- 12 de novembro de 2024
Há algum tempo, falei da saga de João Adolfo que, depois de muita luta e aprovação em dois vestibulares, conseguiu matricular-se na instituição federal de nível superior de seu Estado.
João, ansiosamente, aguardou o mês de agosto quando se iniciariam as aulas. Uma palestra para informações e esclarecimentos marcaria o começo do ano letivo. João, presumindo-se o mais velho da sua turma e não querendo destoar de seus pares, colocou uma camiseta amaciada, jeans desbotado, um velho e surrado par de tênis e seguiu para a sua nova vida. Chegou cedo ao auditório, sentou-se na terceira fila, abriu um livro para disfarçar a inquietude e pôs-se a ler enquanto esperava o palestrante.
O auditório lotou rapidamente e logo surgiu no palco um cidadão que se apresentou como Diretor de determinado Departamento e se pôs a falar sobre a instituição e suas normas. Ao cabo de poucos minutos, os ouvidos do nosso calouro foram agredidos com a frase:
- "... vocês podem até vim com a gente, mas será indeferido."
Toimmmmmm. João pensou ter ouvido mal. Para amenizar, creditou o deslize ao nervosismo do palestrante. Logo, novas porradas nas oiças do calouro velho: - "...este semestre tiveram cento e oitenta e uma pessoas que..."; ainda: - "...dentro dos dias que está estipulado..."; em seguida: - "...na disciplina que ele foi aceito..."; mais: - "...aparecer no dia fulano-de-tal..." (...) "...para a disciplina fulano-de-tal...". mais uma: -"...lê a resolução toda na íntegra..."; e, para finalizar, graças a Deus: - "...que num seje daquele departamento..."
Pensam que acabou? O orador, durante a explanação, sem a menor cerimônia espalmou e ergueu a mão direita pedindo licença e, com a esquerda, atendeu ao celular - talvez para mostrar à mãe, à mulher, à filha ou à amante a sua "importância": "Meu bem, vou ter que desligar... Estou fazendo um discurso de boas vindas aos calouros da Universidade..." (As palavras e o possível interlocutor foram imaginadas pelo cronista).
Graças a Deus, as colocações daquele diretor de departamento não foram mais longas. João sentiu medo de ir a nocaute ouvindo tantas agressões à língua portuguesa. Comtemporizou: "Tá bom. Se o Presidente da República atropela o idioma de Camões, porque não um diretor de departamento de universidade recém criada?"
Dali, nosso velho novo estudante seguiu para a sala de aulas onde uma jovem e simpática professora apresentou boas vindas aos calouros, uma turma de veteranos aplicou-lhes trotes inocentes e, logo, a turma pôs-se a esperar a primeira aula que, conforme estabelecido, começaria às 18 horas e terminaria às 20:00.
18:00..., 18:15..., 18:40..., 19:35... Às dezenove horas e cinqüenta minutos, João chegou ao final do livro que começou a ler ainda no auditório e, a despeito de todas as facilidades encontradas hoje para que as pessoas se comuniquem, não apareceu vivalma para informar algo sobre aquela falha. Às 20 horas, presumivelmente início da próxima e última aula, os colegas de João começaram a debandar, pois correu o boato de que "nos primeiros dias de aulas, é normal que os professores não apareçam". É mole?
João, frustrado e para não parecer "cdf" frente aos seus novos pares, voltou pra casa e, no caminho, pensou: "Como o docente pode exigir respeito do discente, se este não é respeitado por aquele? Talvez a origem da falência do ensino brasileiro comece por aí".