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ORACULO

As Forças Armadas são órgãos subordinados, que só atuam mediante ordem e não têm, por isto mesmo, competência para tomar decisões políticas, nem mesmo no caso de guerra.


O PODER MODERADOR


JOBIS PODOSAN


INTRODUÇÃO

​Algumas pessoas estão tentando atribuir às Forças Armadas o poder de arbitrar conflitos entre os Poderes da União, criando, a partir da interpretação extensiva de duas linhas do art. 142 da Constituição, não um quarto poder, mais um primeiro poder que a todos os demais subordina, monstrengo jurídico, como abaixo se verá.

A rigor, este artigo sequer precisaria ser escrito, haja vista que as Forças Armadas são órgãos de segundo escalão do Poder Executivo da União, somente atuando mediante ordem expressa do Presidente da República e não lhes é deferido o exercício de qualquer poder político. As Forças Armadas não fazem escolhas políticas mesmo quando atuam para fazer a guerra.  Sobre a guerra elas nada decidem, apenas a realiza quando o Presidente da República a declara autorizado pelo Congresso Nacional. As Forças Armadas são apenas a força a serviço do Direito e da nação. Aliás, é assim em qualquer parte do mundo e é assim no Brasil, desde sempre. Diga-se ainda, que já passou o tempo dos generais incultos aos quais bastava uma ordem, mesmo absurda, para gerar o cumprimento mais absurdo ainda. Hoje, até mesmo o recruta, deixou de ser bisonho.

E porque essa confusão? Por que alguns estão sustentando que as forças armadas seriam uma espécie de poder moderador, apto a resolver conflitos entre os poderes, quando estes se chocarem?

A Constituição Imperial de 1824 conferia ao Imperador, além do Poder Executivo, o exercício do Poder Moderador, que era considerado a chave de toda organização política o Império.

Repita-se: as Forças Armadas são órgãos subordinados, que só atuam mediante ordem e não têm, por isto mesmo, competência para tomar decisões políticas, nem mesmo no caso de guerra. A decisão de fazer a guerra não é militar, é civil, após esgotadas as vias diplomáticas. As FFAA só entram em ação após a declaração de guerra pelo Presidente da República, depois de ser este autorizado pelo Congresso Nacional. E o STF onde entra neste caso? No controle de legalidade. Imagine-se que o Presidente declare guerra a determinado país antes de ser autorizado pelo Congresso. Este ato do Presidente pode ser declarado nulo pelo STF, se a Corte for provocada a se pronunciar. A competência para declarar a guerra é privativamente do Presidente. Porém essa declaração só pode ser feita depois da autorização do Congresso, salvo se este estiver de recesso, quando Presidente da República a declara ad referendum do Congresso, tão logo este se reúna. E o Congresso pode não referendar? Sim. Neste caso a declaração perde o efeito. Não haverá, no caso, intromissão do Congresso na esfera de competência do Presidente? Absolutamente não. O Presidente exerceu sua competência e o Congresso Nacional a dele. O ato do Congresso é ato de controle da declaração de guerra. Trata-se de ato complexo, que só vale com a atuação positiva de ambos os poderes. Suponha-se que o Congresso autorize previamente o Presidente a declarar a guerra, o Presidente estará obrigado e fazer a declaração? A resposta é não, sem que, com isto, o Presidente afronte o Congresso. É mero exercício de competência constitucional. Se algum dos poderes se sentir ofendido, isto será apenas manifestação de incompetência. O STF poderá ser chamando a intermediar o conflito mediante provocação do ofendido e o decidirá. Saliente-se que depois da decisão do STF nada mais se poderá fazer, porque o STF fala por último.


 A OPINIÃO DO MESTRE

O artigo do Ives Gandra Martins a respeito do tema é um tributo a sua humanidade. Voz respeitada urbi et orbi, o grande jurista deslizou feio na interpretação do art. 142 da Constituição, dando a um órgão subordinado o poder de controle sobre os Poderes da República, numa inversão total dos princípios da hierarquia e disciplina que são os nortes de atuação das Forças Armadas que, aliás, por isto mesmo, só atuam mediante ordem. Não podem moderar a ação dos poderes pelo simples fato de não ser poder. O Poder Moderador, que somente existiu na Constituição Imperial de 1824, e em nenhuma outra parte do mundo, era exercido pelo Imperador, que, nesta hipótese, atuava acima dos poderes normais do Império. Mero ato falho de um grande jurista, revelando sua condição de ser humano, que não alcançou a condição de perfeição, embora se aproxime disto.

Acaso existisse outro poder moderador na Constituição, além do Poder Judiciário, tal poder deveria vir expresso, com identificação do titular, as hipóteses de cabimento e o procedimento a ser adotado e estar embutido no art. 2º da Constituição que menciona apenas os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.


O PODER MODERADOR NA CI

Na nossa primeira Constituição, o exercício desse poder era conferido apenas ao imperador, que tinha o objetivo de “vigiar a Constituição” e “harmonizar” os outros poderes, como pode ser visto na definição que a Constituição Imperial de 1824 fornece em seu artigo 98 e seguintes. Confira-se:

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma.        

Art. 100. Os seus Títulos são "Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brasil" e tem o Tratamento de Majestade Imperial.        

Tem algum sentido ou está previsto na Constituição vigente, alguém com tal definição e poderes?

O Imperador era, na dicção constitucional: 1) chefe supremo da nação; 2) primeiro representante da nação; 3) velava e era o garante da  manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos; 4) sua pessoa era inviolável e sagrada e não respondia perante autoridade alguma; 5) era Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brasil; 6) tinha o tratamento de Majestade Imperial.    

Será que temos alguém assim ou que se pensa assim?

O Imperador estava acima dos poderes ordinários, o que não existe na Constituição atual, até porque estamos numa república, com rotatividade do poder. Hoje o presidente é um e seus seguidores querem dar a ele poderes extraordinários. Porém, amanhã será outro, então os atuais defensores da intervenção serão a ela contrários, porque adversários do novo presidente.  

Interpretação casuística, portanto.  


O POMO DA DISCÓRDIA

A divergência sobre o tema é o art. 142 da Constituição, que está assim redigido:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Os defensores do poder de intervenção do Poder Executivo sobre os demais estribam-se no expressão destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Por que somente do Poder Executivo sobre os demais?  A resposta está no próprio art. 142. As FFAA são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República.  Somente o Presidente da República pode mobilizar as forças armadas. A se entender como Ives Gandra, o Poder Moderador residiria no Presidente da República e não nas FFAA, porque estas não agem sem a ordem presidencial, mesmo que haja iniciativa dos demais poderes. Porém, lá no art. 84 da CF onde constam as competências do Presidente da República, não há qualquer disposição que autorize o Presidente a intervir nos demais poderes ou que coloque o Presidente na mesma situação do imperador, acima citada. Os atos de força previstos na constituição são: art. 84, IX -  decretar o estado de defesa e o estado de sítio;  X -  decretar e executar a intervenção federal.

Os procedimentos para praticar tais atos de força estão previstos no artigos 34, para a intervenção federal nos estados e no DF e 136 e 137 da Constituição para o estado de defesa e o estado de sitio, respectivamente. A União não pode intervir na União. Somente pode intervir nos Estados e no DF e nos Municípios localizados em Território Federal.

Uma questão de ordem prática: o Poder Legislativo, em algumas ocasiões, tem devolvido ao Poder Executivo medidas provisórias adotadas pelo Presidente da República, sem haja qualquer dispositivo na Constituição que permita tal devolução. Suponha-se que o Presidente se ache ofendido pela devolução. Poderá chamar as FFAA para impor ao Congresso a aceitação da MP, com o cerco espalhafatoso do Congresso e tudo mais? E como os comandantes das FFAA decidirão este conflito jurídico? Com base em que autoridade e conhecimento? Podemos pensar em muitas perguntas absurdas. Na verdade, não há conflito algum. O Poder Legislativo não pode devolver medida provisória. Pode votar ou não votar. Votando pode aprovar ou rejeitar. A devolução não produz efeito algum, é como jogar a MP pela janela ou dentro de uma gaveta de esquecimento. Ela continuará vigendo e produzindo efeitos até a esgotamento do prazo de validade, quando, então,  perderá os seus efeitos, mas os já produzidos continuam valendo e serão regulados em decreto legislativo. A devolução é mera presepada do legislativo, sem efeito algum, fruto vaidade de algum tolo do Congresso, pois lá também existem alguns. O Presidente do Senado Federal devolveu ao Presidente da República uma medida provisória que dava ao Ministro da Educação o poder para nomear reitores pro tempore das universidades federais no caso de vacância dos cargos durante a pandemia e durante ela, alegando ser ela inconstitucionalO Presidente do Senado, usando uma redação de dispositivo do Regimento Interno, que não se aplica a atos vigentes, como é o caso da MP, ou  a atos de iniciativa dos outros poderes, praticando ato totalmente nulo e exorbitante. Mas o Presidente da República, aceitando a ilegalidade, revogou a Medida Provisória, que perdeu o efeito, não pelo ato do Presidente do Senado, mas pelo ao do Presidente da República. Depois ele vai legar que houve invasão de competência. A devolução não produz nenhum efeito jurídico, continuando a MP a viger durante o prazo constitucional de validade.


CONCLUSÃO

Os conflitos entre os poderes da União encontram solução na própria Constituição e, se dúvida interpretativa houver, recorre-se ao Poder Judiciário, que decidirá o conflito. Numa sociedade organizada, manifestada a decisão em última instância, todos se curvam ao que foi decidido, concordando ou não com a decisão, senão os conflitos jamais terão fim e possibilitarão a solução de força, que é sempre a pior razão, porque esta deserta onde entra a força. A convergência sempre deve ser voltada para a solução pacifica dos conflitos e não a sua exacerbação. Decisão liminar do Min. Luiz Fux, proferida esta semana, reforça a tese de que não pode o Presidente da República usar as FFAA para intervir à força na decisão dos Poderes da República. Não há conflito entre os Poderes que possa ser dirimido pelas FFAA. A própria Constituição fornece os elementos de pacificação necessários a resolvê-los.

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