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Fim dos regatões, a tristeza nos beiradões Por Manoel Lima

A seca poderá acabar com o famoso regatão, barcos que singravam os rios dô Amazonas, subindo e descendo, cheios de mercadorias para trocá-las por produtivos extrativos com os caboclos dos beiradões dos rios.


Brasília - Uma notícia estampada num lugar qualquer de um jornal de Manaus chama a atenção do estrago econômico que a grande seca dos rios do Amazonas poderá causar àqueles que, já beirando a terceira idade, conviveram com a história dos desbravadores do imenso vale verde amazônico. A seca poderá acabar com o famoso regatão, aqueles tradicionais barcos que singravam os rios da região, subindo e descendo, cheios de mercadorias - gêneros alimentícios especialmente - para trocá-las por produtivos extrativos com os caboclos dos beiradões dos rios.

Os regatões não podem chegar aos lugares mais íngremes do Amazonas porque os rios estão secos; não podem navegar com o custo do óleo diesel que chegou a um ponto de onerar as viagens, sem a garantia de o regatão ganhar o pão de cada dia. É triste a notícia, se notarmos que os seringueiros também foram os alvos principais dos regatões, que abasteciam de víveres as colocações (locais onde ficavam grupos de homens, famintos, sujos e abandonados), de onde saiam o látex transformado em pelas de borracha.

Foi uma época áurea; para os seringueiros e ribeirinhos e para os regatões. Gerações inteiras durante os primeiros anos do século XX foram atendidas por esse tipo de comunicação. Os regatões levavam não só a comida da cidade grande, mas a alegria de uma carta, de uma boneca. Ela com eles que o homem interiorano tinha a leve certeza de que não estava abandonado à própria sorte; que continuava vivendo nos confins do mundo, apesar das intempéries da mata.

Saber hoje que esse tipo de embarcação vai acabar é  uma dolorosa notícia. Quantos homens públicos do Amazonas de outras regiões da Amazônia não foram criados com os víveres levados pelos regatões; quantos não conheceram as primeiras letras do alfabeto através dos livros e cartilhas levados pelos regatões. As viagens dos regatões eram feitas em dias e   horário certo para chegar a um porto de lenha. Tudo, como se dizia à época, feito "num horário britânico" de fazer inveja aos próprios nascidos na Inglaterra.

O ribeirinho ou seringueiro fazia as trocas - arroz e sal por um couro de onça, uma pela de  borracha por um maço de fósforos; umas mantas de pirarucu por um litro de querosene - dentro de um calendário, para que até a outra viagem do regatão nada faltasse em sua despensa. Havia uma interação franciscana entre eles. Um confiava no outro, quer no peso das mercadorias, quer na qualidade dos produtos extrativos. Época boa, em que não havia o despudor da corrupção!.

Fico triste ao saber que tão proximamente o regatão desaparecerá dos rios do meu Amazonas. Não fui um daqueles que foi criado ao sabor das viagens rotineiras do regatão, mas sei quantos corações espalhados pela imensidão da Amazônia ficarão menos alegres. O olhar sem rumo do ribeirinho certamente estará no infinito, talvez venda apenas o regatão como uma miragem. A vazante dos rios amazônicos traz essa notícia dolorosa, como a perda de um ente querido que se foi e que sabemos jamais voltará. É triste!

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