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Remendos e tampões no rompimento de diques - Márcio Accioly

No Rio de Janeiro, uma aposentada com 80 anos de idade filmou, da janela de seu apartamento, grupo de traficantes a comercializar e consumir drogas livremente, inclusive com a participação de crianças. A velha senhora foi louvada por todos os meios de comunicação, exposta de certa forma e saudada como heroína. Mas muita gente não gostaria de estar em sua pele.


No Rio de Janeiro, uma aposentada com 80 anos de idade filmou, da janela de seu apartamento, grupo de traficantes a comercializar e consumir drogas livremente, inclusive com a participação de crianças. A velha senhora foi louvada por todos os meios de comunicação, exposta de certa forma e saudada como heroína. Mas muita gente não gostaria de estar em sua pele.

Como decorrência da filmagem, 17 traficantes e dois policiais militares foram presos temporariamente. E a polícia já solicitou à Justiça a prisão de outros 13 suspeitos que aparecem nas fitas, incluindo aí sete PMs, cinco dos quais já foram presos administrativamente. A filmagem foi realizada no bairro do Botafogo, na ladeira Tabajara, através da janela de um dos apartamentos de um prédio bem em frente.

São 22 fitas, num total de 33 horas de gravação. Tudo comentado por dona Vitória (nome fictício da aposentada), que agora está incluída no programa de proteção a testemunhas do governo do estado do Rio de Janeiro. Os PMs presos aparecem na fita negociando a venda de proteção e armas aos traficantes. Fato inacreditável: a polícia vendendo armas aos inimigos da própria. Os bandidos sendo armados pelos policiais!

Claro que o gesto da boa velhinha está coberto de excelentes intenções. Mas quem é que acredita mais em ordem e progresso, numa sociedade caindo aos pedaços? Os meios de comunicação deram a localização exata do prédio e como foi feita a filmagem. Mas mesmo que tais informações não tivessem sido veiculadas, seria facílimo descobrir o local. Tudo está exposto muito claramente.

O problema não é fazer a denúncia e mostrar como acontece, mas ficar aguardando decisão judicial num sistema que vai se mostrando mergulhado em alto nível de corrupção. É preciso que se crie no nosso país o "nível lama". Maneira de aferir desmandos diários. A bandalheira deveria ser medida todos os dias. Da mesma forma que se realizam previsões meteorológicas, dever-se-ia criar o padrão de "expectativa da roubalheira".

Está bem claro que o sistema de representação política nacional, no bojo dessa crise que vai se alongando, terá de ser radicalmente modificado. O desmantelo não está apenas nos setores marginais, os excluídos que fazem parte esmagadora do nosso quadro social (mais de 60%, beirando os 70%). O drama maior diz respeito ao próprio esquema administrativo da máquina estadual.

Para que não se canse muito o juízo, não é preciso buscar exemplo distante. Eles estão bem à nossa mão, seja qual for a unidade federativa em que nos encontremos. O crime organizado faz parte hoje da máquina administrativa de governo. As instituições se mostram frágeis e desprovidas dos meios necessários, no enfrentamento à presente crise, por conta do desrespeito institucionalizado da não punição dos culpados.

Pode-se afirmar, sem nenhuma margem de erro, que a grande maioria dos prefeitos eleitos nas últimas eleições (2004) encontra-se envolvida em gritantes traquinagens, contabilizadas a partir do desvio puro e simples dos recursos públicos (roubo descarado) ao total desconhecimento do gerenciamento administrativo.

Analfabetos e despreparados são conduzidos a cargos do executivo, sem a menor noção de administração pública e o resultado não poderia ser outro que não o desastre. Um município é formado pelo corpo social de médicos, professores, advogados, cidadãs e cidadãos comuns, gente que depende no dia-a-dia da gestão pública, seja de forma direta ou indireta, e que se torna refém de dissabores causados pelo mau governante.

Em Roraima, por exemplo, pouquíssimos municípios teriam condições de se sair bem, no caso de realização de auditoria nas suas contas, embora não tenhamos alcançado sequer um ano de posse dos atuais prefeitos. E não se precisa ir muito longe: bastaria uma auditagem nos mais próximos da capital, Boa Vista. Onde está o Tribunal de Contas?

O mesmo acontece nos municípios das demais unidades federativas, a maioria conduzida por espertalhões que logram sucesso nas urnas (legitimação), dando as cartas pelo período de quatro anos. Quando se descobre o fracasso é tarde demais e o rombo é irreparável. Por isso, torna-se indispensável mudar todo o quadro político, permitindo-se verdadeira renovação na habilitação de cidadãos responsáveis em disputas eleitorais.

Se não se processarem urgentes mudanças, de nada irá adiantar uma centena de senhoras aposentadas, como dona Vitória, filmando traficantes e viciados que se aniquilam no consumo e comercialização de drogas nas ruas. O problema maior está na fonte de toda essa tragédia: o poder público. Em maus exemplos, em más políticas e no desconhecimento e descaso com que se trata a administração dos municípios, dos estados e do país.

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