- 07 de novembro de 2024
KENNEDY ALENCAR
Relator do processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra o deputado federal José Dirceu (PT-SP), Júlio Delgado (PSB-MG) pedirá a cassação do mandato parlamentar do ex-ministro da Casa Civil. Hoje, Delgado deverá encerrar a fase de instrução (investigação) do processo, o que levará o relatório a ser finalizado no prazo de cinco sessões do Conselho de Ética. Ou seja, o processo entrará na reta final.
Segundo apurou a Folha junto a colegas de Delgado no Conselho de Ética, o relator recomendará a cassação de mandato devido a um conjunto de evidências que ligam Dirceu ao esquema do "mensalão". O ex-ministro nega seu envolvimento e argumenta que não existem provas contra ele.
Em conversas informais no conselho, o relator avaliou que esse conjunto de evidências é suficiente para responsabilizar politicamente o ex-ministro pelo "mensalão" -esquema ilegal de financiamento ao PT e a partidos da base aliada montado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza.
Procurado pela Folha, Delgado afirmou ontem que não comentaria o teor do relatório. Disse apenas que deverá finalizá-lo em breve. "Se eu tiver a convicção da inocência do deputado José Dirceu, não recomendarei a cassação. Se eu tiver a convicção de sua responsabilidade, recomendarei", limitou-se a dizer.
No entanto, a Folha apurou que Delgado acha que Dirceu não terá escapatória e que o conselho aprovará o envio do processo de cassação ao plenário da Câmara. No plenário, dificilmente escapará, apesar de o ex-ministro estar ligando para membros das bancadas partidárias a fim de medir sua chance de não ser cassado.
Com o fim da fase de instrução (investigação), será acelerado o desfecho da situação de Dirceu no Conselho de Ética, o que ajuda a explicar por que ele recorreu ontem ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que seu processo tivesse a tramitação suspensa. Como há o feriado na próxima quarta-feira, dia 12, o relatório só deverá ser submetido ao conselho no dia 17, o prazo final das cinco sessões no Conselho.
Relatório
A Folha apurou que, no conjunto de evidências, Delgado dará destaque às idas do publicitário Marcos Valério à Casa Civil. Duas delas para tratar com Dirceu. Outra dezena para falar com Sandra Cabral, assessora do então ministro da Casa Civil encarregada da nomeação de cargos. Essas passagens de Valério pela Casa Civil servirão de argumento para mostrar que Dirceu, apesar de se dizer afastado da coordenação política, exercia na prática essa função.
O empréstimo do banco BMG à ex-mulher de Dirceu Maria Ângela Saragoça para a compra de um apartamento também deverá aparecer no relatório como evidência de tráfico de influência. Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério, já disse que comprou o apartamento por saber que ele pertencia à ex-mulher de Dirceu. Saragoça também obteve emprego no BMG por meio de Valério.
Apesar de o presidente do BMG, Ricardo Guimarães, ter dito à CPI dos Correios que Valério intermediou audiência da direção do banco com Dirceu, informações de bastidor que chegaram ao conhecimento do Conselho de Ética contestam essa versão.
De acordo com membros do Conselho de Ética, foi Delúbio Soares quem pediu ao BMG que desse o empréstimo de R$ 2,4 milhões ao publicitário Marcos Valério. Ou seja, não foi Valério que disse a Delúbio que podia tomar a quantia emprestada e dá-la ao PT. Simultaneamente, Delúbio, e não Valério, marcou a audiência do BMG com Dirceu.
Seria a evidência de uma triangulação de Delúbio para obter do BMG uma concessão de um empréstimo por meio de Valério e dar à instituição financeira uma contrapartida (abertura de portas no governo). Essa triangulação ajudará o relator a formar a convicção da responsabilidade de Dirceu no mensalão.
Outra informação de bastidor que chegou ao relator Delgado dá conta de que o Roberto Marques que sacou R$ 50 mil das contas de empresas de Valério é mesmo um amigo e antigo assessor de Dirceu. Se confirmada até a apresentação do relatório, ela complicará mais a situação do ex-ministro. Dirceu e Marques negam.
Por último, a passagem de Dirceu pelo conselho administrativo da Petrobras no início de 2003 será usada para justificar a competência do Conselho de Ética para julgá-lo. Dirceu alega que era ministro à época do mensalão e que, por isso, não pode ser cassado porque não exercia o mandato.
A Constituição proíbe que um congressista receba como conselheiro de estatal, sob pena de perder o mandato. Tanto que Dirceu se afastou da Petrobras. Na avaliação do Conselho de Ética, isso mostra que a condição de ministro não exclui a de congressista e que o órgão pode processar Dirceu. Mais: há jurisprudência na Câmara que diz que pode haver cassação por ato praticado fora do mandato. A passagem pela Petrobras poderia ser utilizada como motivo para cassação, mas o relator não deve usá-la para isso.