- 07 de novembro de 2024
MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO
De janeiro até o último dia de setembro, nenhuma obra de abastecimento de água e construção de banheiros em escolas saiu do papel. No mesmo período, a implantação de uma rede de informações em transplantes ficou paralisada. Os projetos de criação de espaços comunitários de inclusão digital e apoio a pesquisas em biotecnologia, idem.
Esses são alguns exemplos de investimentos autorizados por lei para o ano e que não foram nem sequer objeto de compromisso de gasto, os chamados "empenhos", nos primeiros nove meses de 2005. O resultado foi colhido pela Folha no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais) uma semana após o governo prometer liberar dinheiro público para projetos de interesse dos deputados, em busca de votos para o candidato à presidência da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP).
Os exemplos citados fazem parte da lista de projetos paralisados nos ministérios da Saúde e Ciência e Tecnologia. As pastas foram as únicas que escaparam dos cortes de verbas impostos ao conjunto da Esplanada. Mas são as que mais contribuem para a economia de gastos destinada ao pagamento da dívida pública, mostram dados oficiais do Ministério do Planejamento.
As duas pastas passaram recentemente por troca de titulares. Os ex-ministros Humberto Costa (PT) e Eduardo Campos (PSB) foram substituídos em julho, respectivamente, pelo peemedebista Saraiva Felipe e o técnico Sérgio Rezende. Mas o atraso é atribuído pelas assessorias dos ministros ao ritmo natural de assinatura de convênios e a negociações com deputados e senadores, autores de emendas ao Orçamento.
O Ministério da Saúde começou o ano com R$ 2,6 bilhões para investir. Pouco mais de 20% do total passou pelas etapas que antecedem o gasto público propriamente dito. E só R$ 146 milhões foram gastos até 30 de setembro.
"É uma pena que a menos de quatro meses do fim do ano tenhamos uma execução tão pobre", diz Fernando Cupertino, vice-presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
No grupo dos ministérios com autorização legal para investir um volume maior de dinheiro público, a situação só é comparável com a do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Dos R$ 655 milhões de gastos autorizados e livres de bloqueios, pouco menos de 18% foram objeto de compromissos de gasto nos primeiros nove meses do ano, e apenas R$ 80 mil foram gastos -o equivalente a 12,18%.
O Ministério dos Transportes, por exemplo, começou o ano com previsão de investir mais de R$ 6 bilhões, sobretudo na manutenção e recuperação de rodovias. Um decreto baixado pelo presidente Lula em fevereiro reduziu o limite de gastos a R$ 3,8 bilhões. Desse total, o ministério gastou R$ 913 milhões, mas já deu um primeiro passo para gastar um volume bem maior: R$ 2,6 bilhões ou 69,09% foram "empenhados".
Ainda que o Ministério dos Transportes tenha gasto pouco, proporcionalmente ao investimento autorizado, essa foi a pasta que mais investiu na Esplanada até setembro. Atrás dele, vêm os ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Defesa. Com R$ 284 milhões em investimentos pagos, o Ministério da Defesa investiu quase o dobro que a Saúde até o último dia de setembro.
A compra de aeronaves, por exemplo, consumiu R$ 54 milhões de investimentos já pagos em 2005, quase 13 vezes mais do que o projeto de estruturação dos serviços de hematologia e hemoterapia, um dos que mais gastou até aqui no Ministério da Saúde.
Considerando contas pendentes pagas neste ano com a mais importante ação do programa de qualidade do sangue para transfusões, os gastos ainda ficam aquém da conta paga pelo envio de tropas ao Haiti, onde soldados brasileiros integraram a ação de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), registra levantamento feito no Siafi pelo gabinete do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS).
No conjunto, dos R$ 22,3 bilhões de investimentos autorizados para 2005 pelo Orçamento e dos R$ 13 bilhões que escaparam do bloqueio de gastos, foram pagos R$ 2,7 bilhões nos primeiros nove meses do ano.