- 12 de novembro de 2024
Cavalo Bêbado era um índio cabeçudo, chegado à cachaça e a elogios aos chefes da tribo. Ganhou esse nome não em alusão a uma imagem que sua mãe grávida viu, e sim, numa homenagem dela ao pai do trotante, índio velho que roubava cavalos embriagando-os com Pitu, pinga lá de Pernambuco.
Logo ainda criança, Cavalo Bêbado aprendeu com o pai a arte da dissimulação e da subserviência. Dizia o velho índio ladrão de eqüinos: "Aprenda, Cavalo Bêbado, o melhor puxa-saco não é aquele que vive fazendo o que o chefe gosta. Mas, sim, aquele que advinha o que o chefe gosta".
Outra lição do índio velho ladrão de eqüinos: "Faça sempre jabá. Ele é que vai sustentar suas eguinhas e seus pôneis. E tome cuidado com os dentes, pois quando eles começam a cair, os chifres aparecem". Aquela última frase sobre dentes caindo e chifres nascendo, Cavalo Bêbado nunca a esqueceu. Muitas luas depois, alguns índios, em conversas de pé de ouvido, chamavam-no de o Grande Unicórnio Feliz.
Dentes podres e chifres à parte, Cavalo Bêbado sem muita serventia na tribo em que vivia, foi expulso. Mudou-se para outras terras. Terra de gente de bem, mas ingênuas quanto a esquemas de elogios tarifados, opiniões pagas e de subserviência assalariada. Tal qual o homem que falava Javanês, de Lima Barreto, Cavalo Bêbado pousava de culto e bem formado. Mas só sabia fazer uma coisa: jabá.
A cada início de lua, Cavalo Bêbado circulava entre os poderosos da tribo pedindo sal (coisa muito valiosa entre os índios) para o seu jabá. Era uma espécie de rolar a sacolinha todasas sextas-feiras. A desculpa era sempre a mesma: "Pequeno Pônei está doente".
Embora todos na tribo soubessem das artimanhas de Cavalo Bêbado, ele acreditava piamente que era respeitado e admirado pelos índios e que eles nada percebiam sobre seus desvios de caráter.
Hoje, ainda mais parecido com o seu pai - índio velho ladrão de eqüinos - e depois de ser colocado pra fora de vários grupos indígenas por onde perambulou, Cavalo Bêbado, se presta ao último papel que lhe resta: o de bajulador do chefe Graúna na Boca, fazer jabá e cuidar dos dentes que estão caindo.