- 07 de novembro de 2024
Ensinando vencedores
Carolina Brígido e Chico Otavio
Uma das mais ouvidas críticas ao Poder Judiciário é também compartilhada pelos magistrados. Pesquisa inédita, feita com 3.200 juízes brasileiros, constatou que quase metade deles considera a Justiça lenta. Convidados a avaliar a agilidade do Judiciário, apenas 9,9% dos juízes responderam que é boa, enquanto 48,9% disseram que é ruim, 38,7% consideraram regular e outros 2,5% não responderam ou não deram opinião.
A pesquisa, uma iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para traçar um perfil mais fiel possível de seus associados, revela que nem os própios juízes estão satisfeitos com o tempo que os processos passam em suas mãos. Os recursos contra decisões judiciais hoje podem chegar a 42 num processo de cobrança de dívida, por exemplo.
- É um problema causado por muitos fatores. As leis processuais estão superadas. Existem muitos recursos protelatórios. É preciso fazer uma reforma processual e simplificar as decisões - diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A AMB enviou questionários com perguntas sobre temas ligados ao Judiciário para cerca de 11 mil sócios, dos quais 3.200 responderam. As respostas também revelaram a preocupação dos magistrados com as taxas cobradas pelo Judiciário. Em termos de custas, 40,9% responderam que é ruim, 37,6% que é regular e 14% que é boa (7,5% não responderam ou não deram opinião). No Rio de Janeiro, o custo médio por ação, hoje, está em torno de R$ 1.900.
Segunda instância é ainda mais lenta
A demora se deve principalmente à quantidade de ações e recursos que chegam anualmente ao Judiciário. Os resultados de uma outra pesquisa, feita no ano passado pela Universidade de Brasília (UnB), mostram que a demora maior na tramitação dos processos ocorre na segunda instância do Judiciário. Em média, leva-se mais de dois anos para o primeiro julgamento da ação. No primeiro grau, o tempo médio fica entre sete e 12 meses. No Supremo Tribunal Federal (STF) foi verificado que a maior parte dos processos está dividida em duas situações diferentes: metade é julgada em um período de sete a 12 meses e a outra em mais de dois anos.
Na Justiça Estadual, de acordo com a pesquisa da UnB, foram 380 mil novos casos, em média, por estado, em 2003, só na primeira instância. Nos tribunais de Justiça, foram 42 mil novos casos, em média. A situação da Justiça Federal é mais dramática. Em 2003, chegaram três milhões de novos casos na primeira instância e outros 365 mil na segunda.
O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, defende uma ampla reforma processual como solução para deixar a Justiça mais célere. Ele também criticou o hábito de alguns advogados de recorrer automaticamente das decisões:
- A lei garante o recurso. Mas é reprovável a conduta de quem faz uso disso para protelar o cumprimento das decisões. Minha avaliação dos advogados como um grupo é boa. Mas não é raro que os próprios advogados, durante o processo, se acusem reciprocamente de estar retardando o processo.
No Supremo Tribunal Federal (STF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o assunto é tratado por ministros e conselheiros como o problema mais grave a ser enfrentado pelo Judiciário. Boa parte defende uma ampla reforma processual, para que sejam reduzidas as possibilidades de recurso das decisões. Para eles, é a questão mais importante a ser combatida. O desembargador Marcos Faver, do CNJ, lamenta que a morosidade seja "a mãe de todas as especulações":
- Daí, nasce tudo. A decisão , em tese, tem de ser tecnicamente correta, em tempo razoável e eticamente justa. Mas, quando o processo demora, surgem logo as suspeitas de que isso ocorre porque existe interesse de proteger determinada parte. Tudo pode ser especulado.
O diretor da Escola Nacional da Magistratura, desembargador Luís Felipe Salomão, disse que o resultado aproxima o magistrado da percepção do brasileiro médio, de que o processo judicial é burocratizado e carregado de recursos.
- O juiz tem uma certa impotência em combater a morosidade, porque é o sentimento de que burocracia vem muito do sistema legal, praticamente insano, que faz com que causas de pequeníssimo valor cheguem ao Supremo. Não faz sentido. Porém, se formos comparar com outros países, também se percebe que é problema generalizado.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Sérgio Cavalieri, disse que aceita plenamente o resultado da pesquisa que aponta como principal deficiência a morosidade. Ele não concorda com quem culpa apenas o excesso de recursos durante o processo:
- A principal razão é a de gestão. Carecemos de melhor distribuição de recursos materiais e humanos, como juiz e servidor.
Cavalieri lamenta prazos legais
O presidente do TJ fluminense lamenta também a morosidade dos prazos legais.
- Há prazos que considero mortos: quando o processo fica parado na secretaria, no cartório, em mãos dos advogados, concluso para a decisão, decorre da falta de cumprimento da diligência. Pode haver uma melhor gestão sem mudar a lei. O problema não é só de legislação. A morosidade de primeiro grau não depende de mudar a legislação.
A saída estaria não apenas no reaparelhamento do Judiciário, mas na reforma dos códigos. Segundo Cavalieri, existem vários projetos de reforma dos códigos processuais.
- Uma das principais questões do processo é a execução, quando começa tudo de novo. E, no que diz respeito à área penal, tem que haver um endurecimento na execução das penas.