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ORÁCULO
O Presidente resolveu convidar um famoso jurista.

PENSANDO A INTERVENÇÃO I

     JOBIS PODOSAN

"Peço a Deus que não tenhamos problemas nesta semana. Chegamos ao limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão".
Com tal desabafo, o Presidente da República avisou ao país que tomaria doravante providências duras para evitar que os demais Poderes, independentemente do que diz o art. 2º da Constituição, que os considera independentes e harmônicos, invadam competência do chefe do Poder Executivo, já que imagina poder, com base no artigo 142 da Constituição, botar um freio na decisões dos outros dois poderes, que entenda haver invadido a sua seara de competência, com fundamento em um artigo do brilhante prof. Ives Gandra Martins, repercutido por outros juristas, que embalou o sonho do Presidente da República e dos seus seguidores mais ferrenhos, de que as Forças Armadas estariam à disposição do Presidente da República para botar ordem na casa sempre que ele entender que os dois outros poderes expandiram suas competências  e precisam ser chamados às falas. Ao que parece, o Presidente está certo de que tais pensamentos encontram abrigo na Constituição!
Assim, cansado de sofrer “interferências” dos poderes Legislativo e Judiciário nas competências do Poder Executivo, perturbando o bom andamento das atividades que imaginou para o bem do Brasil, o Presidente da República resolveu dar um basta e convocou o Vice Presidente da República, os Ministros da Defesa, da Justiça, e da AGU e os Comandantes das três Forças militares para debaterem a aplicação do disposto no art. 142 da Constituição a fim de restaurar a legalidade da atuação dos três poderes constitucionais previstos no art 2º da Lei Maior, uma vez que, sendo independentes, o Executivo vem sofrendo interferências que estão a perturbar o livre funcionamento do poder que chefia. Abriu a reunião lendo art. 142 da Constituição, de teor seguinte: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Destacou o trecho "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Leu também o artigo interpretativo do jurista Ives Gandra Martins segundo o qual essa redação conferiria às FFAA o poder de dar a última palavra nos casos de conflitos entre os poderes, uma espécie de Poder Moderador, com o fim de evitar a desigualdade de um poder sobre o outro, perturbando a ordem pública. Exposto o problema, foram levantadas tantas dúvidas que o Presidente resolveu convidar o famoso jurista, cujo parecer deu origem à teoria do papel das FFAA como Poder Moderador, a fim de entender como colocar em prática a “previsão” constitucional.
Para facilitar a reunião para deliberação da matéria, mandou colher as dúvidas levantadas na reunião preliminar para que o insigne jurista pudesse sobre elas meditar a responder. Expediu o convite através oficio formal, constando do texto as seguintes indagações;
    1. Está na competência do Presidente de República, no art. 84 da Constituição, o poder de ser decretada por ele a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio e os arts. 34, 136 e 137, respectivamente definem as hipóteses de cabimento, o instrumento legal a ser utilizado, a oitiva dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, a autorização do Congresso Nacional, o prazo de duração, as condições, o comando, os limites, a prestação de contas ao Congresso Nacional, definindo a responsabilidade pelos excessos. Onde, na Constituição, estão esses poderes e limites para o Presidente da República no caso de intervenção nos poderes da república?
    2. Pela redação do art. 142, o Presidente exerce o comando supremo das FFAA, então como agirão os outros poderes no caso de o Presidente da República usar a força contra o Congresso Nacional e/ou ao STF? Pedirão ao próprio Presidente que ordene às FFAA a agir contra o seu Comandante em Chefe, estabelecendo a luta dentro do próprio Poder Executivo?
    3. Quais os atos que os outros dois poderes, que não dispõem de força, podem praticar para dar ensejo à mobilização das FFAA?
    4. Se se tratar de conflito jurídico – por exemplo o Congresso devolver medida provisória publicada e em vigor, alegando sua inconstitucionalidade ou quando um ministro do STF, em decisão liminar, negar posse a um ministro de Estado nomeado pelo Presidente da República usando seu poder discricionário - como as FFAA resolverão esses conflitos? Com base em que conhecimento, já a força neste caso e inútil?
    5. Se a Câmara dos Deputados abrir processo de impeachment contra o Presidente é possível convocar as FFAA para paralisar o processo?
    6. Se isto é possível então os ex-presidentes Collor e Dilma sofreram impeachment porque quiseram, pois poderiam usar a força militar e paralisar o processo. É assim mesmo? O impeachment é uma previsão tola na Constituição?
    7. Se o STF, após autorizado pela Câmara de Deputados, receber denúncia, por exemplo, por obstrução de justiça, nos casos de Fabrício Queiroz e/ou Abraham Weintraub, pode o Presidente da República alegar enfrentamento entre os poderes e usar tropas para resolver o impasse?
    8. Como agirão as FFAA nos casos de convocação para dirimir conflitos entre os poderes? Agirão de modo singular ou sempre em colegiado dos três comandantes? Quem o presidirá? Qual o procedimento a seguir? O Ministro da Defesa, que exerce função civil, embora agora seja um militar, participará, já que não integra as FFAA? Qual a natureza do ato que resolverá um conflito jurídico, será sentença ou acordão ou portaria ou ordem do dia?
    9. Como agirão as FFAA nos casos em que a iniciativa partir dos outros dois poderes, que não têm sobre elas ascendência?
    10. Como executar, segundo a lei, uma decisão tomada pela força, que é apenas um fato?
    11. Presume-se do seu perecer que tendo a Constituição apontado o fim, é possível ao intérprete deduzir os meios. Porém, segundo a mesma Constituição as competências de União e do PR são sempre expressas. Com o podem as FFAA preencher a omissão constitucional? Isto não significa que os meios estão implícitos? Não seria possível a edição de um Ato Institucional que responda a estas indagações, mesmo que os AI não esteja previstos no rol do artigo 59  da Carta Maior?
    12. Podem as FFAA agir sem a ordem presidencial no caso de o poder executivo ser o opressor?
    13. É possível a edição de um ato institucional semelhante ao AI5, para permitir ao PR legislar plenamente e atribuir a função de julgar aos comandantes militares, no caso de fechamento   do STF e o Congresso Nacional?
    14. Unificados os poderes em mãos do PR estaremos num estado democrático de direito? Não estaremos reeditando o Estado Novo (1937/1945)?
    15. O senhor pode apontar um único país do mundo onde as forças militares funcionem como poder moderador, agindo por sobre os poderes?
    16. Há quem diga que o Poder Executivo se distingue dos demais poderes quando o PR atua como Chefe de Estado, mas os arts. 2º e 84 da Constituição não faz qualquer distinção a respeito. A função de chefe de estado se distingue da chefia de governo, autorizando o PR a se sobrepor aos demais poderes?
    17. Sugerem alguns que o PR pode aumentar o número de ministros para 25, por exemplo, e preencher as vagas com aliados seus e assim ter maioria no STF. Isto é viável? Poderia fazer isto sem a participação do Congresso? Onde está previsto na Constituição o poder do PR de emendá-la, por ato seu?
    18. O instrumento legal para aplicação das salvaguardas (intervenção nos Estados, estado de defesa e estado de sítio) expressas na Constituição é o decreto presidencial, mas não há previsão desse decreto na Constituição para a intervenção nos poderes. Se for baixado esse decreto ele não estará inovando na matéria constitucional?
    19. Não estará o PR cometendo os crimes previstos no art 85, incisos II e  VII da Constituição e, portanto, aceitando ser submetido ao processo de impeachment?
    20. Como pode o PR ter uma conduta que é ao mesmo tempo legal, segundo seu parecer, e criminosa, na forma do art. 85 da Constituição?
    21. As FFAA são inertes sem a ordem do PR. Como podem ser ao mesmo tempo subordinadas e subordinantes, invertendo a hierarquia, um valor dos mais altos entre os militares?
    22. Como nenhum ato pode escapar do controle de legalidade do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), como pode o controlador, as FFAA, ser submetidas ao controle do controlado, o STF?
    23. Como restabelecer a vigência da Constituição violada sem anular os atos praticados?
    24. O senhor poderia listar algumas hipóteses que ao seu ver os outros dois poderes poderiam hostilizar um ao outro ou ao Poder Executivo que só possam ser resolvidos pelas FFAA?
    25. Sendo os atos serão ao final nulos, para que praticá-los? 
    26. Enfim Professor, ao exercer esse Poder Moderador, não estaremos todos os que decidirem a respeito, reescrevendo a Constituição, pondo nela o que nela não está?

Espero que V. Exa. possa comparecer, com brevidade, à próxima reunião com as respostas para estas e outras indagações, porque o tema revelou uma complexidade para além do ordinário e somente com muito saber jurídico se poderá entender como é possível violar a constituição a pretexto de cumpri-la.
Continua...

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