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ORÁCULO

Os fãs do Mito fazem de conta que não estão vendo o claudicar da lenda.


O MELHOR OU O PIOR?


JOBIS PODOSAN

Diziam os antigos que in médio virtus. Em vernáculo significa que a virtude está no meio. Lembrei desse provérbio latino em razão das opiniões  que pululam no 
Brasil de hoje, notadamente sobre se Jair Bolsonaro é o melhor ou o pior Presidente da República que o Brasil já teve. Uma primeira consideração diz respeito a ele estar com apenas um ano e meio de governo, o que não permite uma avaliação segura do seu desempenho. Recebeu um país endividado, está executando seu primeiro orçamento e com uma pandemia que  assola o Brasil e o mundo. Por outro lado, vem cedendo nacos de poder ao faminto Centrão, cuja bolsa estomacal nunca enche, quanto mais come mais tem fome. O candidato Jair Bolsonaro prometeu honra intocada.  Até recentemente, nem namoro de calças jeans aceitava. Agora já aceita namorar de chemisier curto, permitindo ao namorado amplas possibilidades de chegar ao mais recôndito esconderijo da honra. Se chegar ao Ministério, na antiga linguagem dos namorados, botou la cabecita. A partir daí o namorado toma o controle das ações e a honra foi para o balacobaco, para o bucho do Central. Na linguagem futebolística do tempo de Garricha: caiu e virou João. Fez o que disse que não iria fazer de jeito nenhum. Embora no Congresso por 28 anos, vendo o Centrão e adjacências atuar, não conseguiu a tão falada governabilidade apenas usando os poderes do Presidente da República, percebeu que, sem maioria no legislativo, o Presidente pode pouco, até porque o Presidente executa. Mas executa o quê? As leis aprovadas pelo Legislativo. Tentou mandar por decreto, tentou mandar por Medidas Provisórias, não conseguiu. Mas as raposas experientes e profissionais, aguardaram na curva, de soslaio, e deixaram o Presidente gozar de enganosa popularidade. O Presidente continua se contorcendo e acreditando que ainda mantêm a virtude virginal, enquanto os sítios próximos à membrana sagrada já sentem o avançar do temido aríete.

Os fãs do Mito fazem de conta que não estão vendo o claudicar da lenda. Por outro lado, os adversários radicais do Mito exageram os pequenos e imprudentes defeitos do Presidente, baseados na sua quase ingenuidade de supor que alguns seguidores fanáticos são a maioria do povo brasileiro.

Os poderes estão em aparente conflito e o Presidente, sua família e mais uns poucos áulicos creem que, se o Presidente for encurralado, ele disporá do remédio que acreditam ser o apanágio liberdade: o estamento militar, doce ilusão.  O Presidente não se destacou nas suas carreiras anteriores, ficando sempre à sombra das virtudes castrenses ou como parlamentar, sendo seus históricos, no particular, mais negativo que positivo, segundo alardeiam certos meios de comunicação.

Quando isto vai parar? Quando o país retornará à coexistência pacífica dos poderes?
Assim como já cedeu ao Legislativo o Presidente reconhecerá, em breve, que o Poder Judiciário não conflita com os demais, ele decide sobre os conflitos. Tome-se o caso do Ramagem para o Ministério da Justiça. Houve algum conflito? O Judiciário indicou a Ministro, substituindo o do Presidente? Não. Disse um ministro do STF, em decisão solitária, que aquele  indicado pelo Presidente , não podia. Ao Presidente cabia colocar outro no lugar ou recorrer ao Plenário do STF para desfazer a decisão monocrática do relator. Ele optou por não recorrer e indicou outra pessoa para o Ministério.  Onde está o conflito? Cada um atuou nas suas competências constitucionais. Nada além disso.

Aligeiradas estas considerações, voltemos à indagação original: Bolsonaro é o melhor ou o pior Presidente que o Brasil teve?

Esta indagação é difícil de responder no Brasil. Diversamente do EUA, onde todos os Presidentes saíram do voto popular, os presidentes brasileiros saem de várias origens, agora mesmo os adeptos mais radicais do Presidente  querem mudar a origem do mandato do Presidente. Ele veio do voto popular, mas está visivelmente tentando dar um golpe em si mesmo. Getúlio Vargas fez isto em 1937 e rasgou a constituição então vigente e editou uma nova, criando o Estado Novo, um simulacro de Estado no qual o Presidente podia tudo. Governou de 1937 a 1945 sem Congresso e com poderes de defenestrar os magistrados da Suprema Corte a seu talante. Aqui um ensinamento da História: quando se tem poder absoluto é preciso matar a muitos para se manter no poder, começa-se pelos inimigos e com o tempo os amigos também são assassinados.

Hoje, quando o STF decide um conflito que lhe foi proposto, tollitur quaestio, o conflito está resolvido. Pode haver esperneio, mas a decisão tem de ser cumprida, pois o Judiciário fala por último. Transitada em julgado a decisão, nada mais há a fazer senão cumprir, mesmo que se trate dos outros dois poderes. Está é a solução constitucional. Montesquieu estudou todos os regimes de governo existentes na sua época e concluiu que a separação de poderes é o único caminho para a liberdade do povo e o equilíbrio de forças  de um Estado. Ninguém é suficientemente bom para ser justo concentrando em suas mãos todos os poderes. Lembrando o inglês Lord Acton: todo poder corrompe, mas o poder absoluto corrompe absolutamente.

Deixando a corrupção entrar, não digo que seja o pior, pois é muito difícil dizermos qual o pior Presidente que já elegemos, tão ruins têm sido as nossas escolhas, mas é preciso deixar o tempo fazer o seu papel e o Presidente, ele mesmo, se colocará no seu lugar, se ao pé da escada ou no seu topo. Ser o pior não é tarefa fácil, pois a lista de ruins é muito extensa. Ser o melhor significa estar na dianteira de uns dois ou três que escaparam à mediocridade. Mas a história não reconhece como melhores àqueles que pensam que são, mas àqueles cujos atos e obras os fizeram diferentes.

Um bom caminho é exercer as suas competências e deixar que os outros poderes cumpram as suas, sem ameaças ou devaneios, e parar de compartilhar o governo com familiares, pois o cargo de Presidente da República e unipessoal e não familiar. Ficar dando muxoxo cansa e demonstra incapacidade de governar.

Outra boa medida é conversar com os filhos e convencê-los de que o pai tem muito menos autoridade que eles pensam que tem. Todos os cinco presidentes do regime militar tinham filhos, dos quais o país jamais ouviu falar como assessores dos respectivos pais.

Não estabelecendo a paz para governar, o Presidente “irá para o lixo da história".

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