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Crônica do Aroldo - JOÃO ADOLFO E A UNIVERSIDADE

Pensam que acabou? O orador, durante a explanação, sem a menor cerimônia espalmou e ergueu a mão direita pedindo licença e, com a esquerda, atendeu ao celular - talvez para mostrar à mãe, à mulher, à filha ou à amante a sua "importância": "Meu bem, vou ter que desligar... Estou fazendo um discurso de boas vindas aos calouros da Universidade..."


Há algum tempo, falei da saga de João Adolfo que, depois de muita luta e aprovação em dois vestibulares, conseguiu matricular-se na instituição federal de nível superior de seu Estado.

João, ansiosamente, aguardou o mês de agosto quando se iniciariam as aulas. Uma palestra para informações e esclarecimentos marcaria o começo do ano letivo. João, presumindo-se o mais velho da sua turma e não querendo destoar de seus pares, colocou uma camiseta amaciada, jeans desbotado, um velho e surrado par de tênis e seguiu para a sua nova vida. Chegou cedo ao auditório, sentou-se na terceira fila, abriu um livro para disfarçar a inquietude e pôs-se a ler enquanto esperava o palestrante.

 

O auditório lotou rapidamente e logo surgiu no palco um cidadão que se apresentou como Diretor de determinado Departamento  e se pôs a falar sobre a instituição e suas normas. Ao cabo de poucos minutos, os ouvidos do nosso calouro foram agredidos com a frase:

 

- "... vocês podem até vim com a gente, mas será indeferido."

 

Toimmmmmm. João pensou ter ouvido mal. Para amenizar, creditou o deslize ao  nervosismo do palestrante. Logo, novas porradas nas oiças do calouro velho: - "...este semestre tiveram cento e oitenta e uma pessoas que..."; ainda: - "...dentro dos dias que está estipulado..."; em seguida: - "...na disciplina que ele foi aceito..."; mais: - "...aparecer no dia fulano-de-tal..." (...) "...para a disciplina fulano-de-tal...". mais uma: -"...lê a resolução toda na íntegra..."; e, para finalizar, graças a Deus: - "...que num seje daquele departamento..."

 

Pensam que acabou? O orador, durante a explanação, sem a menor cerimônia espalmou e ergueu a mão direita pedindo licença e, com a esquerda, atendeu ao celular - talvez para mostrar à mãe, à mulher, à filha ou à amante a sua "importância": "Meu bem, vou ter que desligar... Estou fazendo um discurso de boas vindas aos calouros da Universidade..." (As palavras e o possível interlocutor foram imaginadas pelo cronista).

 

Graças a Deus, as colocações daquele diretor de departamento não foram mais longas. João sentiu medo de ir a nocaute ouvindo tantas agressões à língua portuguesa. Comtemporizou: "Tá bom. Se o Presidente da República atropela o idioma de Camões, porque não um diretor de departamento de universidade recém criada?"

 

Dali, nosso velho novo estudante seguiu para a sala de aulas onde uma jovem e simpática professora apresentou boas vindas aos calouros, uma turma de veteranos  aplicou-lhes trotes inocentes e, logo, a turma pôs-se a esperar a primeira aula que, conforme estabelecido, começaria às 18 horas e terminaria às 20:00.

 

18:00..., 18:15..., 18:40..., 19:35... Às dezenove horas e cinqüenta minutos, João chegou ao final do livro que começou a ler ainda no auditório e, a despeito de todas as facilidades encontradas hoje para que as pessoas se comuniquem, não apareceu vivalma para informar algo sobre aquela falha. Às 20 horas, presumivelmente início da próxima e última aula, os colegas de João começaram a debandar, pois correu o boato de que "nos primeiros dias de aulas, é normal que os professores não apareçam". É mole?

 

João, frustrado e para não parecer "cdf" frente aos seus novos pares, voltou pra casa e, no caminho, pensou: "Como o docente pode exigir respeito do discente, se este não é respeitado por aquele? Talvez a origem da falência do ensino brasileiro comece por aí".

 

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