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NÃO SE CONSIDEREM AS ILUSÕES PERDIDAS - Márcio Accioly

Defenestrado da Previdência de maneira humilhante, depois de ali ter permanecido por escassos 120 dias (período em que foi forçado a se defender sem sucesso de gravíssimas censuras a ações empreendidas), o senador Romero Jucá Filho (PMDB-RR) anunciou, na última quinta-feira (18), que iria discursar no Congresso Nacional, mostrando "trabalho profícuo e intenso" na sua passagem ministerial.


Defenestrado da Previdência de maneira humilhante, depois de ali ter permanecido por escassos 120 dias (período em que foi forçado a se defender sem sucesso de gravíssimas censuras a ações empreendidas), o senador Romero Jucá Filho (PMDB-RR) anunciou, na última quinta-feira (18), que iria discursar no Congresso Nacional, mostrando "trabalho profícuo e intenso" na sua passagem ministerial.

Trata-se de mero jogo de palavras, no qual o significado varia no atendimento a particular interpretação de sua excelência. O caso carece de sentido, na compreensão geral que se imprime à linguagem. É como se forçasse gesto hipnótico, à maneira de Houdini, cuja presença a todos abismava diante da maestria e da elaboração de realidade a se confundir com a fantasia, no deslumbre do arrojo e do talento incomparável.

Houdini era o pseudônimo pelo qual ficou conhecido o húngaro Erich Weiss (1874-1926), cuja família mudou-se de Budapeste para os EUA, quando ele tinha quatro anos de idade, fugindo de insuportáveis privações. Sua identificação com o país adotado era tamanha que ele gostava de citar a cidade de Appleton, no estado de Wisconsin, como seu local de nascimento.

Durante meio século de existência (morreu com 52 anos), construiu rica biografia, pautada em mistério e segredos inescrutáveis. Formou-se aura mágica em torno de seu nome. Escapava de algemas e de qualquer cela onde fosse encarcerado, andava através de paredes e se desvencilhava até mesmo de camisas-de-força, dependurado de cabeça para baixo pelos tornozelos e atado por correntes a considerável altura.

Diferentemente do tipo de entretenimento propiciado pelo grande artista, o que a população brasileira demanda de seus representantes é postura digna e responsável com relação à coisa pública, prestando todas as satisfações exigidas por aqueles que lhes delegam poderes na convocação das urnas. Nada de espetacular ou fora de limites. Simples assim. Tudo que a sociedade deseja são respostas claras e precisas.

Não é isso, nos dias que correm, o que demonstra entender o senador. Apontado como contratante de empréstimo milionário, sua excelência apresentou, na garantia dos milhões de reais que lhe foram destinados, sete fazendas inexistentes que estariam localizadas no estado do Amazonas. O fato é tão absurdo que derrapa na galhofa: a Folha de S. Paulo o identifica como "Fazendeiro do Ar".

Logo no início das denúncias de corrupção desabrida, praticada pelo publicitário Marcos Valério (quando este tentou justificar a retirada de milhões de reais em espécie para "pagar bois que comprava" no circuito do triângulo mineiro), aventou-se a possibilidade de os ditos animais estarem pastando nas sete fazendas do senador peemedebista. Tanto os bovinos quanto as terras em lugar incerto e não sabido.

Por isso, surpreendeu o posicionamento do congressista por Roraima, ao enveredar pela exposição de soluções ministeriais que teria conseguido, quando tanta coisa continua a merecer reparos e justificativas e a maioria ainda sente imensurável vazio que o exercício consciente da omissão tende a agravar.

É bom saber que em tão curto espaço de tempo sua excelência tenha dado cabo de dramas seculares, embora os contribuintes continuem a engrossar filas sem esperança de conseguir assistência médica ou social (como antes) e os rombos financeiros anunciados se ampliem, face miríade de esquemas fraudulentos freqüentemente urdidos.

Mas é preciso que se caminhe a curtos passos, para que não se alimente a sensação de se estar sendo atropelado na corrida. O que os roraimenses desejam saber é a localização das fazendas que serviram de garantia ao empréstimo arrancado do Basa.

Depois, todos também se mostram ansiosos por tomar conhecimento do posicionamento do senador no que se refere à demarcação de áreas indígenas, já que o estado de Roraima dispõe de algo em torno de tão-somente dez por cento de seu espaço territorial físico, para abrigar população humana que já beira 400 mil viventes.

Fugir desse tema (passando por cima do que se mostra pendente) é palmilhar mundo mágico habitado por Houdini, num apego ao ilusório. Nada disso dará suporte básico às necessidades mais prementes, pois a sociedade deve ser erigida na base do compromisso, confiança e responsabilidade.

Todas as vezes que os dirigentes tentaram misturar realidade com ficção, o resultado final foi desastroso. As revoltas, golpes, violência e mortes estão aí e não deveriam ser esquecidas. Na essência dos desencontros, vivemos perigosa corrida contra o relógio, na esperança imorredoura e iludível de sempre resgatar o tempo perdido.

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