- 03 de julho de 2025
TUDO É POSSÍVEL
JOBIS PODOSAN
A lei é uma abstração criada pelo homem para regular a conduta de todos dentro da sociedade, proporcionando regras que se presumem do conhecimento de todos, para que cada um conheça os seus limites, lute pela sua defesa e, ao mesmo tempo, respeite os limites dos outros. Na verdade, a lei é uma tentativa de materializar, na forma escrita, os costumes vigentes dentro de uma sociedade. Assim, a consciência da obrigatoriedade da lei nasce em primeiro lugar dos costumes. Quando se tenta, pela lei, modificar costumes aceitos dentro da sociedade a lei tende a fracassar, mesmo que vigente por longo tempo. Quando se edita uma lei contrária aos costumes aceitos pela maioria se diz na linguagem comum que ela não “pega”, não se aplica e, se aplicada, parecerá injusta, pois está punindo uma pessoa pelo que as outras todas fazem sem que haja censura pela conduta. É errada, aos olhos do grupo, a lei que pune um dos seus membros por uma conduta que todos praticam.
Os costumes são regras de conduta que, embora não escritas como as leis, tornam-se obrigatórias a partir da repetição na vida social. Não é difícil entender o que seja costume. Não é preciso vasta cultura, ou mesmo alguma cultura, para entendê-los uma vez que eles são aprendidos na infância e são frutos das primeiras lições oferecidas pelos pais, que as receberam dos seus pais e avós, independentemente do grau de cultura. São normas mínimas de convivência. Observados por todos, há paz.
Descumpridos por alguns, há punição. Descumpridos por todos, ou pela maioria, instala-se a anarquia e é preciso estabelecer novos costumes. A cultura romana nos legou três regras que resumem tudo: 1) viver honestamente (Honeste Vivere); 2) não ofender a ninguém (Alterum Non Laedere); 3) dar a cada um o que lhe pertence (Suum Cuique Tribuere). Desses enunciados simples saem as regras do cotidiano que todos podem aprender. Não roubar, não matar, respeitar todos os outros, aceitar as regras legais e de convivência, respeitar os pais, professores e pessoas mais velhas, evitar a sujeira pessoal, domiciliar e ambiental, ajudar o próximo, esforçar-se por ser útil, não se embriagar em público, não falar em voz alta, não se irritar com as falhas alheias, não tocar nas pessoas enquanto as cumprimenta, não fazer em público coisas ou necessidades que devem ser feitas em ambiente privado, ter uma crença a professar ou não ter crença nenhuma, mas respeitar quem as tenha, não agir como canalha sob a justificativa de que todos podem fazer, não acreditar que tudo é possível, eliminando os limites da convivência, pois, no momento que eu acredita que tudo é possível, estou admitindo que tudo me é possível, estando a diferença apenas na situação que cada um se encontra. Enfim, agir em qualquer situação dando aos outros o tratamento que você acha adequado para sua mãe, que vem a ser o símbolo maior de civilidade que a natureza nos legou. O respeito à mãe nos faz compreender o respeito que todas as pessoas merecem. A mãe representa o costume vivo, sendo raro o filho que não respeita a mãe e, quando aparece um, torna-se um pária social, por todos repudiado.
Certa vez, estando eu com 29 anos, fui sondado para ser prefeito da minha terra. Não aceitei, pois teria que abrir mão da minha profissão, perderia o cargo público que exercia, sem direito a retornar após o exercício do mandato, caso fosse eleito. Um amigo me chamou de bobo, asseverando, com convicção para mim inusitada, que eu não teria oportunidade igual de “me fazer” na vida, era só aceitar e aplicar a “lei do terço”. Ante a minha estranheza explicou-me a tal lei: todo dinheiro que entrar na prefeitura você divide em três partes, “uma para o povo, uma para seus auxiliares e outra para você e todo mundo fica feliz”. Ele era daqueles que acreditavam que tudo era possível. Afastei-me dele e poucos anos depois ele e sua sabedoria morreram, descontente com certo prefeito que acusava de ser ladrão!
Outro caso.
Certa vez uma mulher acusou o Senhor Dermeval lhe ter feito propostas indecentes. O marido a olhou nos olhos e disse: de fato, acredito que alguém lhe deve ter feito propostas indecentes, porém não foi o senhor Dermeval, você acertou na acusação e errou no acusado. O Senhor Dermeval é um homem de bem e jamais poderia acreditar que tenha feito a alguém este tipo de proposta. Não vou sequer abordá-lo sobre isto, porque isto me envergonharia muito. Na verdade, descobriu-se depois, que o fato se deu com um tal de Francisquinho, sujeito galante e galanteador, que assediara a dita cuja, com consentimento dela. A acusação ao Senhor Dermeval era uma forma de desviar a atenção do marido. Quer dizer: esse marido acreditava que nem tudo era possível.
Quem acredita que tudo é possível é capaz de fazer qualquer coisa. É da lógica do pensamento. Ao acreditar que ninguém possui virtude, estou me incluindo na assertiva. Essa pessoa não tem freios que a impeçam de fazer o que acredita que todos são capazes. Quem joga sujo se enfraquece moralmente na mesma proporção que faz crescer moralmente a sua vítima. A vantagem que aparece no início da ação, e que motiva o propósito deletério do agente, tende a desaparecer com o tempo e o feitiço vira contra o feiticeiro.
Não se pode atribuir somente aos aparelhos repressivos a incumbência de curar os males morais de um povo inteiro, até porque esses aparelhos são compostos de pessoas que estão dentro dessa mesma sociedade e sujeitos, portanto, a se infectarem da doença que pretendem combater. O remédio está na conduta de cada cidadão e isto só se estabelece através de costumes sadios que convertam a maioria ao credo da decência, pessoas para as quais a Polícia, o Ministério Público e a Justiça, sejam peças para eles inúteis, ou ao menos, desnecessárias. Estas são organizações foram concebidas para os desviados dos costumes, pessoas que optem pela desonra, para fazê-las retomar o caminho reto.
Não é preciso incendiar Roma ou clamar por um novo dilúvio ou arrasar as cidades de modo a que quem se voltar para ela vire estátua de sal e pereça.
Basta aceitar que tudo tem limite e um bom começo é acreditar que o outro está agindo de boa-fé e agir de boa-fé com os outros.
Jamais use expressões como “todos são farinha do mesmo saco”, ”todo político é ladrão” “homem/mulher não presta” pois, se assim for, você também está abrangido pela sua regra. E, assim, ninguém precisa ter qualquer obrigação de lealdade e consideração por você, pois você está atraindo isto. Quando ninguém presta, ninguém presta. Quando tudo é possível, nada é impossível.
Nem a convivência pacífica.