- 07 de novembro de 2024
Doutor Jack Areh, depois de um dia extenuante visitando e atendendo pacientes na Unidade de Psiquiatria do hospital estadual, dirigiu-se ao Restaurante Maria Bonita para uma costelinha de porco com baião-de-dois, reparadores do físico e uma cerveja gelada, reparadora do espírito. Nem bem tomou o primeiro copo da loura gelada e foi atacado pelo toque do telefone celular. Constatou que aquela ligação partia do Pronto Socorro e pensou: "Atendo ou não atendo...? Não. Não vou atender. Vou me refestelar no almoço e depois retorno..." A musiquinha irritante do aparelho voltou a soar mais algumas vezes e convenceu o médico a ver do que se tratava:
- Sim...?
- Doutor...? Dinorah do PS...
- Sim, Dinorah...
- Precisamos que o senhor venha aqui com urgência...
- Puxa, Dinorah... Acabei de sair do plantão e tou me preparando pra almoçar... Revi todos os meus internos, atendi pacientes novos e preciso repor energias...
- Doutor, a coisa é urgente... Dona Ermicilda, aquela viúva toda empetecada, entrou em crise e tá aqui com mania de passarinho... Ela encasquetou vai voar. Já lhe aplicamos um sossega-leão e a deixamos sob os cuidados do enfermeiro Jaime que tá lhe servindo de poita... Se o senhor não vier logo, a velha decola...
Doutor Jack Areh, contrariado, decidiu atender ao chamado, "Waldir, deixa a costeleta em stand by, vou ao PS e volto já, já..." Entrou na sua picape e, cantando pneus, dirigiu-se ao nosocômio.
Sabem como é pronto-socorro em dias de sábado; o clima é de pós-explosão de carro bomba em Bagdá: macas pelos corredores, pessoas com as vísceras expostas, sangue..., muito sangue, gritos e gemidos pra tudo que é lado... Um horror! Naquele caos, doutor Jack Areh teve dificuldades para localizar sua "ave" e resolveu apelar:
- Quero falar com dona Ermicilda... Uma que tá com vontade de voar! - Bradou com sua voz grave, alta e bem empostada.
Lá no canto, uma senhora magrinha com cabelos em desalinho e olhos aboticados levantou timidamente a mão direita e disse:
- Sou eu, doutor..."
- Me acompanhe até o meu hangar... - Ordenou-lhe doutor Jack Areh, espirituoso e gozador por natureza.
Um homenzinho mirrado trajando surrados jeans e camiseta levantou-se e dirigiu-se ao psiquiatra:
- Doutor, eu sou Belisário, o marido da Ermicilda... Posso acompanhá-la nesta consulta?
Doutor Jack Areh encarou Belisário e, com um sorriso maroto nos lábios, falou:
- Ah, o senhor é o co-piloto? Tá bom... Venham os dois à minha sala de controle de vôos...!
MÁQUINA DE BESTIFICAR
- A que tipo de programas você gosta de assistir na televisão?
- Eu gosto muito de programas culturais..., mas lá em casa a gente só pega a Globo...
Quatro anos de idade! A resposta saiu da telinha dada por um garoto de quatro anos de idade. Não resisti e sentei para ver aquela sumidade. O menino é superdotado. Lê - E ENTENDE - praticamente tudo que lhe põem à frente.
É hora de repensar: se uma criança de quatro anos de idade - mesmo que superdotada -, rejeita os programas televisivos, dando a entender que são desprovidos de conteúdo, pode-se ter uma idéia dos males causados por essa "máquina de fazer doidos" (apelido dado à televisão por Stanislaw Ponte Preta).
Depois de uma bateria de desafios, em que aquele guri saiu-se brilhantemente, chegou a hora da exploração comercial. O representante de uma indústria de eletrônicos presenteou-o com um televisor de vinte polegadas, que, segundo a apresentadora proporcionar-lhe-ia acesso a todos os canais (Grandes merdas! Como se os outros canais tivessem programação culturalmente superior à da Globo); apesar do pirralho dizer que não gosta de música, deram-lhe um aparelho de som (Beleza! Ele agora vai poder ouvir os Calypsos e Brunos & Marrones da vida, aprender os pagodes rebolativos, decorar as letras profundas da aché-músic, vivenciar com a melodia e alta inspiração do Bonde do Tigrão e, quem sabe, aprender e interpretar a difícil e profunda letra de Egüinha Pocotó). A única coisa útil oferecida àquele pirralho foi uma bolsa de estudos especial para superdotados em renomado colégio de sua cidade.
Por que ao invés de televisor e aparelho de som não lhe deram um computador ou muitos bons livros? Vendo a tentativa de bestificar aquela criança, desliguei a televisão, abri uma cerveja e fiquei me consumindo na minha indignação.
Vocês pensam que isso é tudo? Não. Tem mais; muito mais.
Sexta-feira, contrariando meus princípios, não saí para reunir-me para a happy hour; fiquei em casa para, ali, fazer pequenos reparos. Deixei a televisão ligada esperando o "Globo Repórter", que discorreria sobre algum assunto interessante. Entretido com o conserto das persianas - trabalho chato e meticuloso, ouvia o som saído da tv. Em determinado momento meus tímpanos foram bombardeados com sexo, baixaria e pura falta de respeito produzidos num programa chamado "Os Aspones". Injuriado, troquei de canal e dei com um sujeitinho mirrado e sem graça contando piadas obscenas recheadas de baixaria e nenhum sentido. Novo canal me levou a um pastor pedindo dinheiro às suas ovelhas para pagar as contas do seu templo. Noutro canal, cinco mulheres sentadas numa cama, abordando sexo de maneira mais chula que a abordada nos puteiros mais vagabundos. Uma nova tentativa e dei com um humorista(?) fazendo troça com sexo, homossexualidade e infidelidade. CLICK!
Não sou puritano; muito pelo contrário. Acho, porém, que tem limite para tudo. Imagino o sofrimento das pessoas que não têm opções de lazer, passando noites a fio assistindo a estas baixarias. Sou contra a censura, mas penso que "ou os meios de comunicação policiam o que veiculam, ou teremos uma completa inversão de valores, ensinando a nossas crianças e adolescentes que sexo, drogas e violência são coisas comuns, mais que toleráveis: banais".
Deus, tende piedade de nós!
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