- 16 de julho de 2025
*Dr. Daniel Calazans.
Há anos venho assistindo, pouco a pouco, ações em cadeia para desprestigiar o Poder Judiciário – bem de perto, já que trabalhei em gabinete de magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) de 2003 a 2010 e advogo para a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) desde 2011. O que presencio é que a carreira da magistratura está lamentavelmente cada vez mais sucateada, mas, qualquer benefício concedido a juízes é difundido como algo desonesto ou um privilégio indevido – vale lembrar que todas as carreiras públicas recebem benefícios constantes, mas somente os concedidos à magistratura ganham esse alarmante tom pejorativo.
A partir de setembro de 2011, quando a então Corregedora Nacional de Justiça se referiu à magistratura como “bandidos de toga”, essa conjuntura somente piorou, chegando ao ápice com o recente episódio do “juiz que não era Deus”. Agora temos o magistrado que teria dado voz de prisão a funcionários da TAM porque havia perdido o voo.
Ao longo dessa minha (ainda curta) carreira tive contato direto com dezenas (para não dizer centenas) de juízes. A maioria esmagadora são pessoas educadas e de reputação ilibada, cujas atitudes no dia a dia em nada se compara às supostas atitudes noticiadas pela imprensa. Ao contrário, o que vejo na maioria das vezes são magistrados vítimas de algum poder local (seja político, seja econômico) que se desdobram para realizar sua defesa perante as Corregedorias locais e o temido Conselho Nacional de Justiça.
Ora, é certo que há, sim, juízes que não são dignos de exercer o ofício. No entanto, como em qualquer outra profissão, é inviável julgar a parte pelo todo. Esfacelar a magistratura "por amostragem" e tomando como exemplos alguns juízes que fogem à regra, é inaceitável.
No entanto, venho assistindo – via imprensa e redes sociais – a divulgação de fatos que se travestem de uma assustadora intenção para enfraquecer o Poder Judiciário. E é inevitável se questionar o por quê disso.
A teoria da divisão de poderes (“sistema de freios e contrapesos”) consagrada por Montesquieu em “O espírito das leis” – obra baseada nas publicações de Aristóteles (“Política”) e Locke (“Segundo Tratado do Governo Civil”) – é extremamente relevante neste momento. O enfraquecimento de um Poder (no caso, o Judiciário) tem como consequência direta o fortalecimento dos outros dois e, a se ver da sessão para votação do projeto de meta fiscal, quem perde com isso é a sociedade como um todo.
Essa manipulação do povo – muitos, inclusive, com notável formação intelectual – de que a magistratura é composta por (pessoas que se acham) “deuses” é inaceitável. Situações particulares não podem ser consideradas para formar opinião sobre uma classe de profissionais que luta diariamente por Justiça, muitas vezes sem ter sequer condições salutares de trabalho.
Em momento algum estou aqui fazendo prévia defesa do juiz que se envolveu no episódio da voz de prisão a funcionários da TAM – pelo contrário, desejo que o ocorrido seja prontamente investigado, mesmo porque, defender a magistratura neste episódio é requerer a apuração dos fatos com total isenção. Inaceitável, contudo, é esse achincalhamento do Poder Judiciário, que não pode continuar, sob pena de, inconscientemente, estar-se paulatinamente dando voz de prisão à magistratura – classe que, caso um dia fique acuada, será impossível efetivarmos nosso almejado Estado Democrático de Direito.
*Dr. Daniel Calazans é advogado da ANAMAGES.