- 03 de julho de 2025
ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL
Capitulo I
JOBIS PODOSAN
DA IMANÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO
As constituições sempre existiram e sempre existirão. Ela existe sempre ao lado do Estado, seja o Estado Antigo, a Cidade-Estado, o Estado Medieval ou o Estado Moderno, seja qual for a forma de organização política, haverá sempre a necessidade de se estabelecer, através de uma constituição quais os fundamentos, os princípios, as regras de aquisição e transmissão do poder, o modo de exercê-lo, os limites, as atribuições, as garantias do cidadão. A constituição é uma necessidade vital para a convivência entre os homens. Já aqui, neste tópico inicial, faço uma advertência que irá permear toda a obra. O Direito Constitucional não pode ser estudado como uma disciplina somente informativa. Ele tem de ser entendido como um produto conjuntural. Ele integra a nossa vida diária, ele é fundamental para a nossa existência, tanto como indivíduos quanto como coletividade. Ele é uma crença. Quando a constituição periclita, a sociedade balança e pode desmoronar. A constituição, objeto de estudo do Direito Constitucional, é uma carta de princípios, tão importante para a sociedade política, quanto para a família, ou para a sociedade civil, instituições que serão tratadas pelo prisma racional e filosófico de HEGEL. A dificuldade de visualizar a constituição em alguns momentos da história decorre da ideia de instrumento que temos hoje. Quando Aristóteles, no seu livro A Política, fala em constituição, está a referir a leis que são diferentes das demais, não no processo formativo, mas na matéria que trata, nos princípios que traduz, no valor para a coletividade. Hoje, quando falamos em constituição pensamos num instrumento escrito no qual o constituinte escreveu as regras fundamentais de determinado país. Há, aqui, referência a dois conceitos fundamentais que serão esmiuçados ao longo dos nossos estudos: os conceitos de constituição formal e constituição material. Cuidaremos dos dois com atenção, embora garanta que encarecerei mais a ideia de constituição material. A nossa Constituição, porque recente, é apenas uma pretensão de ser uma constituição. Quando ela entrar nos nossos espíritos e na nossa prática devota, ela se confundirá com a Constituição material e serão uma só, de todos conhecida e por todos respeitada e os aventureiros perderão a vez. Poderá haver mudanças na constituição, mas, nunca mais, mudança de constituição. Se houver nova mudança de constituição, o processo civilizatório reiniciará.
MODOS DE ENTENDER A CONSTITUIÇÃO
Vejamos abaixo alguns exemplos que podem, desde esse introito, chamar a atenção do estudante sobre a distinção entre esses dois modos de entender a constituição.
Desde a nossa Independência tivemos vários períodos de vazio de constituição formal: 1) de 15 de novembro de 1889 até 24 de fevereiro 1891 vigeu, como constituição, o Decreto nº. 1, de 15 de novembro de 1889, que declarou a Proclamação da República e pelo Decreto nº. 510, de 22 de junho de 1890, que publicou o Projeto de constituição a ser submetido ao Congresso Nacional, mas que já vigorava provisoriamente em algumas de suas partes; 2) entre 1930 e 1934 tivemos outro vazio de constituição. A Revolução de 30 revogou a constituição de 1891, publicou o costumeiro Decreto nº. 1 e quatro anos se passaram até que outra constituição formal fosse promulgada. Nesse período a vontade de um homem era a constituição visível; 3) podemos ainda destacar outro período curioso da História constitucional do nosso país, ainda não suficientemente estudado, entre 1964, precisamente entre 09 de abril desse ano e 1º de janeiro de 1979. Com a edição do Ato Institucional (AI) nº. 01 (numeração que adquiriu depois, com a edição de outros AI) juridicamente foi revogada a Constituição de 1946, uma vez que o fundamento de validade da Constituição passou a ser o referido ato, que a superava em “força normativa”, absurdo jurídico que só o argumento da força bruta explica. Curiosamente, repito, os atos que revogaram as Constituições de 1946 e 1967, foram revogados pela Emenda Constitucional n° 11, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1979. Demonstrarei, no lugar oportuno, que enquanto vigeram os Atos Institucionais e Complementares, não tivemos no Brasil constituição formal. Nesses períodos de vazio constitucional podemos dizer que o Brasil não tinha Constituição? A resposta é não. A falta de constituição formal não significa falta de constituição. Nesse período vigorou a constituição material: as instituições continuaram a existir, a autoridade continuou a funcionar, as regras de poder eram estabelecidas em diplomas legais, ditatoriais ou não, continuaram se impondo os fatores reais do poder dos falamos no artigo anterior e que adiante trataremos. Podemos adiantar que a constituição material é sempre uma realidade, às vezes doce, as mais das vezes, amarga, enquanto que a constituição formal é uma pretensão de constituição. Se ela se encontrar com a constituição material, teremos um país com instituições sólidas e caminhando celeremente para o desenvolvimento. Se houver desencontro, não há país que resista. Pululam os demagogos e salvadores. As constituições formais se sucedem e sucumbem perante brisas, escândalos suportáveis. Ela leva à ideia de que uma nova constituição pode resolver as crises. A lição histórica nos mostra que quanto mais constituições formais têm um país, menos constituição real esse pais tem. Constituições são boas quando são velhas, quando ultrapassam várias gerações e ninguém mais quer tocá-la, mudá-la, vilipendiá-la. O tempo esfria as paixões da época da sua elaboração e ninguém mais ousa tocá-la. Tende a tornar-se virgem com o passar do tempo. Uma velha respeitável, uma veneranda senhora. Com os anos a constituição material funde-se à constituição formal, como ocorre hoje nos EUA e está começando a acontecer na Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal e outros países nos quais a constituição vai deixando de parecer um decreto que todos querem mudar.
Sempre haverá uma constituição, ao menos a material, seja em que país for. Daí a sua imanência.