- 07 de novembro de 2024
Um movimento silencioso em defesa do nepotismo começa a ganhar corpo entre magistrados de todo o país. Antes mesmo de ser publicada no Diário de Justiça, a resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe a prática no Judiciário já enfrenta resistências em pelo menos três tribunais de Justiça: os de Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Goiás.
Eles adotaram medidas para tentar manter os empregos de parentes de juízes e desembargadores ou admitiram publicamente ser contra a proibição. Segundo fontes do CNJ, outros três tribunais podem aderir ao movimento esta semana.
Do Maranhão, veio a primeira contestação oficial à nova norma: três parentes do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), juiz Alcebíades Tavares Dantas, ainda empregados no órgão, tentaram manter seus contracheques com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF). Por uma questão técnica, não conseguiram. Mas prometem uma nova investida em breve.
No Rio Grande do Norte,
lei de última hora
Aprovada há 12 dias, a resolução do CNJ será publicada esta semana. A partir daí, os tribunais de todas as instâncias terão 90 dias para exonerar os funcionários que ocupam hoje cargos de confiança e são cônjuges, companheiros ou parentes de até terceiro grau de juízes ou servidores que exercem cargos de chefia. O desafio é dos mais complicados: embora não existam estatísticas nacionais, um levantamento do GLOBO mostra que o nepotismo foi disseminado pelo país e está hoje concentrado nos tribunais estaduais, especialmente no Nordeste.
O Rio Grande do Norte foi palco da primeira tentativa de burlar a norma. Na reta final de elaboração da resolução antinepotismo, quando os conselheiros já discutiam o seu texto final, a Assembléia Legislativa aprovou, sem alarde, uma lei para garantir a permanência no cargos dos parentes de juízes já nomeados.
O projeto foi enviado ao Legislativo pelo próprio presidente do tribunal, desembargador Amaury Sobrinho, passou por todas as comissões em apenas uma semana, foi aprovado em plenário na manhã do dia 11 deste mês e sancionado no mesmo dia, à tarde, pela governadora Wilma Faria (PSB). O Ministério Público do estado e a OAB denunciaram o caso ao CNJ.
- A norma do conselho tem de ser cumprida por todos os tribunais. Lei estadual não pode prevalecer. Há movimentos claros como este pela perpetuação do nepotismo - disse o presidente da comissão antinepotismo da OAB, Vladimir Rossi.
No Maranhão, o juiz Alcebíades Dantas foi denunciado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho por empregar mulher, irmã, filha e genro. Dantas defendeu a permanência dos parentes com o argumento de que são casos diferentes.
Segundo ele, sua mulher já era concursada do tribunal quando eles se casaram; a filha foi nomeada quando ainda não havia concurso público; e o genro foi empregado antes de casar com a filha. O juiz não quis falar sobre o caso da irmã; limitou-se a dizer que ela "está na linha de saída". O juiz reclama estar sendo perseguido e ataca a resolução:
- Estão metendo situações diferentes no mesmo balaio. A resolução é tão absurda que condena quem ainda nem nasceu. Deixou de ser uma questão racional para ser uma questão fanática. É preconceito vinculado a raízes nazistas e fascistas.
Com exceção da irmã, os demais familiares do magistrado impetraram em conjunto o mandado de segurança no STF para tentar manter os empregos. A ministra Ellen Gracie não aceitou a ação alegando que ela deveria ser impetrada no tribunal local, e não no Supremo.
Outra voz contrária à resolução é do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Osvaldo Stefanello. Ele questiona a legitimidade do conselho para proibir parentes. E anunciou que irá propor no Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça, que se reunirá de 9 a 13 de novembro, em São Luís (MA), que a norma seja ignorada nos estados onde já existam leis sobre o tema.
- O Conselho não tem legitimidade para legislar - disse Stefanello, garantindo que o nepotismo está banido no estado.
Alagoas: presidente do TJ tem 25 parentes no tribunal
Em Goiás, o nepotismo é institucionalizado. Uma lei sancionada em 1997 pelo então governador Maguito Vilela permite que sejam contratados para cargos de confiança até dois parentes de autoridades de Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em Alagoas, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Estácio Luís Gama de Lima, praticamente trabalha em casa: 25 familiares são lotados no TJ, desde assessores de gabinete ao diretor-geral, que é um de seus filhos, Élcio Oliveira Tenório. A mulher do desembargados, Elce Tenório Gama, ocupa cargo de chefe de gabinete e outro filho do casal, Nelson Tenório de Oliveira Neto, é presidente do Fundo de Modernização do Poder Judiciário (Funjuris).
O desembargador limitou-se a dizer que os empregos da mulher e dos filhos são legais porque eles são concursados, e não explicou os outros casos. Mas o CNJ disse que parentes, mesmo concursados, não podem estar subordinados a juízes.
No Piauí, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador João Batista Machado, diz que emprega três familiares:
- São concursados, mas vou tirá-los para dar bom exemplo.
Machado calcula que pelo menos 200 servidores serão demitidos quando o tribunal começar a cumprir a resolução do CNJ. Mas para o Sindicato dos Servidores da Justiça (Sindsjus), o número pode chegar a 400.
Em Pernambuco, 82% dos cargos do tribunal são ocupados por servidores não-concursados, dos quais 40% (127) são parentes de juízes e desembargadores. A prática contraria lei aprovada ano passado pela Assembléia Legislativa. Na Bahia, o TJ ainda aguarda a publicação da resolução para iniciar o levantamento do número de parentes empregados.