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Edersen Lima

A FUNDAÇÃO DO BRASIL


A FUNDAÇÃO DO BRASIL

JOBIS PODOSAN

 

Antes da Fundação do Brasil, em 1º de janeiro de 2003, nosso país já tinha tido, depois da Independência, dois Imperadores, e muitos Presidentes. Na República Velha (1889 a 1930), foram 13, sendo três militares (Marechais Deodoro, Floriano e Hermes da Fonseca) e 10 advogados (Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes e Washington Luís). Na Chamada Era Vargas (1930 a 1954), foram dois presidentes (Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra, este governando de 1946 a 1950), sem contar José Linhares que, na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal, governou o Brasil entre a deposição de Vargas em 1945 até a eleição de Dutra em 1946. Após o suicídio de Getúlio, em 24 de agosto de 1954, assumem respectivamente a presidência Café Filho (vice-presidente), Carlos Luz (presidente da Câmara dos Deputados) e Nereu Ramos (presidente do Senado). De 1955 a 1964, governaram o País Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart. De 1964 a 1985, tivemos os cinco generais da chamada Ditadura Militar: Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo, com um triunvirato de permeio (depois da morte de Costa e Silva os Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, deram um golpe no golpe, afastaram Presidente Pedro Aleixo (com a morte de Costa e Silva, Pedro Aleixo, que era o Vice, tornou-se automaticamente Presidente), assumiram a presidência e decretaram uma nova constituição!). Com a queda do regime militar vieram José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e o fundador Luís Ignácio Lula da Silva. Tivemos aí de tudo. Alguns regulares, outros decepcionantes, uns eleitos pelo povo, outros golpistas, outros improváveis (os vices que jamais seriam eleitos pelo voto popular) até chegar a Fernando Henrique Cardoso, que foi além da mediocridade, destacou-se e se singularizou, como o melhor Presidente para o país.

Porém, se FHC foi o melhor Presidente para o país, não o foi na leitura do povo, que, pelas razões abaixo, consagrou como o melhor o Fundador do Brasil.

Os impulsos dos instintos são inerentes a todos os seres vivos. Todos os animais somos seres instintivos. A nossa distinção em relação aos outros seres é que podemos minimizar a força dos instintos, dominando-os, colocando-os sob nosso controle. Mas esses controles não estão distribuídos uniformemente entre todas as pessoas humanas. Algumas, a maioria, sequer tem consciência da sua existência. Comer, morar, vestir, dormir, divertir, trabalhar, rezar, admirar, contemplar, sofrer, rir, adoecer, aposentar, são algumas coisas que todas as pessoas fazem e querem. Alguns têm tudo isto numa magnitude que a maioria sequer pode imaginar. Estes, que têm tudo, sequer percebem a existência e dignidade de quem não tem, achando que têm porque “merecem”, mesmo não sabendo o porquê ou sabendo por falácias ou invenções que hoje não dá sequer para pensar.

FHC foi o Presidente mais lúcido e mais preparado que o povo brasileiro elegeu, poderia perder para Rui Barbosa, mas este o povo não quis presidente. Mas, como todos os outros, era e é brasileiro e como tal não resistiu à mediocridade que sobrepaira em nós, mesmo os melhores. Venceu duas vezes o Fundador no primeiro turno em 1994 e 1998, mas não se esforçou para fazer o melhor para o país: eleger José Serra em 2002, para continuar a fincar as bases do desenvolvimento do país. Semeou, mas não quis que a colheita fosse feita por alguém que, embora do seu partido e seu correligionário, poderia subtrair-lhe a glória de ser a causa do impulso do país. Ao invés de querer a soma que Serra significaria, preferiu apostar na subtração que, a seu ver, Lula seria. Não teve a soma, nem a subtração e terminou ficando com o resto. Preferiu, consciente ou inconscientemente, que o eleito fosse Lula, presumindo o fracasso do Fundador que alçaria aos píncaros da fama e da História, como o melhor Presidente que o Brasil já teve. Errou também na reeleição. Poderia fazê-la, mas não concorrer naquela oportunidade. Nada acrescentou ao seu primeiro mandato e fez do Fundador Presidente no mandato seguinte. Não tivesse concorrido, teria elegido o Serra, ou outro candidato preparado e Lula jamais teria alcançado a Presidência e fundado este Brasil infeliz de hoje, no qual tudo dá errado, exceto tudo que é errado, que aqui dá certo.

Estes dois erros – reeleição e aposta no fracasso de Lula – vão aderir e sobreviver a FHC, manchando seu excelente desempenho à frente do país, crescendo com o tempo, tocando-lhe a consciência enquanto vivo e elevando-as ao absurdo quando tivermos outro presidente lúcido e capaz. Sua vantagem, por enquanto, é que Lula, Dilma e Temer são tão inferiores a um bom governante, que seu desempenho ainda realça.

Fez mal a si mesmo e ao país e pagará o preço na História, principalmente pela visibilidade que deu a uma nulidade, que está assombrando o país a quase dezesseis anos e com o risco de prolongar por mais alguns. Hoje FHC está se depurando do mal que fez, contando com a admiração apenas de uns poucos, que não demora a desaparecer. Ainda tem tempo de reconhecer esses erros – a beleza do ser humano reside na sua imperfeição. A construção nunca termina. A imperfeição, conectada com o livre arbítrio e com a busca da felicidade caracterizam o vencedor - e lutar fortemente para eleger alguém do seu tamanho para governar o país e recuperá-lo, antes que sua obra desça toda pelo ralo.

FHC foi, sem dúvida, o melhor Presidente da República que o Brasil já teve, mas entre ele e o Brasil, escolheu as glórias para ele, supondo que a eleição de Lula lançaria as luzes da ribalta sobre ele, que brilharia como o novo Redentor do Brasil. Só esqueceu que o Fundador afundaria o Brasil e ele, FHC, seria visto pela História, como causa eficiente desse efeito.

A nulidade que FHC pensou que o projetaria para o pódio, não fracassou para quem elege: os mais pobres. E não fracassou porque ele próprio, FHC, tinha posto as bases para a vitória popular de Lula. Plantou e deixou a colheita pra o Fundador, que dela se aproveitou e fez, a partir do Programa Fome Zero, da sua primeira fala como presidente eleito, o discurso proselitista que o projetou como o campeão da proteção aos mais humildes. FHC comprou os ingredientes e cozinhou a feijoada, mas quem serviu e foi visto servindo foi o Fundador.

A democracia em países pobres vota pelos instintos, vota por salivação e não por reflexão. Quem tem fome tem pressa e não juízo. Quem tem sede bebe água suja filtrada na camisa. De nada adianta oferecer promessa de água mineral para daí a três dias a quem tem a boca seca. O fundador fundou o país da satisfação imediata de necessidades dos instintos e sabe discursar sobre isto. Instinto não tem futuro, tem presente. Para os mais pobres, que vivem em estado de agonia e premências, um governo corrupto, mas que distribui pães, é melhor que o governo honesto, que deixa cada um por si. O governo precisa ser honesto, mas tem de olhar o todo e fazer os programas sociais que atendam aos desesperados, enquanto cada um se prepara para ganhar o próprio pão, pois ninguém gosta de viver de esmolas. Só discurso moral não basta. O discurso moral na fome é unicamente comer.

Por outro lado, Lula usou os instrumentos que encontrou no sistema jurídico para agradar os sustentáculos do poder: os mais ricos e os detentores de palanques gratuitos. Deixou, ou não, viu os mais ricos enriquecerem mais e mais e cooptou uma coorte de artistas e intelectuais de fama e pouco dinheiro e lhes satisfez as necessidades de brioches, através a Lei Rouanet e do Ministério da Cultura: a primeira, rio de leite; a segunda, ribanceira de cuscuz.

Não se brilha apagando a luz, mas pondo luz sobre luz. FHC teve medo de mais luz e mergulhou o país na escuridão.

Fez de Lula um líder popular ao lhe permitir colher o que não plantou e ainda jogar a culpa sobre o semeador desastrado que nada aprendeu com a precipitação de sentar na cadeira de Prefeito de São Paulo antes da eleição. Lá perdeu a prefeitura, Cá perdeu o lugar no pódio que lhe caberia por merecimento, a vida ensinando que burrice e cultura não se confundem.

Com muitos “nunca antes”, o Fundador jogou a História do Brasil no desconhecido destino dos países sem futuro.

Postes não governam.

Lula foi o poste de FHC, como Dilma foi o poste de Lula. Nenhum deles escapará ao ferrete de Pilatos.

Assim se deu a Fundação do Brasil no dia 1º de janeiro de 2003.

Só não sabemos onde estamos e até aonde vamos afundar.

 

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