- 18 de junho de 2025
Decidir é a mais difícil de todas as atividades humanas, porque sobre quem decide recaem as consequências da decisão. Decidir só é fácil quando a responsabilidade é dos outros. Aí decidimos tudo! Republico este artigo que conta um caso interessante sobre a arte de decidir.
Certo Governador eleito recomendou ao Comandante do Corpo Bombeiros que elaborasse um plano para ser executado nos seus primeiros cem dias de governo, que pretendia ser de grandes realizações, conforme prometera em sua campanha vitoriosa.
A Comissão de Modernização, criada pelo Comandante e sob a inspiração deste, montou o melhor Corpo de Bombeiros que a tecnologia de então permitia. Seria a Corpo de Bombeiros dos sonhos, algo nunca visto no Brasil, um Corpo de Bombeiros de 1º mundo, como hoje se diz. Instalações, veículos, equipamentos, preparação de pessoal, educação do povo, reorganização hidráulica da cidade para adaptá-la ao novo Corpo de Bombeiros, tudo fora meticulosamente esquadrinhado e as soluções propostas adequavam-se aos problemas potenciais da cidade.
A Comissão, apesar de haver vozes internas discordantes, buscou o ideal, sob o argumento de que, numa oportunidade daquela, nunca antes aparecida, se deveria buscar o melhor.
Apresentado o plano, o governador eleito o examinou, admirou-lhe a pretensão, mas não demonstrou entusiasmo quanto à execução.
— Comandante, perguntou o Governador com voz pausada, quantas pessoas morreram nesta cidade, nos últimos cem anos, em razão de incêndios de grandes proporções, que o Corpo de Bombeiros não tenha tido condições de controlar?
— Governador, não tenho informações de mortes nesse período em razão de incêndios.
— O senhor sabe, Comandante, quantas pessoas morrem ou adoecem gravemente nesta cidade por problemas de saneamento básico, vítimas, por exemplo, de esgoto a céu aberto?
— Não senhor.
— Pois são milhares e milhares a cada ano. Por isto, Comandante, cabe ao governo estabelecer quais as necessidades que serão atendidas primeiro, ante a escassez de recursos que é peculiar a qualquer atividade, especialmente ao Estado. O senhor fez um bom trabalho, excelente mesmo, e sob justificativas ponderáveis, mas dividindo o custo por cem ainda será demasiado. O trabalho que o senhor realizou será uma referência para o futuro e, talvez, implantado aos poucos, o senhor colha a recompensa que eu agora não lhe posso dar. Os governos não trabalham no plano do ideal, mas do real. Claro que isto não impede os sonhos, eu mesmo sou um sonhador incorrigível, gosto de projetos e metas quixotescas, mas no plano do governo e com tantos problemas reais temos de fazer opções que tornem possível atender, ainda que parcialmente a todos os setores nos quais as necessidades do povo estão presentes. Peço-lhe que reduza a ação prevista no plano a um patamar realizável e me volte.
— Mas Governador, tentou objetar o Comandante, sempre é possível acontecer um grande incêndio.
— Não nego que seja – redargüiu o Governador. Porém, como o senhor sabe, há, no mundo dos fatos, problemas que estão acontecendo, há problemas que são prováveis de acontecer, há problemas que são possíveis de acontecer e há problemas que são impossíveis de acontecer. Estamos, portanto, diante problemas reais, prováveis, possíveis e impossíveis. O governante deve resolver primeiros os reais, depois os prováveis, depois os possíveis e nunca os impossíveis, pois o que é impossível nem problema é. No campo do impossível não há nem problema e nem solução. Um problema só é realmente um problema enquanto tem solução, quando não tem, o próprio problema desaparece. O seu problema, Comandante, pode ser isolado, o do Governo não. O seu problema é parcial, o meu é total. Se o governo realizar esse plano que o senhor me apresentou, não fará mais nada. O senhor terá sido bem sucedido e o governo terá fracassado. Mas pergunto-lhe: é possível a vitória da parte com a derrota do todo? É possível dizer-se que uma guerra foi ganha porque se ganhou uma batalha? Uma vitória do todo, no governo, consiste na realização de pequenas vitórias em todos os setores e não em resolver um único problema deixando os demais se agravarem. E ainda: é freqüente o número de incêndios grandes na cidade? Em função das estatísticas que dispomos é provável que passem a ser? Para todas essas perguntas a resposta é não. Mas será sim, como o senhor salientou, dentro da teoria das possibilidades. Todavia, o esgoto a céu aberto está bem ali na esquina. As pessoas estão morrendo e adoecendo, a despesa da saúde aumentando, a rede de hospitais não dando a assistência devida e a população reclamando. Sei, Comandante, que o senhor pode apresentar muitas objeções, mas entre o possível e o real, o administrador deve optar pela realidade, vamos melhorar o Corpo de Bombeiros, mas não vamos torná-lo o melhor do mundo, porque isto, agora, é impossível.
Dois grandes homens: ambos sonhadores, ambos grandes homens, ambos notáveis em suas carreiras, ambos com razão.
E o melhor: continuam sonhadores.