- 07 de novembro de 2024
Brasília - A recriação do Funcomiz ( Fundo Comunitário das Indústrias da Zona Franca de Manaus), proposta pelo deputado federal Carlos Souza (PP-AM), num devaneio de proposição sem limites, é algo que nos traz dolorosas lembranças dos tempos áureos da ditadura militar. O Funcomiz foi daqueles projetos malfadados criados pelo regime militar para, apenas, solapar os cofres ainda incipientes das indústrias do recém-criado parque industrial e dar dinheiro para um conjunto de interesses político-partidários, que de tantas sandices que gerou acabou por ser sepultado com o advento da Nova República.
Nos idos de 1979, o regime militar precisava - como hoje faz o PT com os recursos não contabilizados - de dinheiro para fazer o caixa 2 das campanhas eleitorais de 80, para prefeito, e em 1982, para o governo. Como arranjar dinheiro numa região de parcos recursos, se não dos neófitos de empresários que chegam a Manaus no afã de ganharem rios de dinheiro?
A idéia, maluca, perniciosa, intempestiva e acintosa sob todos os aspectos morais, nasceu dentro da agência em Manaus do famigerado SNI (Serviço Nacional de Informação), então chefiada pelo capitão-de-mar-e guerra Roberto da Gama e Silva, um oficial da gloriosa Marinha Brasileira, amazonense de nascimento, mas que foi mandado para Manaus para intimidar a oposição ao regime militar, depois das eleições de 1978, quando os candidatos apoiados pela revolução suaram a camisa para vencer os oposicionistas liderados por Fábio Lucena.
Este articulista acompanhou de perto da constituição do Funcomiz, surgido na gestão do economista Ruy Lins como Superintendente da Zona Franca de Manaus. A idéia desse monstrengo não era arrecadar fundos para ajudar os mais carentes; seus recursos jamais foram distribuídos a prefeituras do interior ou a obras assistenciais na capital amazonense. O dinheiro era mesmo para prover o partido da ditadura, a Arena, que com vultosos recursos financiaria a campanha eleitora de 1982.
Por que esse interesse do SNI em criar um caixa 2 forte para a eleição de 82- a primeira de governadores pelo voto livre? Simplesmente porque o adversário do então PSD - criado já com a reforma política em substituição a Arena - era simplesmente o candidato do PMDB, Gilberto Mestrinho, que, proibido de morar em Manaus pela ditadura depois de sua cassação como deputado federal por Roraima, regressava à sua terra como um nome imbatível.
Os áulicos da revolução achavam que com dinheiro poderiam rechaçar a vontade das urnas, já propensas a eleger Mestrinho, como ocorreu. O Ministério do Interior, chefiado por Mário Andreazza, financiava o seu partido e seus candidatos; ao SNI competia minar os cofres das indústrias, a maioria a favor da candidatura oposicionista, e gerar intimidações e ameaças àqueles que se dispusessem a apoiar Gilberto Mestrinho.
Não se têm notícias do quanto o Funcomiz arrecadou a época. Mas não foi merreca. Os candidatos majoritários governistas nadavam em dinheiro; os proporcionais idem. Os comícios de Mestrinho sofriam toda sorte de ameaças veladas e pressões do SNI junto aos seus adeptos. As viagens de Mestrinho pelo interior do Amazonas, em lancha emprestada por um empresário que desafiou a pressões do SNI, eram monitoradas pelos arapongas.
Certa feita, descobriu-se nos redutos de Mestrinho que o SNI arquitetara um plano de assassinato seu e do candidato ao senado Fábio Lucena. Os bandidos foram desmascarados hospedados no Novo Hotel, encravado no Distrito Industrial. A grande imprensa denunciou o plano macabro, e Mestrinho e Fábio Lucena chegaram incólume nas eleições. Lucena, de uma verve inconfundível, em memorável comício no bairro da Compensa, denunciou o plano do SNI; "Eles querem matar Mestrinho e Fábio, mas não matam a fome do povo". Foi a dica para a Nova República, com a posse de Sarney em 1985, apagar da memória dos amazonenses o famigerado Funcomiz.
Não se está contra a proposta do deputado Carlos Souza. É verdade que os tempos são outros; já não existem mais nem o SNI e nem a ditadura. Como é verdade se o novo Funcomiz for mesmo criado com os objetivos que marcam o seu nome, certamente as obras sociais serão aquinhoadas com os recursos que poderão advir das indústrias da Zona Franca, hoje mais fortes financeiramente e sem o medo de serem apenadas pela arapongagem do extinto SNI.
Oxalá o deputado Souza esteja certo na sua proposição, como parece ser a sua intenção.