- 03 de julho de 2025
O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO?
JOBIS PODOSAN
A pergunta acima está embutida no quase debate que se estabeleceu entre dois alemães notáveis que escreveram dois pequenos livros, com uma diferença de quase 100 anos entre eles. FERDINAND LASSALLE escreveu o opúsculo A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO, publicado em 1862 e KONRAD HESSE escreve o dele em 1959, denominado A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO.
Segundo LASSALLE, a constituição seria um mero pedaço de papel, resultante do que chamou "fatores reais do poder". Esses fatores reais do poder seriam as forças que atuaram no momento da elaboração da constituição, tais como os banqueiros, os industriais, as forças armadas, o grande capital, o clero, os latifundiários, enfim o conjunto de poderosos que escreveram o que era do seu interesse. Convenha-se que LASSALE escreveu nos albores do constitucionalismo, não havendo, portanto, experiência constitucional sedimentada.
KONRAD HESSE publicou o seu livro em 1959, quando todos os países ocidentais, exceto a Inglaterra, já tinham constituições escritas. Segundo esse autor a constituição seria a tentativa de escrever as regras fundamentais já existentes dentro da sociedade num documento escrito e a imposição de outras normas fundamentais decorrentes da razão humana.
A tese de LASSALE é defendida por simpatizantes em momentos de crise, de forte descrença nos governantes e no Estado. Já a de Hesse tem defensores entre os que acreditam serem os homens racionais, com capacidade de resolver cada crise através da gestão adequada, até porque os fatores reais se alteram no tempo, não sendo possível mudar de constituição para cada alteração dessas forças. A prova cabal está nos EUA que foi o primeiro país a adotar uma constituição escrita em 1787 que, até hoje, regula a sociedade americana, apesar das extraordinárias modificações ocorridas de lá para cá.
A partir da próxima semana publicarei artigos visando a levar um conhecimento mínimo do que é constituição, como se a elabora, como se a modifica, como se a respeita e qual o papel dela dentro da sociedade que rege.
Vivemos momentos turbulentos, principalmente na economia, com fortes reflexos na área social. Já promovemos nesse curto período de 30 anos de vida da nossa constituição mais de 100 alterações, contadas as emendas comuns e as emenda da revisão constitucional que foi feita cinco anos após a promulgação da Carta em 05 de outubro de 1988.
Porém, se antes a constituição era objeto de estudo de constitucionalistas e juristas em geral, hoje, com o fenômeno das redes sociais a constituição, embora pouco não lida, é interpretada por pelas redes, todos achando que têm a melhor interpretação a ser dada a esse importante documento.
A constituição contém regras e princípios, sendo estes últimos mais amplos, como por exemplo, o principio da ampla defesa. A este respeito, o STF reconheceu, baseado no princípio da ampla defesa, que os réus delatados têm direito de se manifestar em alegações finais após os réus delatores, pois este, em verdade assemelha-se a assistente da acusação. O delator tem interesse em que o delatado sofra a maior pena possível. Por isto o delatado sofre redução do seu direito de defesa se falar ao mesmo tempo que o delator. Diz-se que não há nenhuma lei que diga isto, mas a lei diz que a acusação fala antes da defesa. Ora, se o delator fornece elementos para a acusação, assemelha-se a ela, por força do principio da ampla defesa.
Pois bem. As redes sociais bradaram sobre ser o STF uma vergonha nacional por haver assim entendido. Eu não atino o porquê ou de onde as pessoas extraíram o argumento da crítica. A única razão que parece possível é o direito de crítica pela crítica, sem base em conhecimentos algum. Os ministros que votaram contra a tese vitoriosa basearam-se na ausência de previsão legal ou na ausência de demonstração de prejuízo para a defesa. Os dois motivos são inconsistentes. Primeiro porque a lei existe quando interpretada em relação ao princípio maior, que a ampla defesa. Segundo porque o prejuízo aí é presumido. Enfim, as decisões do STF estão sendo contestadas ao sabor das paixões, talvez porque alguns ministros estejam agindo apaixonadamente. Esclareça-se ainda que processos anulados pelo motivo aqui discutido voltam para a fase de alegações finais e se julga novamente, ninguém sendo absolvido, obedeceu-se ao principio da supremacia da constituição.
O objetivo das publicações que virão a respeito da Constituição e do Direito Constitucional visam a lançar alguma luz, em linguagem acessível, ao que seja uma Constituição.
Vamos conhecer um pouco para melhor discutir e criticar.