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ORACULO
Toda Constituição é lacunosa.

APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS (I)

JOBIS PODOSAN


EFICÁCIA SOCIAL OU DA OBEDIÊNCIA VOLUNTÁRIA À LEI

Imbricada com a questão da estabilidade que caracteriza as normas constitucionais rígidas e formais, está a eficácia. Interessa ao todo social que as leis vigentes sejam aquelas desejadas, que repercutam positivamente e gerem obediência voluntária.

Sem aprofundamento — porque é tema secundário neste trabalho, que tem natureza jurídica e não sociológica —, mas com a necessária sobriedade, trataremos neste item da eficácia social, como sendo o entrelaçar do propósito da lei com o da sociedade.

Desde logo, porém, é preciso uma palavra sobre a natureza das normas constitucionais. Toda Constituição é lacunosa. Tome-se um edifício em construção que esteja com toda a sua estrutura ainda nua, sem as paredes e sem o detalhamento: eis uma Constituição. CANOTILHO distingue em dois tipos as lacunas constitucionais: (1) lacunas ao nível de normas, quando um determinado preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação a fim de poder ser aplicado; (2) lacunas de regulamentaçãoquando não se trata de incompletude da norma, mas de uma determinada regulamentação em conjunto.

Aqui nos interessam as lacunas ao nível de normas nas quais está o terreno em que vicejam as leis complementares. O constituinte deixou a lacuna e previu o modo e por quem seriam preenchidas. Tome-se, como exemplo, o art. 153 da Constituição Brasileira:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
 I - importação de produtos estrangeiros;
 II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
 III - renda e proventos de qualquer natureza;
 IV - produtos industrializados;
 V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
 VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Pela regra expressa no art. 150, I, a Constituição reserva à lei a criação de tributos. Observe-se que os tributos aí enunciados não podem ser cobrados se a lei não os instituir. Não basta a previsão constitucional. Para cada um dos impostos previstos, a lei deverá fazer o detalhamento que possibilite a cobrança da imposição tributária. Veja-se ainda que só no inciso VII a Constituição fez referência à lei complementar. O que isto significa?

Significa que os tributos previstos nos seis primeiros incisos devem ser instituídos pela lei ordinária. Mas o previsto no inciso VII só por lei complementar poderá sê-lo. Qual terá sido a razão que levou o constituinte a assim proceder? Por que o imposto destinado exclusivamente aos ricos deve ser instituído por lei complementar? Razão jurídica não há. Razão moral não há. Terá sido para obstar a edição da norma instituidora da imposição? Adiante teremos resposta para tais indagações. Voltando ao art. 153, poder-se-á, ainda, dizer que o constituinte deixou a lacuna ao nível de normas e designou quem deveria preenchê-las: o legislador ordinário, no caso dos incisos I a VI, e o legislador complementar no caso do inciso VII.

Por ser naturalmente lacunosa, a eficácia social da Constituição encontra sério óbice quando o legislador não age segundo lhe compete, preenchendo as lacunas, concretizando a norma constitucional.

A eficácia social distingue-se da eficácia jurídica, que será tratada em seguida.  Ensina  KELSEN que “como a vigência da norma pertence à ordem do dever-ser e não à ordem do ser, deve também distinguir-se a vigência da norma de sua eficácia, isto é, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos.

As normas constitucionais, por sua natureza mesma, fogem ao modelo clássico de norma jurídica. Algumas delas não regulam as matérias de que cuidam, mas as remetem à legislação infraconstitucional, que esmiuçará o conteúdo, delineando-lhe os contornos que permitirão a execução da vontade constitucional. Veja-se que, nesta hipótese, a vontade constitucional é apenas esboçada. A vontade do legislador se agregará à do constituinte para integrar a vontade da Constituição.

Dizer, portanto, que uma norma é vigente não significa dizer que ela tenha efetividade, que realmente seja aplicada e respeitada.

EFICÁCIA JURÍDICA OU DA QUALIDADE DA LEI PARA PRODUZIR OS EFEITOS QUE SÃO PRÓPRIOS

A eficácia, do ponto vista jurídico, confunde-se com a vigência, pertencendo ao mundo do dever-ser. É entendida como “o poder que tem as normas e os atos jurídicos para a conseqüente produção de seus efeitos jurídicos próprios.”

A ineficácia social, ou não efetividade da norma, não lhe retira a vigência, que vem a ser a eficácia do ponto vista jurídico. A ineficácia social revela-se pelo desuso, pelo apelo freqüente ao aparelho coativo do Estado; de outras vezes, resultará da difícil concretização de uma norma que contrarie interesses particulares poderosos, influentes sobre o aparelho estatal, submetendo os órgãos do Estado ao seu arbítrio.

Toda e qualquer norma jurídica vigente é dotada de eficácia jurídica. Com isso fica desde já afastada a idéia de que a Constituição contenha normas sem força jurídica. A questão, como se verá, não é de ausência, mas de intensidade dessa força. Um exemplo ajudará a esclarecer esse ponto. Tomemos o art. 7º, I, da Constituição, que diz:


Art. 7º- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
 I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.


A lei complementar prevista no inciso I ainda não foi editada, com o que não existe ainda a proteção nela prevista. A força normativa do dispositivo em questão, porém, opera como força de frenagem, impedindo legislação em sentido contrário. Será inconstitucional a lei que afaste a indenização prevista na constituição para os casos que ela menciona. A indenização não pode ainda ser exigida porque a lacuna constitucional ainda não foi preenchida pela lei complementar. No entanto, não existe um vazio normativo total, a Constituição proibiu o repto do legislador ordinário. A proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, a possibilidade de indenização e outros direitos, são linhas gerais apontadas pelo legislador que não podem ser afastadas pelo legislador ordinário.

Continua...



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