- 07 de novembro de 2024
Folha de S. Paulo
As sucessivas manobras judiciais promovidas pelo ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) para adiar a sua possível cassação intensificaram ontem a insatisfação de integrantes do Legislativo que argumentam haver interferência indevida do STF (Supremo Tribunal Federal) nos assuntos congressuais.
"Não queremos atrito, mas eu, particularmente, acho que houve uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo. É um assunto interno", afirmou o presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar (PTB-SP).
Anteontem, o ministro do STF Eros Grau ordenou que o relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) que pede a cassação de Dirceu seja refeito. Na prática, a decisão anulou a votação do conselho que, por 13 votos a 1, havia recomendado ao plenário a cassação de Dirceu.
A Folha apurou que a reação negativa de deputados aos múltiplos artifícios jurídicos já leva preocupação aos advogados de Dirceu. No final de semana deverá haver uma reavaliação a respeito dos prós e contras de se continuar questionando sistematicamente decisões da Câmara, uma vez que isso pode gerar ressentimentos entre os deputados -os mesmo que decidirão, em plenário, a sorte do ex-ministro.
Ontem, uma nova decisão do Supremo, de restabelecer o mandato do senador João Capiberibe (PSB-AP), deu mais corda à polêmica (leia nesta página).
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Mesmo dizendo que não comentaria decisões judiciais, o presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), criticou a conduta do STF. "Acho que cada um tem o seu papel, mas está acontecendo com freqüência um pouco acima do normal. O Legislativo toma decisões e o Judiciário as modifica", disse ele.
Delcídio recomendou uma reunião entre os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo. "É importante que os presidentes conversem um pouquinho para não passarmos a impressão à sociedade de que um Poder está interferindo no outro, ou então que se quer procrastinar decisões."
O relator da mesma CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), disse que a decisão do Supremo não tem precedentes. "Foi a primeira vez que eu vi, em função de uma prova, um julgamento ser comprometido", declarou, em referência ao fato de o relatório de Delgado ter sido anulado por conter algumas provas consideradas irregulares.
O entendimento no STF é que o aumento do número de decisões do Supremo sobre questões do Legislativo tem ligação direta com o acirramento das disputas dentro do Parlamento. "Foi assim durante episódios como a CPI do Orçamento e é assim agora", afirma um dos ministros do Supremo, que concordou em falar desde que seu nome fosse mantido em sigilo. Segundo ele, a preocupação do Supremo é balizar posicionamentos de acordo com a Constituição, "para o bem ou para mal".
Os magistrados já ressaltam em votos que a Corte não irá interferir em assuntos internos de outro Poder, mas que se preocupará com os princípios processuais.
Na semana que vem, a menos que haja uma reversão da estratégia de Dirceu, haverá uma enxurrada de ações judiciais. Uma delas vai questionar a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dessa semana, que rejeitou a retirada do processo contra o ex-ministro pelo PTB.
Outra será proposta a partir de um questionamento feito pela defesa do petista, que provavelmente será rejeitada pelo conselho. A defesa de Dirceu alegará que deveria ter havido uma sessão de intervalo entre o final da fase de instrução e a leitura do relatório.
Por fim, haverá nova medida judicial caso Delgado não retire um pequeno trecho de seu relatório que faz rápida menção a sigilos bancários e telefônicos obtidos de forma irregular pelo conselho.
"Todas as nossas teses têm razoabilidade. Certamente o impacto político das medidas entra na nossa análise, mas, colocando numa balança, a busca pelo justo processo está tendo mais peso", afirma José Luiz Oliveira Lima, advogado de Dirceu.
(FÁBIO ZANINI, SILVIO NAVARRO, FERNANDA KRAKOVICS E ANA FLOR)
Fontebrasil - Jornalismo corajoso