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EDUCAÇÃO - Diploma para índios

Líderes indígenas recorrem ao Ministério Público para ampliar número de vagas nas universidades públicas às outras minorias. Idéia é aproveitar a reforma universitária para alterar a política de cotas, adiada para 2015.


Erika Klingl
Da Equipe do Correio

Paulo H. Carvalho/CB
CORAÇÃO DE ESTUDANTE: Newton Galache (d) e Adão Irapuitã estudam na UnB e querem ampliar chances de outros índios chegarem à universidade
 
Se os negros são minoria nas salas das universidades e faculdades no Brasil, a presença de índios é ainda mais rara. Não existe no Brasil um programa efetivo de inclusão dos estudantes indígenas no seleto grupo de graduados do país. "Essa é apenas mais uma injustiça que nós sofremos", lamenta o líder terena David Terena, que ontem entregou ao procurador da República Alexandre Camanho uma representação ao Ministério Público Federal para tentar mudar esse cenário. No fim da tarde, o documento foi encaminhado à chefe da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, Lívia Tinoco. "A gente não quer nada demais, só o direito de decidir se vai ou não conquistar nossa cidadania junto à cultura ocidental", resume o índio.

De acordo com o procurador, a demanda dos índios não pode ser resolvida com uma ação civil pública. "Até porque seria muito demorado", admite Camanho. O caminho encontrado pelo Ministério Público Federal será a realização de uma série de audiências para pressionar o Congresso Nacional e o governo federal para criar políticas de acesso dos índios ao ensino superior público.

O país não tem dados atualizados sobre a presença de índios nos cursos de graduação. "Isso reforça a tese de que o Estado patina no tratamento dos indígenas como cidadãos", afirma Camanho. Segundo dados do governo divulgados em 2003, dos 400 mil índios existentes no Brasil, 1,3 mil estão na universidade. A população indígena no Brasil está distribuída em 215 etnias diferentes e que falam 180 dialetos distintos. Eles representam 1,2% dos universitários da Região Centro-Oeste, 3,9% da Região Norte, 1,1%, no Nordeste e 0,5 e 0,7%, respectivamente, no Sudeste e no Sul.

Desafio
Um desses alunos é a o terena Newton Marcos Galache, de 40 anos. Vindo de Dourados, no Mato Grosso do Sul, ele está no 5º semestre de Direito na Universidade Paulista (Unip). Paga R$ 700 todo mês, o que equivale a mais da metade de seu salário. "Foi um grande desafio chegar ao ensino superior e está sendo tão difícil quanto o que já passei manter-me estudando", reclama.

Mas a principal preocupação de Newton está no futuro. Mais precisamente daqui a três anos. "Quando me formar, terei 43 anos e estarei concorrendo com meninos de 25 anos com muito mais chance no mercado", afirma. "Os índios demoram tanto para conseguir o direito ao ensino que quando alcançam, já estão velhos."

De acordo com Camanho, o momento atual é perfeito para trazer essa discussão à tona. "Vamos aproveitar o vácuo da reforma universitária para tentar o cumprimento do direito à educação por parte dos índios", afirma o procurador da República.

A luta do Ministério Público Federal e dos líderes indígenas será mais difícil do que o procurador imagina. Isso porque o Ministério da Educação (MEC) já prevê a criação de cotas para índios no projeto de reforma encaminhado na última semana à Casa Civil da Presidência da República. O problema é que as universidades federais só terão obrigação de oferecer vagas para alunos negros e índios das escolas públicas em 2015. A decisão de adiar a obrigatoriedade das cotas foi fechada em um acordo entre o MEC e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). "A idéia é fazer pressão para mudar esse prazo ou estaremos renegando esse direito a mais uma geração. Está na hora de tirar os índios da situação de mendicância por vaga na educação básica ou superior", avalia Camanho.


A gente não quer nada demais, só o direito de decidir se vai ou não conquistar nossa cidadania junto à cultura ocidental

David Terena, líder indígena



O número
1,3 mil
índios estão nas universidades brasileiras, dos 400 mil que vivem no território nacional

A difícil vida de Adão Irapuitã

O caioá Adão Irapuitã, de 58 anos, está no 6º semestre de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Veio transferido de uma faculdade particular em Palmas, no Tocantis, onde cursou os três anos de graduação para se tornar um advogado. "As coisas são muito difíceis para mim, porque o horário da UnB me coloca numa encruzilhada: ou estudo ou trabalho", afirma. O caioá é servidor público, trabalha na Fundação Nacional do Índio (Funai) e conseguiu entrar na UnB por meio de um convênio fechado entre as duas instituições. "Não adianta eles darem a vaga para estudar e pronto, sem apoio para comprar os livros ou pegar um ônibus", cobra.

Sem apoio, Adão não tem chance de escolher entre estudar e se formar advogado para "ajudar meu povo a lidar com as leis". A dificuldade de conciliar a vida de estudante com trabalho e família fez com que, no mês passado, Adão fizesse vestibular para Direito na faculdade Uniplan. "Lá, ao contrário da UnB, todos os meus créditos serão aprovados. Por dois anos vou pagar mensalidade, mas me formarei logo e vou poder melhorar de vida."

O caioá também reclama da dificuldade de comprar os livros ou pagar o transporte para a universidade porque o salário de servidor público quase não da para pagar a vida de sua família. "Dizem que o índio tem direito a terra, que é o verdadeiro cidadão do Brasil, mas não é isso que a gente vê no dia a dia", lamenta (EK).


Poucas vagas na UnB

A Universidade de Brasília (UnB) tem mais de 21.502 alunos. Destes, 15 são índios. Apesar de mínimo, o número só foi alcançado depois que a Universidade de Brasília (UnB) assumiu uma experiência pioneira no país e criou vagas específicas para indígenas que estivessem matriculados em instituições de ensino superior particulares no Distrito Federal.

As 15 transferências aconteceram no primeiro semestre do ano passado em um convênio fechado entre UnB e Fundação Nacional do Índio (Funai). Na época, a previsão era atender a 200 estudantes nos próximos dez anos. Um ano depois do início da vigência do convênio, já houve atrasos. Outros dez índios entrariam na UnB a partir da semana que vem, mas quando chegou o momento da instituição selecionar os estudantes, os servidores da Funai entraram em greve. "Vamos retomar o processo o mais rapidamente possível, mas a entrada dos estudantes ficou para o ano que vem", admite o decano de graduação da UnB, Ivan Camargo.

O professor reconhece a baixa representatividade de índios na universidade. "O problema do ensino para índios é muito grave e começa ainda no ensino médio. Mas além disso, eles têm dificuldades financeiras", afirma Camargo. E, apesar do baixo número, o decano da UnB não vê como viável a criação de cotas para índios, nos mesmos moldes como ocorre com negros para entrar na instituição. "Não temos comunidades indígenas no Distrito Federal ou no Entorno e a cota para índios não é uma proposta da UnB", afirma.

De acordo com o procurador da República Alexandre Camanho, mesmo propostas como a da UnB são passíveis de críticas. "Os índios não podem ficar batendo nas portas para pedir uma oportunidade como se fosse um favor incrível. Eles são cidadãos do Brasil e merecem ser tratados como tal", argumenta. (EK)

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