- 26 de novembro de 2024
O SILÊNCIO DOS MAGISTRADOS
JOBIS PODOSAN
Diz-se que 'quem disso fala, disso usa', mas na verdade, o ditado completo é “Quem disso usa, disso cuida”, que faz referência a quem fala tanto de uma coisa que, de tanto apontar defeito na conduta do outro, termina por praticar aquilo que aparentemente condena. na propaganda eleitoral do segundo turno estamos assistindo a tentativa de cada candidato buscar desqualificar o outro com fatos verdadeiros, falsos, inventados, por ouvir dizer e etc. O anjo que cada um é quando fala de si mesmos e o demônio que são quando se refere ao outro. Poderíamos dizer que ambos emergiram do pântano para nos assombrar, um com a volta da deslavada corrupção, o outro acenando com a possibilidade de novo retrocesso institucional que não permite ao nosso país evoluir para a pujança e a paz, ficando a mercê de tropas que deveriam garantir a paz e a tranquilidade do povo enquanto este faz o país se desenvolver. Filme velho e tão repetido que causa espanto que tantos olhos, até experientes, não vejam a hecatombe.
Notem bem este caso: trata-se do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado natal do grande jurista Ruy Barbosa, justamente quem proferiu a célebre advertência, que é hoje a legenda moral escrita logo no hall de entrada daquele corte: ‘Não há tribunais que bastem para abrigar o Direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados’.
Gerson Pereira dos Santos, saudoso desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, escreveu o livro intitulado O solitário ofício de julgar no qual afirma a dolorosa função do juiz que para satisfazer uma das partes, necessariamente, descontenta a outra. Não há juízes simpáticos e, os que tentam sê-lo, descontenta 100% das partes, porque o que hoje vence a causa, amanhã perde outra. A parte que ganha um processo não tem nada a agradecer ao juiz, porque já sabia antecipadamente que tinha razão. Mas a que perde, uma vez que também antecipadamente tinha certeza de ter razão, recebe a sentença desfavorável como uma graça (a favor do oponente) ou desgraça (contra si). Os juízes são chamados a decidir uma causa quando há um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita. Neste caso ambas as partes têm certeza de que estão certas e pedem ao juiz simplesmente que reconheça o direito que previamente achavam que tinham. Assim, a parte que ganha, na verdade, nada recebe, porque já sabia que tinha. Já a que perde, na verdade, entende que o juiz errou por motivos diversos, nenhum deles lisonjeiro. Portanto, juízes são indivíduos solitários que proferem decisões em processos e que somente nos processos podem falar. Ficam mudos enquanto pululam as acusações, levando certas pessoas a se acharem destemidas ao falar dos juízes. O silencio obrigatório solta a língua dos agressores.
Certo advogado criminalista entrou em juízo, advogando em causa própria, com uma ação reivindicatória tendo por objeto uma gleba de terra que havia adquirido através de um contrato particular de compromisso de compra e venda e incorporou a área ao seu terreno vizinho. Segundo ele, o réu reergueu a antiga cerca e se apossou do terreno que ele comprara. O juiz, dada a natureza da ação, assinou o prazo se 10 dias para que o autor juntasse ao processo a prova do domínio do terreno, materializada na escritura pública de compra e venda devidamente registrada no cartório competente, o que o autor não fez, limitando-se a dizer que o documento comprobatório da compra e venda já constava da dos autos. O juiz então, com apoio no art. 320, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, então vigente, extinguiu o processo, por falta de juntada do documento essencial para movimentar a jurisdição.
Publicada a sentença, o advogado compareceu perante o juiz e, transtornado, disse que não esperava tal atitude do magistrado. O juiz então, disse-lhe, que as portas do recurso estavam abertas para que o tribunal conferisse ou acerto da sentença ou a reformasse, deixando claro, no entanto, que entraria com representação junto à Seccional da OAB levando ao conhecimento do órgão a abordagem imprópria do advogado que, ao invés de recorrer, preferiu afrontar o juiz, pedindo-lhe satisfação do conteúdo da sentença. O advogado recorreu, perdeu e foi pedir desculpas ao juiz. Errou novamente.
O bem e o mal existem e nós damos a eles a importância que escolhemos dar. Ora fazemos o bem, que é sempre trabalhoso, ora fazemos o mal, que é de graça e dá prazer a alguns. Destruir uma casa pode durar apenas um segundo, mas edificá-la dá trabalho, leva tempo e custa caro. Construir uma boa reputação leva anos, mas para destruir a dos outros, basta um segundo. Sempre digo aos amigos que a maledicência não é privilégio dos maus. A pior de todas as infâmias é a difundida pelos bons, porque a que jorra dos maus prejudica menos, porque a falta de credibilidade do emissor desqualifica a mensagem.
Uma das tentativas mais comuns de quem sabe não ter razão é tentar desqualificar o juiz que vai julgar ou já julgou uma controvérsia. Imagina que jogando palavras ao vento vai ser ouvido e que a opinião pública poderá fazer o juiz, por medo, a inclinar-se a seu favor. Esse acusador da lisura da magistratura, convencido de que suas ofensas vão beneficiá-lo, não presta atenção no silêncio eloquente dos magistrados que irão julgar a causa e prosseguem nas ofensas estimulados no que supõe ser o medo dos juízes. Não escutam conselhos de amigos ou correligionários que lhe diz que os juízes não falam e nem respondem as ofensas porque, se responderem, ficam impedidos de julgar, não percebem que o silêncio dos juízes é a discrição obrigatória que o juiz tem de observar para não ficar impedido de julgar. O boquirroto, então, supõe que o silêncio significa temor, recrudesce nas acusações e termina acreditando que jogou os magistrados na lona, nocauteados pela sua coragem de falar o que bem entendem. Interpretam o silêncio dos juízes como covardia e caminha para o cadafalso certo de que é o maioral, até que sobrevém o julgamento e a guilhotina degola o falastrão. O silêncio dos juízes é obrigatório em relação a ofensas irrogadas pelas partes, eles falam nos autos e não precisam do reconhecimento do distinto público, mas, tão somente, de fundamentarem suas decisões com base na lei e na interpretação destas pelos tribunais. Talvez seja por isto que, finalmente, a sensatez baixou na figura de um dos candidatos que está falando na propaganda eleitoral com a fala macia dos bispos e a cara sorridente dos anjos, jogando a suposta valentia na vala dos sofrimentos e lágrimas.