos numa dada sociedade e num certo tempo. Varia de lugar para lugar, de época para época. Observe-se no que toca ao voto. Quando o voto era descoberto (República Velha, 1891/1930), não havia compra de voto ou oferta de ninharias. Os políticos de então violavam a liberdade do eleitor pela força, na base das armas. A moral de hoje não é a moral de ontem. A moral americana dos EUA difere da brasileira, pois lá grande parcela de eleitores vota pelo correio, aqui estamos ainda bem longe disso. Um comportamento, do ponto de vista moral, é condenável ou aceitável. Assim, no sentido científico, o voto pode estar de acordo com a moral ou contrário a ela. A ética, por sua vez, é a ciência que estuda o comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, a moral é o objeto de estudo da ética. Esta á a teoria, aquela o seu objeto. A ética visa ao estudo dos atos humanos praticados livre e conscientemente. A ética não é transitória, o mundo moral o é. Exemplifico com a cola (o eleitor pode levar à cabina de votação o nome dos seus candidatos escritos em um papel), hoje admitida, enquanto ontem era imoral.
Concluindo, o voto obrigatório impede a reflexão daqueles cujas necessidades vitais os compelem a aceitar a troca do voto por uma telha ou um quilo de arroz. Às vezes a mera promessa compra o voto e a representação política vira isto que está aí. Um punhado de idiotas que, pensando ser espertos, engana gente inocente que não chega a ter noção de que é vítima de esperteza. Todos perdem: os sabidos e os inocentes, mas a perda dos sabidos é maior, a longo prazo, pois carroça vazia, embora faça barulho, não tem nada dentro.