- 11 de julho de 2025
Boa vontade com Cainamé
Que preze toda boa vontade da justiça roraimense em adotar um júri 100% formado por indígenas para julgar a tentativa de homicídio de um índio ocorrido em 2013 dentro da reserva Raposa Serra do Sol, e respeitando acordo entre a Justiça e lideranças indígenas, é de se questionar alguns pontos que poderão, dependendo do resultado, abrir precedentes.
A alegação de quem quase matou um "parente", para o ato, é de que a vítima estaria possuída pelo "Canaimé", que para algumas etnias em Roraima trata-se de uma entidade espiritual do mal, ou seja, a vítima estava com o "cão no couro", daí, o remédio ou alternativa teria sido o quase assassinato.
Tentativa de homicídio é, em outras palavras, a pretensão frustrada de querer matar alguém, o que no Brasil e no mundo democrático e em algumas ditaduras é crime, independente de crença religiosa e ou formação cultural. Um júri formado por pessoas que podem ter o mesmo pensamento de quem tentou assassinar outro "parente" que estava possuído pelo mal não causará surpresa se absolver o réu, pondo acima da Lei, a crendice e seu costume. O Brasil é um país laico, que não adota nenhuma religião oficial e muito menos é como algumas nações que a religião é que governa, dita as leis e comportamentos de seus cidadãos.
Fora isso, de que jurados tenham o mesmo entendimento de quem tentou matar quem estava com o Cainamé no couro, e assim ter agido de "forma correta", há o lado da vítima, que pode naturalmente se revoltar com o motivo pelo qual o réu, por ventura, venha a ser absolvido. Não se pode negar a pressão e possíveis retaliações que esses jurados poderão sofrer - se é que já não estão sofrendo - de ambos os lados do julgamento.
E ainda mantendo a hipótese de absolvição, a justiça roraimense poderá abrir precedente no Estado de que, em nome de uma tal "convicção cultural" e de alguma crença, pode-se, sim, matar outro ser humano. Adeptos da magia negra, portanto adeptos de uma cultura e de uma crença teriam argumento e tanto para a defesa de seus "atos culturais" e religiosos.
Não se quer aqui tirar a azeitona da empada da boa vontade e ineditismo da justiça roraimense, e muito menos, a capacidade e discernimento de indígenas em julgar, mas, sim, lançar luz a questões que merecem também, ao menos, boa vontade em serem analisadas.