- 12 de novembro de 2024
Brasília - A vida nos prega alguns percalços que só o tempo pode explicar. No tempo dos governos revolucionários, com tal milagre econômico comandado por Delfim Neto, tudo que os militares faziam em termos de obras suntuosas - e não foram poucas - se dizia à boca pequena que exalavam o cheiro de corrupção.
Mário David Andreazza, coronel do Exército, foi o mais acusado. Andreazza foi ministro por duas vezes, em dois governos, do dos Transportes e do Interior, cujas pastas detinham os maiores orçamentos da República. Contra ele pesavam duras acusações de malversação de recursos públicos na construção da Ponte Rio/Niterói, aa Transamazônica e outras obras de igual porte. Pois bem, Andreazza morreu pobre, que seus amigos e até adversários do regime militar se cotizaram para levantar fundos para doá-los à viúva para que pudesse sobreviver.
O mesmo aconteceu com o coronel Jorge Teixeira, também do Exército, que, punido pelo Alto Comando Revolucionário, por suas convicções contrárias as do regime militar, foi transferido do seu querido Rio de Janeiro para Manaus. Torcedor fanático do Flamengo e de sua gloriosa escola de samba da Mangueira, logo se enturmou com os torcedores e carnavalescos amazonenses. Foi fundador do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e do Colégio Militar de Manaus, duas grandes e meritórias obras.
Teixeirão se tornou uma figura emblemática, muito querida em todas as camadas sociais. De bom papo, trabalhador, logo foi visto pelos políticos amazonenses como a solução para a falta de líderes que pudessem assumir o vácuo deixado pelos ex-governadores Gilberto Mestrinho e Plínio Coelho, dois líderes do antigo PTB de Getúlio Vargas, ambos cassados pelos militares. Não demorou muito e lá estava o Teixeirão na cadeira de Prefeito (nomeado) de Manaus.
A gestão de Teixeirão prefeito foi marcada por obras monumentais na capital amazonense, que as transformram numa cidade moderna, com grandes avenidas, e novos bairros. E muito dinheiro gasto à toa, diziam os seus adversários. Suas obras em Manaus serviram para os militares o nomearem governador de Rondônia, quando o antigo território passou a Estado. Lá, como em Manaus, Teixeirão deixou a sua marca - obras e mais obras, tudo com muito dinheiro gasto. E as acusações de corrupção saíam todos os dias na grande imprensa.
Pois bem, Teixeirão morreu pobre, a exemplo do seu colega Maria David Andreazza. Foi preciso que o Governo do Amazonas e a Prefeitura de Manaus concedessem pensões à sua viúva para que a família de Teixeirão não passasse fome depois de sua morte.
E a propósito, hoje, um dos homens mais fortes e temidos do regime militar, o general Octávio Medeiros, ex-chefe supremo do famigerado SNI está à morte numa cama de um hospital de Brasília. A família de Octávio Medeiros teve que fazer um empréstimo de 800 reais a um banco para completar a conta do hospital. Medeiros também foi alvo de veladas denúncias de corrupção. chefiou o Comando Militar da Amazônia (CMA), com muita discrição, como era do seu feitio, apenas para completar o tempo na caserna e ir para a reserva.
Certa vez, este articulista o entrevistou - sem que ele soubesse que estava dando entrevista - em sua casa em Manaus, sobre sua vida militar e sobre aquelas veladas acusações. Ele, sem a arrogância que o cargo de chefe supremo do SNI lhe impingia, disse: "Olhe, nós fizemos muitas coisas erradas, menos roubar o País". É, sem pestanejar, Medeiros dizia a pura verdade.
Pois é, o Brasil tem a mania de acusar e não provar nada. Morrem os homens acusados injustamente e ninguém paga por isso. Andreazza, Medeiros e Teixeirão eram a bola sete da corrupção. Mas nada contra eles foi provado. Hoje em dia, não se pode dizer o mesmo.
No início da Nova República, com a ascensão de José Sarney ao poder, havia uma idéia de os governadores do PMDB, eleitos em 1982, fazerem uma verdadeira devassa na vida dos governantes revolucionários. Um dos governadores eleitos na época que se colocou contra essa malfadada idéia foi o hoje senador Gilberto Mestrinho. Aos interlocutores da idéia, Mestrinho avisou: "Não faço devassa coisa nenhuma; não vou ficar quatro anos fazendo inquérito e não vou governar". E não moveu uma palha contra os ex-governantes revolucionários.
Os exemplos de Andreazza, Medeiros e Teixeirão não servem para a realidade em que vivemos hoje, com os mensalões os delúbios e valérios da vida. Mas a história certamente ainda fará justiça aos injustiçados de um passado não muito distante.